São Paulo, sexta, 14 de março de 1997.

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MÃOS SUJAS
Empresário financiava cartel de Cali, segundo polícia da Itália
PC e tráfico planejavam ter negócios na América do Sul


LUCAS FIGUEIREDO
enviado especial a Roma

O cartel de Cali, da Colômbia, era aliado do empresário Paulo César Farias e de narcotraficantes italianos na montagem de uma rede de negócios na América do Sul.
O objetivo da sociedade era comprar e montar empresas para ajudar na lavagem de dinheiro do narcotráfico. PC e seus sócios planejavam, por exemplo, comprar a estatal telefônica do Equador.
A Folha apurou a informação junto a um dirigente da divisão de ações especiais da polícia militar da Itália (Carabinieri) envolvido diretamente na operação que descobriu a rede.
Além de financiar parte das maiores operações de tráfico de cocaína para a Europa, PC era o instrumento para os narcotraficantes participarem de forma privilegiada de negócios que estavam surgindo com a abertura econômica na América Latina -e sobretudo no Brasil.
A Carabinieri e a Justiça da Itália conseguiram chegar até o envolvimento de PC com a máfia italiana e grupos de traficantes pela confissão do colombiano Gustavo Upegui Delgado, um dos caixas do chefe do cartel de Medellín Pablo Escobar, morto em 1993.
Delgado colabora com a Justiça em troca de liberdade. Ele vive hoje na Itália sob proteção da polícia, provavelmente em Florença.
Na apuração, a Carabinieri descobriu que PC atuava no início e no fim das operações de tráfico de cocaína da Colômbia para a Itália.
De acordo com a polícia, o tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor de Mello financiava parte da operação e, ao final, recebia seu pagamento e também recursos adicionais para tentar corromper, no Brasil, políticos, empresários e funcionários públicos.
Em meio aos documentos apreendidos, estão comprovantes da remessa de 32 bilhões de liras (cerca de US$ 20 milhões) da Itália para a Colômbia e repasse de parte desses recursos para PC.
Cocaína e sapatos
A descoberta da ligação de PC com o narcotráfico colombiano e com a máfia italiana começou em março de 94, quando a Carabinieri realizou a maior apreensão de cocaína feita até hoje na Europa (5,5 toneladas) na província de Borgaro Torineze, perto de Torino, Norte da Itália.
Doze pessoas da N'drangheta, máfia da região da Calábria, foram presas quando descarregavam de um caminhão pacotes de cocaína escondida em caixas de sapato.
Para importar a droga da Colômbia, a N'drangheta formou um cartel com cinco famílias mafiosas italianas -Mazaferro, Morabito, Barbaro, Ierino e Pesce.
A entrega da droga era intermediada por outras duas famílias mafiosas -Cuntrera e Caruana, da cidade de Agrigento, Sul da região da Sicília. De acordo com investigações, ao todo 90 pessoas participaram da rede de tráfico.
O carregamento de 5,5 toneladas apreendido era o nono feito desde 91. Nas oito operações anteriores, o grupo havia conseguido levar 11 toneladas de cocaína para a Itália.
Quando a droga chegava à Itália a N'drangheta enviava o pagamento para o cartel de Cali. Da Colômbia, o dinheiro era novamente remetido para bancos da Itália, Suíça e EUA para ser ``lavado''.
O dinheiro retornava então à Colômbia depois de legalizado. O cartel de Cali providenciava depósitos na conta de PC Farias na Suíça e Holanda, por intermédio dos argentinos Jorge Osvaldo de La Salvia e Luís Felipe Ricca.
A Polícia Federal brasileira já havia colhido indícios de que os dois argentinos seriam testas-de-ferro de PC para lavar dinheiro.
Prisões em Milão
A polícia italiana continua trabalhando no desmonte da N'drangheta.
Ontem pela manhã, numa ação da Carabinieri batizada de "Operação Lua'', foram presos de uma só vez mais 43 traficantes envolvidos diretamente no envio das 5,5 toneladas de cocaína para a Itália em março de 94.

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