São Paulo, terça-feira, 14 de março de 2000


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JANIO DE FREITAS
Os silêncios em volta de Collor

Os dez anos decorridos desde a posse de Collor, a se completarem amanhã, não mereceram, em tempo algum, nem ao menos um livro, um que fosse, dissecando as entranhas verdadeiras daquele período sórdido. Não é preciso dizer mais sobre a indigência mental e cultural da "elite" brasileira, com tudo o que isso significa sobre o presente da vida nacional e o futuro do país.
Pelos mesmos motivos, e ainda por outros, também está sob silêncio a verdadeira história da operação -foi isso mesmo, uma operação no sentido militar ou tático da palavra- que criou condições para o afastamento de Collor. Os chefes militares estavam alarmados com os indícios de que cocaína e outras drogas poderiam influir em atitudes e decisões da Presidência, e a corrupção organizada por PC Farias deu o motivo público para o cerco a Collor.
Militares, no caso, quer dizer, sobretudo, Marinha. A começar do ministro Mário Cesar Flores, um almirante altamente qualificado, e da presença predominante de oficiais de Marinha na assessoria do gabinete presidencial, onde o motorista Eriberto foi imbuído do papel supostamente sherlockiano que permitiu reativar, na CPI e na mídia tergiversante, as investigações encalhadas.
A grande habilidade da operação consistiu em manter distância saudável entre os militares, mesmo os mais próximos dos acontecimentos, e os políticos, mesmo os envolvidos nas atividades da CPI. Nessas, a ação decisiva foi encabeçada por José Paulo Bisol e Aloizio Mercadante, mas dois desempenhos inesperados mostraram que a força dos fatos, quando se libera das amarras convencionais, sobrepõe-se à força dos políticos na construção da política.
Pacato, com desempenho muito discreto no Senado, Amir Lando mostrou-se, como relator da CPI, competente, ativo e acima das pressões e das tentativas de conduzi-lo, inclusive as do seu PMDB. Benito Gama, indicado para a presidência da CPI por sua esperável submissão às conveniências do PFL tão collorista, sentiu o vigor do momento nacional e exasperou os seus companheiros pefelistas com a isenção inesperada.
Um dos outros motivos para tanto silêncio em torno do que se passou, de fato, nos anos de Collor está nesta boa notícia: os que ascenderam aos diferentes níveis da administração, com a posse do novo governo, estão todos em esplêndida situação econômica. Alguns, muito, muito ricos. Nenhum foi punido, por maior que haja sido o envolvimento em transgressões, das inumeráveis e de todos os gêneros havidas em todas as partes do governo. Com exceção, talvez, do ex-porta-voz Cláudio Humberto, que hoje faz uma coluna de notas em geral agressivas, os demais desfrutam da melhor simpatia do governo atual. E muitos o integram, até em postos de relevância que os incluem nos gabinetes da Presidência.
Para compensar o êxito dessas pessoas, a população foi vítima do maior assalto praticado no sempre assaltado Brasil. Todas comprometeram-se com o confisco das contas bancárias e das poupanças, cujos montantes, quando devolvidos, equivaliam à metade do confiscado. Os que não perderam nas economias, perderam na desvalorização do salário e no empobrecimento do país, que logo no primeiro ano de Collor andou para trás o equivalente a 4% do PIB. Só o roubo cresceu. Com tantos envolvidos de dentro e de fora do governo, que aí está mais um dos muitos silêncios em torno dos anos sórdidos e inconfessáveis de Collor.


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