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ALTA ESPIONAGEM
Documentos revelam que funcionários recebiam até R$ 350 para repassar dados sigilosos de pessoas físicas e empresas
Kroll pagava servidores por informação, diz PF
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um conjunto de 11 depoimentos aos quais a Folha teve acesso
revelam como a Kroll, a maior
empresa privada de investigação
do mundo, infiltrou-se em base
de dados da administração pública brasileira. Mediante pagamentos que variavam de R$ 10 a R$
350, obtinha de servidores públicos informações sigilosas. Valia-se de intermediários. Esse tipo de
atividade é ilegal.
O inquérito que investiga a
Kroll (12-0352/04) corre na Justiça
Federal de São Paulo. Entre as
pessoas ouvidas pela polícia estão
servidores da Receita Federal, da
Caixa Econômica Federal e da Polícia Civil paulista.
A PF suspeita de que eles repassaram à Kroll, por meio de intermediários e mediante pagamento, informações reservadas de
empresas e pessoas físicas.
As pistas sobre os colaboradores da Kroll surgiram de documentos apreendidos pela Polícia
Federal em outubro do ano passado, na chamada Operação Chacal.
Cumpriram-se 16 mandados de
busca e apreensão de documentos e equipamentos.
Entre os endereços vasculhados
pela PF estavam a sede da Kroll,
em São Paulo, e a do banco Opportunity, no Rio de Janeiro.
Apreenderam-se papéis também
em escritório de empresas que
prestavam serviços à Kroll.
Reportagem da Folha publicada em julho de 2004 revelou que a
Brasil Telecom, empresa controlada pelo banco Opportunity,
contratou a Kroll para investigar a
concorrente Telecom Itália.
A investigação acabou esbarrando em autoridades do governo
Luiz Inácio Lula da Silva -entre
elas o então presidente do Banco
do Brasil, Cassio Kasseb, e o ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica). Daí o envolvimento da PF.
Subcontratados
Em meio a mais de uma tonelada de documentos apreendidos
pela PF, havia folhas impressas
com indicações de que haviam sido extraídas de computadores da
CEF e da Receita. Em várias páginas, o espaço reservado ao nome
do usuário foi cortado. Em muitas
outras, porém, não houve o mesmo cuidado. A PF pôde, então,
chegar aos servidores públicos.
É o caso do advogado Mauro
Osawa, gerente da agência Jardim
Bonfiglioli (SP) da CEF. Ouvido
pela PF, Osawa reconheceu ter repassado informações sobre empresas e seus empregados, dados
que "são acessáveis mediante uso
de senha pessoal e são geridos pela própria Caixa".
Quantidade? Resposta: "Com
certeza mais de cem".
Osawa afirmou nunca ter recebido dinheiro pelas informações.
Repassou-as, segundo disse, por
"amizade". Uma das destinatárias
foi Márcia Ruiz, que prestou assessoria a diretores da Kroll entre
1999 e 2002.
A PF apreendeu cópia de uma
mensagem eletrônica supostamente escrita por Márcia Ruiz. O
texto faz menção a uma "solicitação de pagamento para o subcontratado da CEF". Interrogada,
Márcia negou que seja autora do
e-mail apreendido.
Subcontratado é, conforme
consta do inquérito policial, o termo usado por funcionários da
Kroll para se referir a terceiros
-servidores públicos ou não-
que com eles colaboram.
A PF identificou no depoimento
de Márcia Ruiz uma nova pista a
ser investigada. Ela disse que,
"por diversas vezes, a mando de
Eduardo Sampaio, Eduardo Gomide e outros diretores [da Kroll],
levou envelopes para agências [da
Caixa]" em São Paulo. Contou
ainda que trazia de volta outros
envelopes, "dos quais não tinha
ciência do conteúdo".
Outro caminho que levou a PF
aos subcontratados da Kroll foram correspondências de funcionários da empresa. Dessa fonte
surgiu a pista de que o policial civil Edmar Batista cobraria R$ 180
por consulta de cadastro de telefones celulares.
Há 28 anos na corporação, Batista qualificou-se em seu depoimento como um interlocutor do
diretor da Kroll Vander Giordano. Disse que "intermediava contatos com policiais aposentados
para que fizessem tais investigações [na área de fraudes e falsificações], mas, esporadicamente,
especialmente quando se encontrava em férias", também auxiliava os colegas no trabalho.
Reconhece que "pode ter feito
alguma solicitação de pagamento
a funcionários da Kroll para a cessão de dados protegidos por sigilo, mas esclarece que isso ocorreu
apenas com intermediação dos
contatos com os supostos detetives". Seus honorários ficavam entre 10% e 15% do pacote de uma
investigação.
Outro depoimento que aponta a
ligação de funcionários públicos
com a Kroll é o da policial civil
Sueli Leal. Mediante depósitos de
R$ 180 a R$ 350, ela confirma ter
repassado a um colaborador da
Kroll chamado "Vagner" dados
aos quais teve acesso por meio de
sua senha no sistema interno da
corporação, do qual constam antecedentes criminais, registro de
veículos, de Carteira Nacional de
Habilitação, entre outros itens.
Receita
Os agentes da PF descobriram,
por meio da documentação
apreendida na sede da Kroll, como a multinacional de investigações tinha acesso a informações
sigilosas do fisco. Nos papéis, havia o nome de dois funcionários
que trabalhavam na Delegacia da
Receita Federal em Guarullhos.
Interrogando os dois servidores
-Nivaldo Costa e Rosana Gouveia-, a PF chegou à empresa
JRM Serviços Ltda. Aprofundando as investigações, descobriu
que a JRM intermediava, em nome da Kroll, o contato com os servidores públicos.
Funcionário do Serpro cedido à
Receita, Costa alegou que só repassava à JRM dados disponíveis
na internet. Disse que, para ter
acesso a dados protegidos por sigilo, a pessoa precisa comprovar
vínculo legal com o contribuinte.
Noutro ponto do depoimento,
porém, admitiu que "é possível
que, mesmo não tendo recebido
dinheiro, tenha feito algum favor"
para a JRM. Admitiu mais: "Esses
favores podem ter sido acesso a
dados do sistema" da Receita.
Rosana Gouveia, a outra servidora sob investigação, negou que
tivesse vazado dados oficiais. Alegou que sua senha de acesso aos
computadores da Receita pode
ter sido utilizada pelo colega Nivaldo Costa.
Dos 11 colaboradores da Kroll
ouvidos pela PF, só Rosana Gouveia, a funcionária da Receita, escapou do indiciamento. Os demais foram indiciados pelos crimes de corrupção ativa e passiva,
formação de quadrilha e violação
de sigilo funcional.
A JRM é propriedade de uma família cuja matriarca é Nilza Martins. Os filhos Alexandre e Rafael
são os funcionários que atuam
sob encomenda da Kroll.
Em seu depoimento, Nilza Martins disse que os serviços que sua
empresa presta à Kroll limitam-se
"a atividades de extração de cópias". Alexandre forneceu à PF
uma versão mais alentada: "pagamentos efetuados a Nivaldo Costa
eram feitos no ato da pesquisa
[nos computadores da Receita],
variando de R$ 10 a R$ 15 por pesquisa"; "em síntese, a JRM intermediava os contatos com o servidor Nivaldo a fim de que fossem
realizadas as pesquisas no interesse da Kroll", em geral, conforme
disse Rafael, sobre pessoas físicas.
Em 2 dos 11 depoimentos há referências ao contrato da Kroll
com a Brasil Telecom.
Márcia Ruiz, a ex-funcionária
da Kroll que colaborou com a PF,
comentou que "presenciou os diretores [da Kroll] felizes pelo valor do contrato recém-fechado".
A PF ouviu também um ex-servidor do Banco Central, Alcino
Ferreira. Ele contou que foi contratado pela Kroll para, entre outros trabalhos, "traduzir" códigos
utilizados pelo Banco Central em
operações de câmbio.
De acordo com ele, não havia
entre os papéis que analisou nenhuma "informação ou documentos que identificassem a empresa Brasil Telecom".
Os códigos usados para registrar operações cambiais estão disponíveis no site do BC, segundo
informou a assessoria de imprensa do órgão.
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