São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

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JANIO DE FREITAS

Receitas da moda

Os americanos gostaram tanto da fórmula testada no Brasil, em 64, que a transformaram em receita. Arregimentam-se empresários bem ricos, que se encarregam de seduzir e estimular os militares, e ativa-se a classe alta para ir à rua em grandes passeatas. Pronto, está dado aos militares o cenário para desempenhar o seu papel, sob o argumento de que agem pela sociedade. Assim se foi João Goulart, foi-se Salvador Allende, foi-se agora Hugo Chávez, para citar só os mais evidentes. Golpes, todos, milimetricamente iguais.
A receita é hábil, mas não sem saída. Se o eleito visado se deixa acuar pela conspiração e pelas manifestações, será presa fácil; se reprime, acaba golpeado sob a acusação de impedir o direito democrático de opinião e outros. Chávez adotou a segunda atitude, talvez lembrando-se do que acontecera a Jango e Allende por consentirem na articulação da hostilidade.
Mas a possibilidade de saída, legítima para quem está sob ameaça de derrubada ilegal, é sustar as manifestações já no início de sua preparação, em nome, mesmo, da ordem democrática que os aderentes dos golpes tanto invocam.
Há tempos Chávez reduzira a produção do petróleo venezuelano, de que os Estados Unidos são importadores, para forçar melhor preço internacional. A ação militar de Bush no mundo muçulmano, com riscos para os negócios mundiais do petróleo, tornou Chávez uma figura ainda mais problemática para os americanos. O agravamento daqueles riscos, com a virulência do ataque israelense contra os palestinos, deu ao inconfiável Chávez uma força, na política petrolífera, que transformou sua derrubada em uma ação de graças para os Estados Unidos.
Eram as primeiras horas da atividade comercial na Europa, quando se difundiu a notícia da derrubada de Hugo Chávez. O preço internacional do petróleo caiu automaticamente -como convém à incipiente reativação da economia americana. Na Venezuela, assim que reiniciadas as atividades na manhã, já Hugo Chávez derrubado na madrugada, a estatal petrolífera comunicava a retomada dos níveis antigos de produção, embora isso signifique maior gasto com menos ganho -o que significa, também, um benefício para os importadores.
Hugo Chávez foi posto no cadafalso tão logo expôs seu programa de "revolução bolivariana pacífica". O petróleo ditou a hora de decapitá-lo.

Deu bolo
Não menos eficaz foi a receita para derrubar as perspectivas que o PFL encontrara, afinal, para disputar a Presidência com candidato próprio. As figuras que se envolveram na operação policial, algumas já fora do governo, deixaram rastros suficientes para que no PFL haja uma dose forte de ojeriza à simples hipótese de acordo com a candidatura de José Serra.
O comando pefelista mais ganha tempo, para discutir seu futuro, do que aguarda a decisão do STF sobre coligações partidárias, dia 18, para decidir o destino da candidatura de Roseana Sarney. A descoberta de que Jorge Murad foi renomeado secretário irregularmente e com participação de Roseana -assina o ato o novo governador José Reinaldo Tavares, mas na data Roseana ainda era governadora- invalida a receita do partido, que era a de isolar a candidatura dos problemas de Murad e aguardar até maio as indicações da opinião pública.
Por falar em trapalhada, é espantoso o tempo que o grupo político de José Serra levou para perceber que não precisava estar ridiculamente à caça, em todos os becos e esquinas da política, de um candidato a vice. Depois do desgaste com a longa e malsucedida discussão sobre as responsabilidades na dengue, virar piada também por uma afobação injustificável explica, em boa parte, que Serra perdesse um mês sem subir ao menos um ponto no Datafolha.

Duas receitas
Ricardo Sérgio de Oliveira, figura de realce nas arrecadações financeiras passadas de José Serra e personagem de relevo na distorção ilegal da privatização de teles, deve ter uma receita preciosa (a receita financeira é certa, falo da outra) para situar-se entre os mais protegidos na mídia graúda.
Afora outros episódios, seus negócios, digamos, extracurriculares com o fundo de pensão Petros, da Petrobras, foram publicados na quarta-feira pelo "Estado de Minas", com documentação farta, mas foi quase absoluta decisão da mídia de ignorar o assunto. Ou, o que dá no mesmo, de abafá-lo.
Proteção na mídia é mau sinal, em relação ao protegido e aos protetores.

Velha receita
Lídice, cidade tchecoslovaca, tornou-se nome de outras cidades e de muita gente, mundo afora. Foi uma sentida homenagem aos seus habitantes, durante a Segunda Guerra Mundial.
Chefe das SS, tropas de elite do nazismo, Heinrich Himmler deu 24 horas a um arafat de Lídice para entregar o autor do ato "terrorista" que emboscou e matou um soldado alemão. Não havendo a entrega, a represália foi cumprida no prazo: os homens de Lídice foram fuzilados. A receita passou a ser aplicada nos territórios invadidos, e o foi sobretudo na União Soviética.


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