|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Receitas da moda
Os americanos gostaram
tanto da fórmula testada no
Brasil, em 64, que a transformaram em receita. Arregimentam-se empresários bem ricos, que se
encarregam de seduzir e estimular os militares, e ativa-se a classe alta para ir à rua em grandes
passeatas. Pronto, está dado aos
militares o cenário para desempenhar o seu papel, sob o argumento de que agem pela sociedade. Assim se foi João Goulart,
foi-se Salvador Allende, foi-se
agora Hugo Chávez, para citar
só os mais evidentes. Golpes, todos, milimetricamente iguais.
A receita é hábil, mas não sem
saída. Se o eleito visado se deixa
acuar pela conspiração e pelas
manifestações, será presa fácil; se
reprime, acaba golpeado sob a
acusação de impedir o direito
democrático de opinião e outros.
Chávez adotou a segunda atitude, talvez lembrando-se do que
acontecera a Jango e Allende por
consentirem na articulação da
hostilidade.
Mas a possibilidade de saída,
legítima para quem está sob
ameaça de derrubada ilegal, é
sustar as manifestações já no início de sua preparação, em nome,
mesmo, da ordem democrática
que os aderentes dos golpes tanto
invocam.
Há tempos Chávez reduzira a
produção do petróleo venezuelano, de que os Estados Unidos são
importadores, para forçar melhor preço internacional. A ação
militar de Bush no mundo muçulmano, com riscos para os negócios mundiais do petróleo, tornou Chávez uma figura ainda
mais problemática para os americanos. O agravamento daqueles riscos, com a virulência do
ataque israelense contra os palestinos, deu ao inconfiável Chávez uma força, na política petrolífera, que transformou sua derrubada em uma ação de graças
para os Estados Unidos.
Eram as primeiras horas da
atividade comercial na Europa,
quando se difundiu a notícia da
derrubada de Hugo Chávez. O
preço internacional do petróleo
caiu automaticamente -como
convém à incipiente reativação
da economia americana. Na Venezuela, assim que reiniciadas
as atividades na manhã, já Hugo Chávez derrubado na madrugada, a estatal petrolífera comunicava a retomada dos níveis
antigos de produção, embora isso signifique maior gasto com
menos ganho -o que significa,
também, um benefício para os
importadores.
Hugo Chávez foi posto no cadafalso tão logo expôs seu programa de "revolução bolivariana pacífica". O petróleo ditou a
hora de decapitá-lo.
Deu bolo
Não menos eficaz foi a receita
para derrubar as perspectivas
que o PFL encontrara, afinal,
para disputar a Presidência com
candidato próprio. As figuras
que se envolveram na operação
policial, algumas já fora do governo, deixaram rastros suficientes para que no PFL haja
uma dose forte de ojeriza à simples hipótese de acordo com a
candidatura de José Serra.
O comando pefelista mais ganha tempo, para discutir seu futuro, do que aguarda a decisão
do STF sobre coligações partidárias, dia 18, para decidir o destino da candidatura de Roseana
Sarney. A descoberta de que Jorge Murad foi renomeado secretário irregularmente e com participação de Roseana -assina o
ato o novo governador José Reinaldo Tavares, mas na data Roseana ainda era governadora-
invalida a receita do partido,
que era a de isolar a candidatura dos problemas de Murad e
aguardar até maio as indicações
da opinião pública.
Por falar em trapalhada, é espantoso o tempo que o grupo político de José Serra levou para
perceber que não precisava estar
ridiculamente à caça, em todos
os becos e esquinas da política,
de um candidato a vice. Depois
do desgaste com a longa e malsucedida discussão sobre as responsabilidades na dengue, virar
piada também por uma afobação injustificável explica, em boa
parte, que Serra perdesse um
mês sem subir ao menos um
ponto no Datafolha.
Duas receitas
Ricardo Sérgio de Oliveira, figura de realce nas arrecadações
financeiras passadas de José Serra e personagem de relevo na
distorção ilegal da privatização
de teles, deve ter uma receita
preciosa (a receita financeira é
certa, falo da outra) para situar-se entre os mais protegidos na
mídia graúda.
Afora outros episódios, seus
negócios, digamos, extracurriculares com o fundo de pensão Petros, da Petrobras, foram publicados na quarta-feira pelo "Estado de Minas", com documentação farta, mas foi quase absoluta decisão da mídia de ignorar
o assunto. Ou, o que dá no mesmo, de abafá-lo.
Proteção na mídia é mau sinal,
em relação ao protegido e aos
protetores.
Velha receita
Lídice, cidade tchecoslovaca,
tornou-se nome de outras cidades e de muita gente, mundo
afora. Foi uma sentida homenagem aos seus habitantes, durante a Segunda Guerra Mundial.
Chefe das SS, tropas de elite do
nazismo, Heinrich Himmler deu
24 horas a um arafat de Lídice
para entregar o autor do ato
"terrorista" que emboscou e matou um soldado alemão. Não havendo a entrega, a represália foi
cumprida no prazo: os homens
de Lídice foram fuzilados. A receita passou a ser aplicada nos
territórios invadidos, e o foi sobretudo na União Soviética.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Memória: FHC participa de homenagem do Cebrap a sociólogo Índice
|