São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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TODA MÍDIA

A desfeita

NELSON DE SÁ

Não adiantou o "Financial Times", reproduzido pelo UOL, expor com ironia:
- Se os candidatos (nos EUA, na Europa) estão em busca de dicas para elevar suas chances, devem olhar o Rio para saber o que não fazer. Desde a derrota para Lula, Garotinho planeja a volta. Mas a violência saiu tanto ao seu controle que ele pensa num muro para a favela.
Ele até já voltou atrás, mas o jornal falou mais. Relatou como, "em busca de holofote", tirou ao vivo a confissão do suspeito de matar "um executivo da Shell". Falou até da "inviabilização" do oleoduto da Petrobras.
Passou o dia e o jornal não ecoou na retórica de ambos. Nem a opinião expressa pela Globo, também ontem:
- É um momento grave, não é hora de disputa política. O que está acontecendo é a falência do Estado. As autoridades do Rio erraram muito, mas o problema é mais grave. A palavra guerra passou a ser a rotina do carioca, nos afastando da civilização.
 
Rosinha, governadora, enfim surgiu para dar longa entrevista à rádio CBN, mas não mudou o discurso. Procurou transferir a responsabilidade aos governos federal e até municipal:
- Se governos cumprissem suas obrigações, em todas as instâncias, talvez tivéssemos a sociedade melhor. As armas dos bandidos não são fabricadas no Rio. Entraram pelas fronteiras, é uma responsabilidade federal. A responsabilidade de não deixar crescer favelas é da prefeitura.
A governadora afirmou que estão exagerando a "guerra" e que "as pessoas comentavam que a segurança melhorou". Melhorou sim, garante:
- Um fato que acontece lá na Rocinha, de uma briga entre bandidos para tomar um ponto de drogas, aí parece que toda a política de segurança veio por água abaixo. Não veio, não!
 
Garotinho, secretário, foi além, com destaque no Jornal Nacional. Das manchetes:
- O governo do Rio responde à oferta de ajuda do ministro da Justiça com desafio. Anthony Garotinho pede no mínimo quatro mil homens, fuzileiros navais, forças especiais -e até pára-quedistas. E explica o seu pedido com ironia.
Entra Garotinho, num tom que era na verdade de sarcasmo, mais do que de ironia:
- Não podemos fazer uma desfeita com o governo federal.
Volta William Bonner, do JN:
- E o resultado é o fracasso das negociações.

SALA DE CONTROLE

aljazeera.net/Reprodução


"Control Room", ou sala de controle, é o documentário sobre a cobertura do canal Al Jazeera (acima) na primeira fase da atual guerra do Iraque. De acordo com a agência Associated Press, ele já recebeu um prêmio nos EUA -e nesta semana é atração de um festival no Lincoln Center, em Nova York.
Apresenta, segundo a revista on line Slate, cenas como a morte de um jornalista da emissora do Qatar, atingido por um tanque americano em Bagdá. A Slate não gostou do filme. Em crítica, diz que ele não mostra, entre outras coisas, que a emissora não é objetivo como afirma ser -e que faz o jogo do emir do Qatar no Oriente Médio.
Mas o documentarista não é nenhum novato. Egípcio, dirigiu um conhecido documentário sobre a ascensão e queda de uma empresa de internet, "Startup.com". Mais importante, ele tem os seus argumentos para defender o novo filme, ao dizer que buscou retratar "quem tem o poder de contar a verdade e como", acrescentando:
- A mídia foi vital na fixação da história desta guerra.

A coletiva
George W. Bush convocou sua entrevista e, como a assessora Condoleezza Rice, falou e falou antes de abrir para perguntas, ao vivo na BBC, Fox News etc.
Nas respostas, foi vigoroso em algumas (ao se dizer "doente" com as imagens dos americanos mutilados) e frágil em outras (ao dizer que também quer saber "por que não achamos as armas de destruição em massa").
Como sempre ocorre em tais pseudo-eventos, o placar final foi favorável ao presidente.

Reação
Na Fox News, as primeiras opiniões sustentavam que Bush, agora, "saiu da defensiva".
Na CNN, a primeira reação foi de que Bush deixou muitas questões no ar, num momento em que "todos os dias estamos vendo americanos mortos".

Corpos
A NBC, que se pode assistir na internet, deu no fim da tarde:
- Os corpos de quatro civis são encontrados no Iraque.
Os corpos -de americanos- estariam "mutilados a ponto de não poderem ser reconhecidos". Até o fechamento, não havia imagens em nenhum site ou TV.

Inflexão
Para o "Washington Post", Bush convocou o que é apenas a sua terceira coletiva porque "sente-se que este é um ponto de inflexão em sua presidência".

Imolação
Mais do que a transmissão em tempo real da enfraquecida "guerra" no Rio, foi a imagem do desempregado que pôs fogo no corpo que chocou na TV. Foi manchete no Jornal da Band, com Carlos Nascimento, mas não no Jornal Nacional.

Brasil pop
Não é só o "Sunday Times" que considera o Brasil "o país do momento". Se o "Times" falou de biquínis e "Cidade de Deus", o "Telegraph" preferiu destacar música e Gilberto Gil.

Em órbita
De maior significado, talvez, é o impacto da Embraer e do novo jato com mais de cem lugares, abordados em uma reportagem da revista "BusinessWeek", com um título exagerado:
- A Embraer do Brasil entra na estratosfera.

Acaju
No Brasil daqui, a história é bem outra. Os canais de notícia deram ao vivo o depoimento em que Waldomiro Diniz chorou e pediu perdão para as câmeras da TV Alerj, na assembléia do Rio.
CPI é sempre assim. E a do Rio coincidiu com a entrada no ar da nova emissora. Semanas atrás, o jornal "O Dia" relatava como ela mudou a vida dos deputados -que regressaram do recesso "totalmente repaginados: botox, plástica, peruca, lipo". O líder do PT pintou o cabelo de acaju.

ENDEREÇOS

"Financial Times" - ft.com; UOL - uol.com.br; NBC - msnbc.com; "Washington Post" - washingtonpost.com; "Sunday Times" - sundaytimes.co.uk; "Daily Telegraph" -www.telegraph.co.uk; "BusinessWeek" - businessweek.com; "O Dia" -odia.com.br


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