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QUESTÃO INDÍGENA
Tremembés pedem terra na Justiça
Conflito de 300 anos opõe índios a brancos no Ceará
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ITAREMA
PAULO MOTA
DA AGÊNCIA FOLHA
Um vilarejo à beira-mar no Ceará registra um conflito entre índios e brancos que completou 300
anos. A história, que começou
com sangue e hoje corre nos tribunais, teve uma trégua de 43
anos, quando as areias de uma
duna móvel cobriram a igreja do
povoado de Almofala, erguida pelos tremembés no século 18.
O reaparecimento da igreja reavivou a rivalidade entre índios e
os outros moradores da comunidade, localizada em Itarema (220
km a noroeste de Fortaleza). Tremembés e portugueses passaram
a ser rivais desde a ocupação da
região por ibéricos e bandeirantes, no final do século 17.
Entre 1898 e 1941, período em
que a igreja e boa parte do vilarejo
estiveram cobertos por uma gigantesca duna móvel, os conflitos
foram esquecidos. Para os índios,
a igreja é um símbolo do seu direito sobre as terras do lugarejo.
Nos anos 40, porém, com o reaparecimento da igreja de Nossa
Senhora da Conceição, única
construção do vilarejo que resistiu à ação do tempo e da areia, os
tremembés decidiram voltar a lutar por aquilo que haviam perdido. A luta, hoje, é judicial.
Uma profecia declamada, segundo a tradição, por um antigo
líder tremembé é relembrada pelos índios: "Isso tudo acabou, mas
vai chegar o tempo em que tudo
vai recomeçar".
Raimunda Venâncio, 29, mãe
de seis filhos e professora da escolinha tremembé, que vai até a 3ª
série do ensino fundamental (ela
mesma completou apenas a 4ª série), repete a frase com orgulho.
Foi um ascendente de sua família,
José Miguel Ferreira, o responsável pelo vaticínio. "Ele falou durante o ritual sagrado, o "torém", e
levamos isso a sério, porque temos certeza de que a terra voltará
a ser nossa."
Há todo um mistério em torno
da igreja em estilo barroco, construída pelos próprios índios convertidos ao cristianismo após a
chamada "guerra dos bárbaros",
entre 1706 e 1712.
Não se sabe ao certo o número
de tremembés que viviam na região quando chegaram os portugueses. Sabe-se apenas que, pela
área que habitavam (do Rio Grande do Norte ao Maranhão), eram
nômades e muito numerosos.
Hoje, os descendentes dos tremembés são cerca de 3.500.
O que os índios contam é que
houve um grande massacre com a
chegada dos estrangeiros e que
eles quase foram extintos. Os moradores mais antigos do vilarejo
afirmam que encontraram diversas covas no chão da igreja, onde
supostamente estariam enterrados índios mortos durante a conquista da região de Almofala.
"Eu era bem pequena, mas comecei a mexer no chão da igreja e
vi que, no meio de umas valas,
existiam uns ossos bem amarelos,
que, se você pegasse, desmanchavam na mão, de tão velhos", disse
Maria José Santos Souza, 64, uma
das líderes tremembés do vilarejo.
O historiador Francisco José Pinheiro, do departamento de história da Universidade Federal do
Ceará, diz que os conflitos foram
gerados por causa da terra.
"Portugueses que recebiam legados de terras contratavam bandeirantes para combater os índios
e tomar posse da região para a pecuária. A idéia era garantir a liberdade do gado."
Os habitantes do vilarejo que
não são índios discordam da revolta. "Nem índios eles são mais!
Só falam que são para roubar a
terra dos outros", diz Maria Amália do Nascimento, 72. Ela e o marido Luiz Nascimento, 100, admitem ter ascendência indígena,
mas se recusam a ser chamados
de tremembés. "Ninguém tem cara de índio, não."
Os conflitos pela terra fizeram
com que cinco tremembés fossem
presos em março último, depois
de agredirem outra índia, casada
com um homem que não pertence à comunidade. Depois de três
dias na cadeia, eles foram soltos.
A Funai apóia a reivindicação
dos tremembés e reconhece que a
área deve ser demarcada -a delimitação do terreno a ser entregue
aos índios foi oficializada em
1993. Desde então, o processo está
correndo na Justiça e parou no
Superior Tribunal de Justiça, onde aguarda a decisão final.
A angústia dos moradores cresce com a ação do mar, que está invadindo a região, destruindo coqueirais e boa parte da paisagem:
"É a profecia se cumprindo. Tudo
se acabando. Mas tudo vai voltar a
ser nosso", afirma Venâncio.
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