São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2001

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Tarifa de energia vai ter de subir já, diz especialista

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

As tarifas de energia devem subir já e o governo tem de negociar com grandes consumidores para solucionar a crise, diz o professor de economia da energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Adilson de Oliveira.
Oliveira, que é engenheiro químico formado pela USP (Universidade de São Paulo) e doutor em economia pela Universidade de Grenoble, na França, afirma que a falta de regras claras para o setor de energia afastou investidores e agravou o risco do racionamento.
Para ele, o governo tem de garantir às grandes empresas o poder de vender o direito de consumo de energia no Mercado Atacadista de Energia -espécie de Bolsa onde quem tem energia de sobra vende para quem precisa comprar para abastecer clientes.
No mercado atacadista, os grandes compradores de energia têm contratos firmados com as distribuidoras. Neles, está estabelecida uma quantidade garantida para o fornecimento.
"O governo tem de começar já uma negociação com os grandes consumidores. Com isso, podemos minimizar o racionamento."
Entende-se por grandes consumidores as siderúrgicas, montadoras, fábricas de alumínio e mineradoras.
Oliveira defende autorização para que distribuidoras repassem custos adicionais ao consumidor, pleito antigo das concessionárias.
Segundo ele, o governo só não optou por essas soluções por temer repiques inflacionários, que poderiam comprometer as metas de inflação "muito rígidas".
Oliveira diz que os efeitos dos cortes programados poderão ser mais catastróficos para a economia do que o aumento da inflação gerado pelo reajuste de tarifas.
O professor da UFRJ prevê queda de até 1,5 ponto percentual do PIB do país neste ano. Leia a seguir a entrevista que Oliveira concedeu à Folha.

Folha - A falta de regras claras para a energia afastou investidores?
Adilson de Oliveira -
Concordo com as empresas [que reclamam das atuais regras". O fato é que não estão definidas e há risco elevado para o investidor. Precisamos atrair investimentos agora, com regras claras.

Folha - Quais seriam as regras?
Oliveira -
Defendo o repasse dos aumentos de custos não controlados para as tarifas, como querem as distribuidoras. Mas o que mais preocupa é a desvalorização do real. Para investidores, é inaceitável assumir o risco cambial. Deveríamos ter mecanismos de proteção para depreciações acima de 10% a 15% no ano, quando o governo passaria a assumir o risco.

Folha - E abaixo desse patamar?
Oliveira -
Nesse caso, as empresas ficariam com o risco, usando instrumentos de proteção cambial. E a diferença acima disso ficaria com o governo. É uma forma de dividir o risco, essencialmente da geração termelétrica, que tem mais custos em dólar.

Folha - Existe outra alternativa para dividir o risco cambial?
Oliveira -
A outra hipótese [levantada pelo governo", a do consumidor assumir o risco cambial, com repasse nas tarifas, é difícil. Geraria inadimplência.

Folha - Existem outras regras a ser modificadas?
Oliveira -
O aumento de tarifa está previsto para janeiro de 2003. O governo tem de antecipar isso agora para trabalhar com a tarifa real [hoje os preços são controlados e dependem de autorização para serem reajustados". Seria uma antecipação do livre mercado [no qual preços são livres, regidos pela oferta, e todos compram e vendem energia no MAE".

Folha - Qual a consequência do aumento da tarifa? Por que o governo não adota essa sugestão?
Oliveira -
Haverá pequena redução do consumo. É do que precisamos.

Folha - Qual a alternativa do sr. para a proposta do governo de cortes programados?
Oliveira -
É a negociação com grandes consumidores para o corte voluntário. Se aceitarem, seu consumo seria reduzido, com compensação financeira, até do próprio governo, que, em casos de emergência, tem a responsabilidade. O corte aleatório desarticula a atividade produtiva.

Folha - Quais seriam essas compensações?
Oliveira -
Pode ser uma tarifa menor para o restante do que a empresa consome. Mas o principal seria a possibilidade de abrir mão do consumo e receber em dinheiro por isso. O próprio mercado atacadista pagaria.

Folha - Como se daria essa negociação?
Oliveira -
Os grandes consumidores, hoje proibidos de vender o direito de consumo contratado, poderiam negociar a energia pelo preço do mercado spot, bem mais alto do que o valor que elas pagam hoje, previsto em contratos.

Folha - E as empresas teriam interesse em aderir?
Oliveira -
Sim. As empresas pagam cerca de R$ 55 por MWh às distribuidoras. No spot, receberiam hoje cerca de R$ 469 por MWh.

Folha - A previsão de o país crescer até 4,5% neste ano será afetada pelos cortes?
Oliveira -
Com corte de 20%, o crescimento está comprometido. O impacto será grande. Se o racionamento começar em junho, o PIB pode cair de 1 a 1,5 ponto percentual. Em vez dos 4,5% previstos, cairá para menos de 3,5%.

Folha - A nova orientação do governo de premiar quem consumir menos terá resultado?
Oliveira -
Ficamos no pior dos mundos. Ninguém acredita que receberá o dinheiro de volta. Mas a atitude do presidente de recuar das multas é correta. Evitou uma enxurrada de ações na Justiça. A minha sensação é a de que há um despreparo muito grande. O governo deveria partir já para a negociação com os consumidores.



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