São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998

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OPOSIÇÃO
Com 4.000 entidades filiadas e 35 mil ativistas espalhados pelo país, central marca presença em protestos
CMP quer ser a versão urbana do MST

LUIZ MAKLOUF CARVALHO
da Reportagem Local

Sede própria, comprada com dinheiro do exterior (R$ 110 mil), manutenção anual proveniente da mesma fonte (R$ 120 mil), um dirigente assalariado por tempo integral (R$ 680 mensais), 34 outros sempre à disposição, 4.000 entidades filiadas e estimados 35 mil ativistas pelo país.
É essa a estrutura básica que move a Central de Movimentos Populares (CMP), a caçula, mas taludinha, das entidades populares que se opõem ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
"Ninguém mais faz protestos sem nos chamar", disse à Folha Raimundo Bonfim, 34, o integrante da direção executiva (onze pessoas) que recebe os R$ 680,00.
"Queremos ocupar, no meio urbano, papel semelhante ao que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupa no meio rural."
Desejos à parte, o fato é que a CMP ocupa, hoje, lugar de destaque na bancada que espicaça o governo nas ruas. Teve expressiva participação nos últimos protestos -como o de 20 de maio, em Brasília, quando houve confronto com a polícia- e voltará a tê-la nos próximos.
Faz parte, por exemplo, junto com o MST, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Setor Pastoral Social da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da direção que está organizando o quarto "Grito dos Excluídos", marcado para o próximo 7 de setembro e previsto pelos organizadores como o maior protesto que o governo enfrentará, a menos de um mês das eleições.
O "Grito" vem crescendo em importância na logística das entidades que refletem o contencioso social. Em 95 ecoou em 170 cidades; em 96, em 300; em 97, em mil. "No que depender de nós, o governo só pode esperar o crescimento da mobilização", diz Bonfim, 34, piauiense morando em São Paulo desde 82.
O nome dele, ou o de José Albino de Melo, igualmente da executiva nacional, é referência importante na direção de entidades como o MST e a CUT.
No caso dos saques no Nordeste, por exemplo, uns poucos contatos com a direção do MST foram suficientes para que a CMP organizasse a contrapartida urbana, ocupando, em 14 de maio, os estacionamentos de três supermercados em São Paulo. "A proposta não era saquear e sim colocar a questão da fome", diz Bonfim. "Se quiséssemos saquear, teria sido fácil, mas não é essa a proposta, pelo menos agora."
Na grande marcha que o MST fez no ano passado -três caravanas que se juntaram em Brasília, em 17 de abril-, a CMP fez bonito no Distrito Federal. "Uns 3.000 militantes eram nossos", diz Bonfim. A aliança nasceu depois de uma reunião com João Pedro Stedile e outros integrantes da direção dos sem-terra e frutificou nas 12 marchas ("10.000 militantes", estima Bonfim) que a CMP fez em São Paulo, no sentido bairros/avenida Paulista, em 25 de julho do ano passado. Foi o certificado de qualidade para ser considerada uma coirmã.
Nesse exato momento, além de estarem organizando as marchas do próximo 25 de julho (sem-terra, sem-teto e desempregados), Bonfim e sua entidade estão às voltas com a organização de mais uma manifestação contra o governo, dessa vez tendo a questão do desemprego como palavra de ordem. Deve acontecer "daqui a 10 ou 15 dias" e, segundo ele, "vai dar o que falar". "Vamos mexer com o capital", disse Bonfim, recusando-se a mais detalhes enquanto as sucessivas reuniões não decidirem entre três propostas.
Quando fala "o capital", o tom é de quem leu "dois volumes" de "O Capital" (a obra clássica do filósofo alemão Karl Marx), alguma coisa do filósofo italiano Antonio Gramsci e muita coisa de Carlos Alberto Libânio Christo, o popular Frei Betto.
Bonfim, que está fazendo o supletivo e quer cursar direito ou jornalismo, define-se como "marxista-cristão" e defende, como modelo de sistema, o "socialismo democrático".
As ligações da CMP com a Pastoral Operária da CNBB, em que Frei Betto é muito influente, remontam ao final dos anos 70, quando a Central de hoje era, então, a Articulação Nacional do Movimento Popular e Sindical (Anampos) e, depois, tornou-se a Pró-Central de Movimentos Populares.
Virou CMP em 93, num congresso em Belo Horizonte (com 950 delegados de 18 Estados).



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