São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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NO PLANALTO

Justiça devolve biombo a Ricardo "suspeição" Sérgio

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nova decisão judicial desativou uma bomba pronta para explodir nas imediações da candidatura governista de José Serra. Foi ressuscitada a liminar que impede a Receita Federal de perscrutar os extratos bancários de Ricardo "no limite da irresponsabilidade" Sérgio.
A figura sombrosa do ex-coletor das arcas eleitorais do grão-tucanato é associada a amoralidades em penca. Entre as muitas acusações que rondam-lhe a biografia está a de fraude fiscal. Alega inocência. Diz-se perseguido.
Com um gesto simples -a exposição de um lote de extratos bancários-, calaria os que o difamam. Curiosamente, prefere apostar a reputação num jogo de esconde-esconde com o fisco.
Em fevereiro, Ricardo "incerteza" Sérgio obteve liminar proibindo auditores fiscais de levarem sua movimentação bancária para tomar sol. Um mês depois, graças a recurso da Fazenda Nacional, suspendeu-se a proibição. Agora, por decisão da 4ª Turma do TRF da 1ª Região, com sede em Brasília, a liminar foi posta novamente de pé.
Assim, fica-se sem saber se a alegada inocência do arrebanhador de fundos eleitorais se baseia na certeza de que traz os bolsos limpos ou na suposição de que, de ardil em ardil, conseguirá evitar a localização de provas.
O brasileiro em dia com Everardo Maciel não merece o convívio com tão insidiosa dúvida. Sob pena de solidificar-se a impressão de que Imposto de Renda no Brasil é mesmo coisa feita para tirar dinheiro de quem não consegue escapar, ou seja, o assalariado.
O diabo é que, entre a suspensão e a ressurreição da liminar judicial, passaram-se mais de dois meses. Neste período, com as mãos momentaneamente livres para agir, a Receita foi buscar na marra os extratos que Ricardo "mistério" Sérgio se negou a entregar. Os fiscais realizaram profícua pescaria na rede bancária.
Há coisa de 20 dias, com o samburá abarrotado de peixes, o fisco foi informado pelo Judiciário de que não pode levar o cardume à frigideira. O pescado jaz na sala 201 do edifício anexo "A" do Ministério da Fazenda, nas dependências da Cofis (Coordenação de Fiscalização da Receita Federal).
O cesto cheira mal. Algo que talvez explique o vaivém de Ricardo "hesitação" Sérgio. Em outubro de 2001, intimado pela Receita a abrir as contas de 98 e 99, respondeu por escrito: "Extratos bancários do período foram solicitados às instituições financeiras (...)".
Tudo levava a crer que franquearia gostosamente os dados. Qual o quê! Nem extratos, nem explicações. Nadica de nada. Reintimado em janeiro passado, foi taxativo em nova carta à Receita: "O pleito (...) constitui devassa violadora do meu direito constitucional e legal ao sigilo bancário".
Ainda pendente de julgamento de mérito, o processo que resultou na expedição de liminar, espécie de biombo de proteção a Ricardo "incógnita" Sérgio, contém documento que expõe certas convicções do fisco. Assina-o Paulo Ricardo de Souza Cardoso, coordenador-geral de Fiscalização.
"Das averiguações preliminares realizadas nos sistemas da Secretaria da Receita Federal", diz o texto, "constatou-se que a movimentação financeira do sr. Ricardo Sérgio de Oliveira no biênio 1998/1999 foi de R$ 4.696.023,21". Chegou-se à cifra graças à CPMF, o imposto do cheque. O numerário não encontra respaldo nas declarações de rendimentos do coletor de verbas eleitorais.
Audita-se o cotidiano financeiro de Ricardo "4,6 milhões" Sérgio a pedido da Procuradoria da República. O procurador Guilherme Schelb investiga o caixa dois que engraxou a máquina reeleitoral de FHC com pelo menos R$ 10,12 milhões ilegais.
"Se, por dever legal, essa autoridade administrativa iniciou uma ação fiscal requisitada pelo Ministério Público e, durante a fiscalização, deparou com tão expressivo volume financeiro, por dever de ofício viu-se na contingência de continuar na apuração dos fatos", anota ainda o texto do coordenador-geral de Fiscalização da Receita. "De forma diversa, estaria fraudando o princípio da moralidade administrativa."
Sob os auspícios do presidenciável José Serra, cujas finanças eleitorais ajudou a fornir no pleitos de 1990 e de 1994, Ricardo "transtorno" Sérgio ocupou o cargo de diretor da área internacional do Banco do Brasil entre 1995 e 1998. Caiu do galho por conta da incontinência verbal flagrada pelo chamado grampo do BNDES. A passagem pelo governo foi especialmente próspera para o procurador das arcas do tucanato.
Embora ganhasse pouco em salários do bancão oficial -algo como R$ 105 mil por ano-, inflou prodigiosamente o seu rol de bens no período. Em 1995, era dono de patrimônio declarado de R$ 1.458.757,43. Em 1998, sua fortuna somava R$ 3.283.123,81. Em 1999, R$ 3.509.160,48. Em 2000, R$ 4.035.950,82. Um espanto.
Um dos pontos que compõem a auditoria da Receita é a relação de Ricardo "prosperidade" Sérgio com duas empresas do ramo das finanças: as corretoras RMC e Planefin.
É de se perguntar: o que leva juízes a obstar uma auditoria fiscal amparada em números assim tão vistosos? Se uma movimentação bancária bianual de R$ 4,6 milhões não constitui indício suficiente, o que mais pode justificar uma averiguação?
Não se nota no Ministério da Fazenda nenhum movimento de contra-ataque. Sabe-se que restam pelo menos dois caminhos à Procuradoria da Fazenda Nacional. Pode-se recorrer contra a liminar no próprio TRF que, em decisões pretéritas, liberou a quebra de sigilo bancário. Pode-se ainda recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Um recuo de Brasília a esta altura não pegaria bem. Se Ricardo "suspeição" Sérgio prefere mover-se na penumbra, tanto melhor. Assim como o general Leonidas sob a chuva de flechas do exército persa, os auditores fiscais podem combater à sombra.


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