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São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2003

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NA EUROPA

Brasileiro é criticado por dizer que americanos defendem seus interesses

Lula e presidente polonês batem boca sobre os EUA

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva envolveu-se ontem em um duelo verbal com seu colega polonês Alexander Kwasniewski, em torno dos Estados Unidos, depois de o brasileiro ter dito que "os EUA pensam primeiro neles, segundo neles, terceiro neles e, se sobrar tempo, pensam neles outra vez". A esgrima verbal ocorreu na sessão de encerramento dos debates teóricos sobre "Governança Progressista" (ex-Terceira Via), que, a partir de ontem, entrou na sua quarta reunião de cúpula.
A observação do mandatário brasileiro não foi necessariamente crítica, mas para reforçar sua opinião de que os norte-americanos têm um projeto nacional e são sempre duros nas negociações.
Kwasniewski rebateu: disse que Lula pensava no Brasil, mas não levara em conta situações como a da Polônia e de outros países ex-comunistas. "Não diga que os Estados Unidos não pensam em outros países. Não é verdade", atacou o presidente polonês.
Citou o Plano Marshall, o megapacote de ajuda norte-americana a uma Europa devastada pela 2ª Guerra Mundial (1939/45), que, aliás, Lula também citara, mas em outro contexto (o de defender financiamento dos países ricos aos países em desenvolvimento).
Kwasniewski disse também que os EUA ajudaram os países do Leste europeu "no caminho para a liberdade e para a democracia".
Terminou com um conselho não-solicitado: "Respeitar os EUA é um bom conselho para todos nós" (a troca de farpas ocorreu justamente como decorrência de pergunta sobre o que fazer para "uma genuína internacionalização da política norte-americana", levando em conta que ela é tida como muito unilateral).
Lula pediu a palavra para a tréplica, em que, de novo, misturou expressões de "respeito" pelos Estados Unidos, com uma crítica velada. Disse que, de fato, os EUA haviam ajudado a derrubar regimes comunistas, como ajudaram para que "houvesse golpes militares na América do Sul".
Afirmou que o embargo norte-americano a Cuba é um "problema político". Perguntou: "Cuba quer invadir os EUA?", e respondeu: "Não, é por causa dos eleitores que estão em Miami".
Depois, acabou falando do ataque ao Iraque de uma forma que é crítica também ao primeiro-ministro britânico Tony Blair, anfitrião da Cúpula de Londres, espremido entre Lula e o sul-africano Thabo Mbeki, os dois únicos governantes de países em desenvolvimento presentes.
Disse Lula: "Se os Estados Unidos tivessem participado do debate mundial, certamente não teria acontecido a guerra do Iraque. A história mostrará se estamos certos ou errados".
A questão é que Blair está enfrentando tremendos problemas internos porque até uma parte de seu partido, o Trabalhista, não esperou o julgamento da história, para criticá-lo pelo apoio incondicional ao ataque norte-americano. O polonês Kwasniewski também mandou tropas para ajudar a coalizão anglo-americana, juntamente com o espanhol José María Aznar, com o qual Lula se reúne a partir de terça-feira, na visita de Estado a Madri.
O incidente irritou a delegação brasileira, que considerou uma grosseria o comportamento de Kwasniewski.
Em três dias, é o segundo momento de desconforto para Lula na sua viagem à Europa. Na quinta, o presidente da Assembléia da República de Portugal (o Parlamento), João Bosco Mota Amaral, irritara a comitiva ao cobrar de Lula a realização do que chamou de seu "projeto alternativo".
Em outro momento de sua intervenção, Lula acabou criticando indiretamente dois outros mandatários, exatamente os primeiros europeus que visitou depois da posse (o francês Jacques Chirac e o alemão Gerhard Schröeder).
"Eu disse [antes da guerra] ao meu ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, que o Chirac e o Schröeder erraram [ao criticar a guerra], porque o [o presidente George W.] Bush está precisando de ajuda, e não de crítica."
A tese de Lula é a de que os políticos se tornam vítimas do próprio discurso, porque "criam no imaginário popular que aquela é a única verdade". No caso Bush, a "única verdade" seria a inevitabilidade da guerra, que tinha apoio da opinião pública. "Alguém deveria chegar ao Bush e dizer: companheiro, vamos fazer um apelo público para que não seja necessário ir à guerra", afirmou Lula.
O presidente brasileiro defendeu a tese de que os demais países deveriam convidar mais sistematicamente os Estados Unidos para participar de reuniões internacionais, chegando a sugerir, entre sério e brincando, que a "Governança Progressista" incluísse Bush entre os convidados.
Tony Blair não perdeu a chance de exercer o típico humor britânico: disse que um convite desses "esticaria" demais o encontro, por motivos que ele preferiu não explicitar, mas afirmou que o público entenderia.
O motivo é simples: Bill Clinton, o antecessor e crítico de Bush, participa desde a primeira cúpula da então chamada "Terceira Via" e, mesmo fora do poder, continua sendo chamado para os debates, como aconteceu agora.


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