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NA EUROPA
Brasileiro é criticado por dizer que americanos defendem seus interesses
Lula e presidente polonês batem boca sobre os EUA
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva envolveu-se ontem em um
duelo verbal com seu colega polonês Alexander Kwasniewski, em
torno dos Estados Unidos, depois
de o brasileiro ter dito que "os
EUA pensam primeiro neles, segundo neles, terceiro neles e, se
sobrar tempo, pensam neles outra
vez". A esgrima verbal ocorreu na
sessão de encerramento dos debates teóricos sobre "Governança
Progressista" (ex-Terceira Via),
que, a partir de ontem, entrou na
sua quarta reunião de cúpula.
A observação do mandatário
brasileiro não foi necessariamente crítica, mas para reforçar sua
opinião de que os norte-americanos têm um projeto nacional e são
sempre duros nas negociações.
Kwasniewski rebateu: disse que
Lula pensava no Brasil, mas não
levara em conta situações como a
da Polônia e de outros países ex-comunistas. "Não diga que os Estados Unidos não pensam em outros países. Não é verdade", atacou o presidente polonês.
Citou o Plano Marshall, o megapacote de ajuda norte-americana
a uma Europa devastada pela 2ª
Guerra Mundial (1939/45), que,
aliás, Lula também citara, mas em
outro contexto (o de defender financiamento dos países ricos aos
países em desenvolvimento).
Kwasniewski disse também que
os EUA ajudaram os países do
Leste europeu "no caminho para
a liberdade e para a democracia".
Terminou com um conselho
não-solicitado: "Respeitar os
EUA é um bom conselho para todos nós" (a troca de farpas ocorreu justamente como decorrência
de pergunta sobre o que fazer para "uma genuína internacionalização da política norte-americana", levando em conta que ela é tida como muito unilateral).
Lula pediu a palavra para a tréplica, em que, de novo, misturou
expressões de "respeito" pelos Estados Unidos, com uma crítica velada. Disse que, de fato, os EUA
haviam ajudado a derrubar regimes comunistas, como ajudaram
para que "houvesse golpes militares na América do Sul".
Afirmou que o embargo norte-americano a Cuba é um "problema político". Perguntou: "Cuba
quer invadir os EUA?", e respondeu: "Não, é por causa dos eleitores que estão em Miami".
Depois, acabou falando do ataque ao Iraque de uma forma que é
crítica também ao primeiro-ministro britânico Tony Blair, anfitrião da Cúpula de Londres, espremido entre Lula e o sul-africano Thabo Mbeki, os dois únicos
governantes de países em desenvolvimento presentes.
Disse Lula: "Se os Estados Unidos tivessem participado do debate mundial, certamente não teria acontecido a guerra do Iraque.
A história mostrará se estamos
certos ou errados".
A questão é que Blair está enfrentando tremendos problemas
internos porque até uma parte de
seu partido, o Trabalhista, não esperou o julgamento da história,
para criticá-lo pelo apoio incondicional ao ataque norte-americano. O polonês Kwasniewski também mandou tropas para ajudar a
coalizão anglo-americana, juntamente com o espanhol José María
Aznar, com o qual Lula se reúne a
partir de terça-feira, na visita de
Estado a Madri.
O incidente irritou a delegação
brasileira, que considerou uma
grosseria o comportamento de
Kwasniewski.
Em três dias, é o segundo momento de desconforto para Lula
na sua viagem à Europa. Na quinta, o presidente da Assembléia da
República de Portugal (o Parlamento), João Bosco Mota Amaral,
irritara a comitiva ao cobrar de
Lula a realização do que chamou
de seu "projeto alternativo".
Em outro momento de sua intervenção, Lula acabou criticando
indiretamente dois outros mandatários, exatamente os primeiros
europeus que visitou depois da
posse (o francês Jacques Chirac e
o alemão Gerhard Schröeder).
"Eu disse [antes da guerra] ao
meu ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, que o Chirac e o Schröeder erraram [ao criticar a guerra], porque o [o presidente George W.] Bush está precisando de ajuda, e não de crítica."
A tese de Lula é a de que os políticos se tornam vítimas do próprio discurso, porque "criam no
imaginário popular que aquela é a
única verdade". No caso Bush, a
"única verdade" seria a inevitabilidade da guerra, que tinha apoio
da opinião pública. "Alguém deveria chegar ao Bush e dizer: companheiro, vamos fazer um apelo
público para que não seja necessário ir à guerra", afirmou Lula.
O presidente brasileiro defendeu a tese de que os demais países
deveriam convidar mais sistematicamente os Estados Unidos para
participar de reuniões internacionais, chegando a sugerir, entre sério e brincando, que a "Governança Progressista" incluísse
Bush entre os convidados.
Tony Blair não perdeu a chance
de exercer o típico humor britânico: disse que um convite desses
"esticaria" demais o encontro,
por motivos que ele preferiu não
explicitar, mas afirmou que o público entenderia.
O motivo é simples: Bill Clinton,
o antecessor e crítico de Bush,
participa desde a primeira cúpula
da então chamada "Terceira Via"
e, mesmo fora do poder, continua
sendo chamado para os debates,
como aconteceu agora.
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