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São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2003

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XINGU - 60 ANOS DEPOIS

Área é demarcada, mas indígenas reclamam da destruição causada pelos brancos na região

Índios "amansados" tentam resgatar cultura

Heloisa Passos/Folha Imagem
Cena da festa Jawari, que ocorreu em 27 e 28 junho


MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
ENVIADA ESPECIAL AO XINGU

O dia 15 de julho de 1943 foi escolhido por Getúlio Vargas como o dia de partida da Expedição Roncador-Xingu, com a finalidade de povoar o Centro-Oeste do Brasil e proteger o território. Saiu atrasada, em 6 de agosto. Um dos resultados da marcha foi a criação do Parque Indígena do Xingu.
Salomão de Souza, 73, entrou na expedição em 1948 e ajudou a construir as primeiras casas de Nova Xavantina. Ele conta que trabalhava com os Villas Bôas. "Amansamos umas 12 aldeias. Os índios do Xingu não são brabos iguais a esses daqui [xavantes]. Esses daqui acostumam, mas não amansam. Dos camaiurás, conheci Tacumã e Tapiri."
A reportagem da Folha chegou à oca do cacique Kotok Kamayurá após viajar três horas num caminhão, de Canarana até a beira do rio Kuluene, e seis horas de barco pelos rios Kuluene e Tuatuari. Acompanhou-nos Acare Maluá Carajá, 38, técnico da Funai, que traduziu as entrevistas, dadas em uaurá, camaiurá e português. Em 27 de junho, começaria o Jawari, a festa da onça. Na oca, varais entre as redes guardavam linhas e miçangas ao lado de roupas "ocidentais" e um DVD. Lá fora, antena parabólica e caminhão.
Kotok, 43, disse que a escola da aldeia surgiu porque seu pai queria "fazer o resgate de cultura". "Pensou em colocar professor de pintura corporal, do canto das mulheres, de flauta. Fez esse projeto na associação Mavutsinin." Kotok tem três mulheres, 21 filhos e oito netos. Todos falam com sotaque e conversaram muito em camaiurá durante a entrevista.
Depois de 60 anos de contato, os camaiurás ainda festejam igual, mas a indumentária ganhou adereços industrializados, como se levasse ao pé da letra a devoração antropofágica -metáfora do modernista Oswald de Andrade.
A cabeça empalhada do tucano compõe a máscara sagrada apoiada numa garrafa de refrigerante. Se a fotógrafa Maureen Bisilliat registrou, nos anos 70, uma índia com correntinha de bijuteria, hoje, a fotógrafa da Folha retrata um corintiano na tribo. Os desenhos corporais dos calapalos que dançaram na festa Jawari continham palavras em português e calapalo.
Tacumã contou que os índios estão envergonhados e já usam roupas. "Mal tiram a roupa para a festa. Quando os velhos estão no banho, notam que a mulherada de hoje prefere tomar banho de roupa e que os mais velhos andam como sempre."
No dia seguinte à festa do Jawari foi a vez de conhecer os iaualapitis. No centro da aldeia, homens e meninos treinavam a luta huca-huca e em seguida jogaram futebol contra os vizinhos camaiurás. Essa é uma época de treinos para a festa Quarup.
O cacique Aritana Iawalapiti, 43, disse que "o Xingu é demarcado, só que falta muita coisa, como lugares sagrados. Só que os brancos desmataram. As nascentes dos rios Kuluene, Kurisevo, Ronuro, Batovi estão fora do parque. O governo não quer ampliar [a terra]". Eduardo Aguiar Almeida, presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), diz que "hoje há pleitos de revisão de limites em alguns pontos [do parque]".
Aritana disse que há só seis falantes de iaualapiti. "Uma linguista está dando aula para a rapaziada. Se eu entro, eles não falam de vergonha, eles entendem, só que não falam." Sobre os contatos hoje, é categórico: "Estamos cercados de fazendeiro, invasão, a gente está aqui nesse pedacinho como se fosse zoológico, dia-a-dia chega mais pressão."


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