São Paulo, Quarta-feira, 14 de Julho de 1999
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ELIO GASPARI
A fala de Evaldo Cabral de Mello

Saiu no Rio de Janeiro uma nova revista de cultura. Chama-se "Uapê". Vem com três entrevistas, 11 contos, quatro ensaios, mais críticas e resenhas de livros. Nela há uma jóia. É uma curta entrevista do historiador Evaldo Cabral de Mello, autor de "O Negócio do Brasil" (para quem gosta de livros novos) e de "Olinda Restaurada" (para quem gosta dos velhos). Aos 63 anos, é o maior historiador vivo do Brasil.
Faz tempo que ele só escreve sobre o que pesquisa e só diz o que acha.
Nessa entrevista, Cabral de Mello exercitou uma coisa rara na intelectualidade brasileira. Disse coisas que por prudência, cuidado e astúcia (para não mencionar a simples ignorância) prefere-se não discutir.
É um prazer transcrever algumas de suas opiniões. Por pinçadas, podem não refletir exatamente o que ele pensa. Mesmo assim, têm a utilidade de mostrar que a reflexão sobre o Brasil pode ser muito mais rica do que se supõe. A quem as achar excêntricas, vai um lembrete: Evaldo Cabral de Mello não vive de certezas, apenas sabe do que fala. A elas, pela delícia que pode ser discuti-las:
Sobre o tamanho do Brasil e de seus problemas: "Eu acho que seria ótimo se tivéssemos respeitado a linha de Tordesilhas. O país hoje seria bem menor e os problemas, talvez, mais administráveis."
Sobre as tentativas de colonização de uma parte do Brasil, feitas por franceses e holandeses: "Se a França ou a Holanda tivessem se estabelecido permanentemente no Brasil, não sei se o Brasil estaria mais desenvolvido. De qualquer maneira, não estaria pior do que está. Haveria diferentes brasis e diferentes experiências para se comparar."
Sobre as causas do atraso de Pernambuco e, de certa forma, do Nordeste: "De quem foi a culpa? Dos políticos. Mas não foi só a política. Foi fatal, para nós, no século 19, a posição de monopólio que o café brasileiro tinha no mercado mundial. O café jogava a taxa de câmbio para o alto. Quer dizer, se o Brasil tivesse se dividido entre o que é hoje o Nordeste e o que é o Sul, provavelmente a agroindústria açucareira do Nordeste teria resistido melhor, no século 19, à perda do mercado."
Sobre a Inconfidência Mineira: "A Inconfidência Mineira é episódio que foi posto fora de contexto e cuja importância foi aumentada da proclamação da República para cá. (...) O que foi a Inconfidência Mineira? Foi uma esquerda festiva, quer dizer, uns poetas chateados que viviam lá pelos lados tristíssimos de Ouro Preto."
Sobre a geração de jovens que estudavam história e faziam manifestações políticas nos anos 60: "Só pensavam em história para falar em escravismo, na luta do povo... e qual foi a obra histórica que resultou dessa fase? (...) Ninguém dessa época deixou nenhum livro de história de importância."
Sobre Celso Furtado e sua "A Formação Econômica do Brasil": "Não vai durar muito tempo. (...) Foi um livro que fez a cabeça de muita gente aqui, nos anos 60. Eu li, e na época achei formidável. Depois, quando fui estudar, não toda a história econômica do Brasil, que não me interessa, mas a parte da história econômica do Nordeste, sei que ele diz coisas completamente falsas. Diz, por exemplo, que a indústria agro-açucareira no Nordeste foi um dos maiores negócios que já houve na história, do ponto de vista da rentabilidade. Não há nenhuma base documental, pelo contrário, tudo mostra que o engenho melhor administrado era, por exemplo, o engenho do Conde, na Bahia: dava, no máximo 5% de lucro. Diz, por exemplo, que foram os holandeses que inventaram o mercado mundial do açúcar. Os holandeses nunca se meteram no mercado mundial do açúcar."
Sobre os anos de chumbo: "A esquerda foi muito responsável pelo período todo da ditadura militar. Se a esquerda não tivesse se comportado da maneira irresponsável como se comportou, se tivesse sido mais realista, o regime militar não poderia ter durado tanto, porque os militares não teriam mais o pretexto. Se, em 1968, a situação não tivesse chegado àquele extremo, provavelmente a abertura teria se dado antes."
Sobre algumas características da alma nacional: "O brasileiro é imediatista, pragmático e não gosta de quixotadas. D.Quixote, aqui, não teria produzido uma página, ninguém ia se interessar por um palhaço daqueles, na melhor das hipóteses desfilaria nas escolas de samba, e acho que não ia conseguir, porque iria desorganizar o desfile e faria a escola perder prêmio."
Sobre FFH: "Confesso que durmo mais tranquilo hoje com Fernando Henrique que dormiria sob o governo de qualquer outro presidente."


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