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ELIO GASPARI
A fala de Evaldo Cabral de Mello
Saiu no Rio de Janeiro uma
nova revista de cultura. Chama-se "Uapê". Vem com três
entrevistas, 11 contos, quatro
ensaios, mais críticas e resenhas
de livros. Nela há uma jóia. É
uma curta entrevista do historiador Evaldo Cabral de Mello,
autor de "O Negócio do Brasil"
(para quem gosta de livros novos) e de "Olinda Restaurada"
(para quem gosta dos velhos).
Aos 63 anos, é o maior historiador vivo do Brasil.
Faz tempo que ele só escreve
sobre o que pesquisa e só diz o
que acha.
Nessa entrevista, Cabral de
Mello exercitou uma coisa rara
na intelectualidade brasileira.
Disse coisas que por prudência,
cuidado e astúcia (para não
mencionar a simples ignorância) prefere-se não discutir.
É um prazer transcrever algumas de suas opiniões. Por pinçadas, podem não refletir exatamente o que ele pensa. Mesmo
assim, têm a utilidade de mostrar que a reflexão sobre o Brasil pode ser muito mais rica do
que se supõe. A quem as achar
excêntricas, vai um lembrete:
Evaldo Cabral de Mello não vive de certezas, apenas sabe do
que fala. A elas, pela delícia que
pode ser discuti-las:
Sobre o tamanho do Brasil e
de seus problemas: "Eu acho
que seria ótimo se tivéssemos
respeitado a linha de Tordesilhas. O país hoje seria bem menor e os problemas, talvez, mais
administráveis."
Sobre as tentativas de colonização de uma parte do Brasil,
feitas por franceses e holandeses: "Se a França ou a Holanda
tivessem se estabelecido permanentemente no Brasil, não sei se
o Brasil estaria mais desenvolvido. De qualquer maneira, não
estaria pior do que está. Haveria diferentes brasis e diferentes
experiências para se comparar."
Sobre as causas do atraso de
Pernambuco e, de certa forma,
do Nordeste: "De quem foi a culpa? Dos políticos. Mas não foi só
a política. Foi fatal, para nós, no
século 19, a posição de monopólio que o café brasileiro tinha no
mercado mundial. O café jogava a taxa de câmbio para o alto.
Quer dizer, se o Brasil tivesse se
dividido entre o que é hoje o
Nordeste e o que é o Sul, provavelmente a agroindústria açucareira do Nordeste teria resistido melhor, no século 19, à perda
do mercado."
Sobre a Inconfidência Mineira: "A Inconfidência Mineira é
episódio que foi posto fora de
contexto e cuja importância foi
aumentada da proclamação da
República para cá. (...) O que foi
a Inconfidência Mineira? Foi
uma esquerda festiva, quer dizer, uns poetas chateados que
viviam lá pelos lados tristíssimos de Ouro Preto."
Sobre a geração de jovens que
estudavam história e faziam
manifestações políticas nos
anos 60: "Só pensavam em história para falar em escravismo,
na luta do povo... e qual foi a
obra histórica que resultou dessa fase? (...) Ninguém dessa época deixou nenhum livro de história de importância."
Sobre Celso Furtado e sua "A
Formação Econômica do Brasil": "Não vai durar muito tempo. (...) Foi um livro que fez a
cabeça de muita gente aqui, nos
anos 60. Eu li, e na época achei
formidável. Depois, quando fui
estudar, não toda a história econômica do Brasil, que não me
interessa, mas a parte da história econômica do Nordeste, sei
que ele diz coisas completamente falsas. Diz, por exemplo, que
a indústria agro-açucareira no
Nordeste foi um dos maiores negócios que já houve na história,
do ponto de vista da rentabilidade. Não há nenhuma base
documental, pelo contrário, tudo mostra que o engenho melhor administrado era, por
exemplo, o engenho do Conde,
na Bahia: dava, no máximo 5%
de lucro. Diz, por exemplo, que
foram os holandeses que inventaram o mercado mundial do
açúcar. Os holandeses nunca se
meteram no mercado mundial
do açúcar."
Sobre os anos de chumbo: "A
esquerda foi muito responsável
pelo período todo da ditadura
militar. Se a esquerda não tivesse se comportado da maneira irresponsável como se comportou,
se tivesse sido mais realista, o regime militar não poderia ter
durado tanto, porque os militares não teriam mais o pretexto.
Se, em 1968, a situação não tivesse chegado àquele extremo,
provavelmente a abertura teria
se dado antes."
Sobre algumas características
da alma nacional: "O brasileiro
é imediatista, pragmático e não
gosta de quixotadas. D.Quixote,
aqui, não teria produzido uma
página, ninguém ia se interessar por um palhaço daqueles,
na melhor das hipóteses desfilaria nas escolas de samba, e acho
que não ia conseguir, porque
iria desorganizar o desfile e faria a escola perder prêmio."
Sobre FFH: "Confesso que
durmo mais tranquilo hoje com
Fernando Henrique que dormiria sob o governo de qualquer
outro presidente."
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