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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ LULA NA MIRA
Para concorrer à Presidência em 2002, Lula exigiu a contratação de Duda Mendonça e "o que fosse necessário" para vencer aquela eleição
Caixa 2 do PT se intensificou em 2002
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Era maio de 2000. A eleição presidencial de 2002 não passava de
um ponto longínquo na folhinha.
Em reunião na sede do PT em São
Paulo, Luiz Inácio Lula da Silva
avisou: só assumiria a condição
de presidenciável se o partido o
convencesse de que seria capaz de
estruturar-se para ganhar.
"Não vou jogar na segunda divisão nem vou ficar no banco de reservas", Lula repetia aos companheiros de partido.
"Quero terminar a carreira como o Pelé, que soube escolher a
hora de parar." A idéia de uma
quarta derrota o afligia.
Não haveria superestrutura
"sem dinheiro", informou-se a
Lula. Pois que seja feito "o que for
necessário", respondeu.
O diálogo foi relatado à Folha,
na última quinta-feira, por um
petista que o presenciou.
Seguido ao pé da letra, o desejo
do candidato Lula talvez tenha sido o marco zero da crise que levou o presidente Lula a pedir desculpas ao país na manhã da última sexta-feira.
A contabilidade oficial do PT já
convivia harmoniosamente com
o caixa dois. Mas o fluxo de verba
clandestina se intensificaria como
nunca a partir de 2002.
A contratação de Duda Mendonça, exigência expressa de Lula, foi o prenúncio da fase próspera. O marqueteiro, um dos mais
caros do país, faria outras campanhas, além da presidencial. E assessoraria o partido na elaboração
de programas institucionais.
O valor do contrato não foi revelado na ocasião.
Na última quinta-feira, ao comparecer à CPI dos Correios, o personagem que simbolizava a pujança monetária do PT pós-2002
contribuiu para aproximar a crise
atual da rampa do Palácio do Planalto.
Num depoimento que levou integrantes da esquerda petista às
lágrimas, Duda Mendonça revelou que os serviços prestados ao
PT, incluindo a campanha de Lula, renderam à sua empresa R$ 25
milhões.
Desse total, R$ 11,9 milhões chegaram-lhe por vias tortas. Foram
depositados por Marcos Valério
Fernandes de Souza, suposto operador do caixa dois do diretório
nacional do PT -na conta de
uma empresa aberta nas Bahamas.
O PT da semana passada, que
constrangia o presidente Lula
com a suspeita de lavagem de dinheiro internacional, nem de longe lembrava a legenda que, em
passado recente, costumava compensar a própria penúria escorando-se na estrutura de sindicatos
de trabalhadores.
Na eleição presidencial de 1994,
primeiro embate direto entre Lula
e o tucano Fernando Henrique
Cardoso, o petismo espantou-se
com uma pesquisa feita pela revista "Exame". Nada menos que
97% dos empresários declararam
preferência por FHC. A aversão
ao Lula de então tinha reflexos diretos nos cofres do partido.
Dinheiro no sindicato
A Folha recuperou nos arquivos
do STF (Supremo Tribunal Federal) um documento que dá uma
idéia da atmosfera que se respirava à época.
Em recurso aos ministros do
Supremo, o PT argumentou que a
legislação eleitoral impunha tratamento desigual a empresários e
trabalhadores. Pediu que, assim
como as empresas, também os
sindicatos fossem autorizados a
doar dinheiro para candidatos de
sua preferência.
Os advogados do PT sustentaram a tese de que "os recursos arrecadados [pelos sindicatos] por
meio da contribuição legal pertencem aos próprios trabalhadores". O STF indeferiu o pedido.
Em maio de 1994, dois meses
antes da decisão do Supremo, Lula fora flagrado discursando no alto de um caro de som do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Perguntado acerca da proibição legal,
respondera com uma frase que
lhe renderia muitas críticas: "Entre a lei e a coisa justa e legítima,
eu sempre disse que o justo e o legítimo é muito mais importante.
O que eu entender que não é crime, vou continuar fazendo".
Decorridos 11 anos, o PT volta a
ser acusado de desrespeitar a lei.
A diferença é de proporção. Só os
documentos reunidos pela CPI
dos Correios daria para encher
quase três carrocerias como a do
caminhão que serviu de palanque
para Lula em 1994. Investiga-se da
compra de deputados à fraude em
contratos.
A Folha ouviu na semana passada dois petistas afeitos aos números do partido. Ambos pediram que seus nomes não fossem
mencionados. Estimaram que,
entre 2002 e 2004, considerando-se todas as campanhas do período
(presidente, congressistas federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores) o
PT tenha movimentado no caixa
dois entre R$ 200 milhões e R$
300 milhões.
A primeira cifra foi mencionada
por um ex-integrante da Comissão Executiva do partido. A segunda, pelo tesoureiro de um diretório estadual do PT. Os dados,
por clandestinos, não são reconhecidos formalmente pela direção partidária.
Não se sabe o que pensa Lula
agora acerca daquela sua idéia, revelada em 2000, de que gostaria
de "terminar a carreira como o
Pelé, que soube escolher a hora de
parar." Quanto ao PT, encontra-se parado para balanço.
Além dos problemas com a contabilidade subterrânea, enfrenta
dificuldades com a escrituração
convencional.
Os livros do partido registram
contas que não fecham: com uma
receita anual de R$ 38 milhões, o
partido amarga dívidas em atraso
de R$ 70 milhões. Cancelaram-se
projetos como o da construção de
uma nova sede, resquício da fase
megalômana que se pretende sepultar.
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