São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ LULA NA MIRA

Para concorrer à Presidência em 2002, Lula exigiu a contratação de Duda Mendonça e "o que fosse necessário" para vencer aquela eleição

Caixa 2 do PT se intensificou em 2002

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

Era maio de 2000. A eleição presidencial de 2002 não passava de um ponto longínquo na folhinha. Em reunião na sede do PT em São Paulo, Luiz Inácio Lula da Silva avisou: só assumiria a condição de presidenciável se o partido o convencesse de que seria capaz de estruturar-se para ganhar.
"Não vou jogar na segunda divisão nem vou ficar no banco de reservas", Lula repetia aos companheiros de partido.
"Quero terminar a carreira como o Pelé, que soube escolher a hora de parar." A idéia de uma quarta derrota o afligia.
Não haveria superestrutura "sem dinheiro", informou-se a Lula. Pois que seja feito "o que for necessário", respondeu.
O diálogo foi relatado à Folha, na última quinta-feira, por um petista que o presenciou.
Seguido ao pé da letra, o desejo do candidato Lula talvez tenha sido o marco zero da crise que levou o presidente Lula a pedir desculpas ao país na manhã da última sexta-feira.
A contabilidade oficial do PT já convivia harmoniosamente com o caixa dois. Mas o fluxo de verba clandestina se intensificaria como nunca a partir de 2002.
A contratação de Duda Mendonça, exigência expressa de Lula, foi o prenúncio da fase próspera. O marqueteiro, um dos mais caros do país, faria outras campanhas, além da presidencial. E assessoraria o partido na elaboração de programas institucionais.
O valor do contrato não foi revelado na ocasião.
Na última quinta-feira, ao comparecer à CPI dos Correios, o personagem que simbolizava a pujança monetária do PT pós-2002 contribuiu para aproximar a crise atual da rampa do Palácio do Planalto.
Num depoimento que levou integrantes da esquerda petista às lágrimas, Duda Mendonça revelou que os serviços prestados ao PT, incluindo a campanha de Lula, renderam à sua empresa R$ 25 milhões.
Desse total, R$ 11,9 milhões chegaram-lhe por vias tortas. Foram depositados por Marcos Valério Fernandes de Souza, suposto operador do caixa dois do diretório nacional do PT -na conta de uma empresa aberta nas Bahamas.
O PT da semana passada, que constrangia o presidente Lula com a suspeita de lavagem de dinheiro internacional, nem de longe lembrava a legenda que, em passado recente, costumava compensar a própria penúria escorando-se na estrutura de sindicatos de trabalhadores.
Na eleição presidencial de 1994, primeiro embate direto entre Lula e o tucano Fernando Henrique Cardoso, o petismo espantou-se com uma pesquisa feita pela revista "Exame". Nada menos que 97% dos empresários declararam preferência por FHC. A aversão ao Lula de então tinha reflexos diretos nos cofres do partido.

Dinheiro no sindicato
A Folha recuperou nos arquivos do STF (Supremo Tribunal Federal) um documento que dá uma idéia da atmosfera que se respirava à época.
Em recurso aos ministros do Supremo, o PT argumentou que a legislação eleitoral impunha tratamento desigual a empresários e trabalhadores. Pediu que, assim como as empresas, também os sindicatos fossem autorizados a doar dinheiro para candidatos de sua preferência.
Os advogados do PT sustentaram a tese de que "os recursos arrecadados [pelos sindicatos] por meio da contribuição legal pertencem aos próprios trabalhadores". O STF indeferiu o pedido.
Em maio de 1994, dois meses antes da decisão do Supremo, Lula fora flagrado discursando no alto de um caro de som do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Perguntado acerca da proibição legal, respondera com uma frase que lhe renderia muitas críticas: "Entre a lei e a coisa justa e legítima, eu sempre disse que o justo e o legítimo é muito mais importante. O que eu entender que não é crime, vou continuar fazendo".
Decorridos 11 anos, o PT volta a ser acusado de desrespeitar a lei. A diferença é de proporção. Só os documentos reunidos pela CPI dos Correios daria para encher quase três carrocerias como a do caminhão que serviu de palanque para Lula em 1994. Investiga-se da compra de deputados à fraude em contratos.
A Folha ouviu na semana passada dois petistas afeitos aos números do partido. Ambos pediram que seus nomes não fossem mencionados. Estimaram que, entre 2002 e 2004, considerando-se todas as campanhas do período (presidente, congressistas federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores) o PT tenha movimentado no caixa dois entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões.
A primeira cifra foi mencionada por um ex-integrante da Comissão Executiva do partido. A segunda, pelo tesoureiro de um diretório estadual do PT. Os dados, por clandestinos, não são reconhecidos formalmente pela direção partidária.
Não se sabe o que pensa Lula agora acerca daquela sua idéia, revelada em 2000, de que gostaria de "terminar a carreira como o Pelé, que soube escolher a hora de parar." Quanto ao PT, encontra-se parado para balanço.
Além dos problemas com a contabilidade subterrânea, enfrenta dificuldades com a escrituração convencional.
Os livros do partido registram contas que não fecham: com uma receita anual de R$ 38 milhões, o partido amarga dívidas em atraso de R$ 70 milhões. Cancelaram-se projetos como o da construção de uma nova sede, resquício da fase megalômana que se pretende sepultar.

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