São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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Sigilo telefônico é vendido a menos de R$ 1.000 no Brasil

Dois senadores e um deputado compraram seus próprios dados telefônicos de detetives

Os extratos adquiridos por Álvaro Dias e Gustavo Fruet tinham os dados corretos; dados entregues a Aloizio Mercadante não conferiam

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

É possível comprar por menos de R$ 1.000 o extrato de ligações telefônicas e torpedos de qualquer assinante, inclusive de autoridades públicas.
Pessoas que se apresentam como detetives particulares e funcionários de empresas de telefonia comercializam o serviço, fazendo prosperar um mercado de espionagem ilegal.
Para comprovar a prática criminosa, os senadores Álvaro Dias (PSDB-PR) e Aloizio Mercadante (PT-SP) e o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), membro da CPI dos Grampos Telefônicos, adquiriram seus próprios dados com auxílio da reportagem da Folha.
No caso de Dias, foi obtido o histórico completo do mês de julho das chamadas telefônicas efetuadas e recebidas de seu aparelho celular, registrado em nome do Senado.
Em relação a Fruet, a primeira reação do vendedor foi devolver o dinheiro ao descobrir que se tratava do número de um deputado federal. Posteriormente, contudo, condicionou realizar o "serviço" a um aumento do valor inicialmente cobrado. Ele mandou um fragmento da relação de ligações feitas pelo deputado, na expectativa de receber um pagamento adicional. Foram 14 registros de telefonemas, todos confirmados por Fruet. Mas um segundo depósito não chegou a ser feito pelo deputado.
Há indicação de que vendem gato por lebre nesse mercado. No caso de Mercadante, foi enviada uma amostra das ligações. Os dados cadastrais do telefone, em nome do Senado, estavam corretos. O histórico de chamadas, contudo, não conferiu com a conta original nem o senador reconheceu os números de destino das ligações.
No mercado clandestino de espionagem, o "cliente" pode ser facilmente enganado e não tem como recorrer às autoridades, pois os serviços contratados são ilegais.
O sigilo do histórico de chamadas telefônicas é garantido pelo artigo 5º da Constituição, assim como o teor de conversas e de correspondência. A lei 9.296/96, que disciplina as interceptações telefônicas legais, prevê pena de reclusão de dois a quatro anos e multa para quem violar o sigilo de terceiros sem autorização judicial.
Além de criminosos que podem se valer desse tipo de informação como instrumento de chantagem e extorsão, agentes de órgãos policiais e de fiscalização ouvidos pela Folha admitem que, em determinadas situações, usam extratos telefônicos obtidos de modo oficioso (por meio de contatos dentro das operadoras) para "mapear" a rede de relacionamento de seus potenciais alvos durante a fase que antecede à instauração do inquérito.
Esses dados também são usados nas investigações policiais, muitas vezes para determinar quais números serão interceptados a partir de um pedido à Justiça.
Na Operação Satiagraha, por exemplo, o juiz Fausto Martin De Sanctis concedeu ao delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz senhas de acesso ao histórico de chamadas de qualquer assinante do país.
Sem revelar a identidade, a reportagem entrou em contato com cinco "comerciantes" de dados telefônicos de Brasília, São Paulo e Minas Gerais. A Folha chegou até eles a partir de indicações dadas por investigadores públicos e de anúncios em jornais e na internet.
Um dos vendedores cobrou R$ 700 pelo extrato de um mês, incluindo ligações efetuadas e recebidas -essa segunda informação não consta de uma conta normal de telefone. Se fossem pagos R$ 100 a mais, o serviço incluiria todos os torpedos enviados e recebidos no período. Outro pediu R$ 600 só pela relação das chamadas efetuadas.
No caso dos senadores, eles fizeram um primeiro depósito de R$ 350 como sinal, uma exigência do vendedor. Foram enviadas por e-mail amostras de seus extratos. Dias confirmou a veracidade das informações e realizou o segundo depósito. No mesmo dia, o vendedor encaminhou a relação completa de todas as ligações feitas e recebidas do número de Dias no mês de julho. Mercadante, contudo, não fez o segundo pagamento, pois os dados não conferiram com os originais.
Os celulares usados pelos senadores são fornecidos pela Casa, mas o congressista escolhe a operadora. O aparelho de Mercadante é da Vivo. O de Dias, da TIM.
Já no caso de Gustavo Fruet, seu aparelho (da Claro) está em seu próprio nome. Ele efetuou um único depósito de R$ 600. Os três congressistas fizeram os pagamentos com recursos do próprio bolso.


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