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Sigilo telefônico é vendido a menos de R$ 1.000 no Brasil
Dois senadores e um deputado compraram seus próprios dados telefônicos de detetives
Os extratos adquiridos por Álvaro Dias e Gustavo Fruet tinham os dados corretos; dados entregues a Aloizio Mercadante não conferiam
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
É possível comprar por menos de R$ 1.000 o extrato de ligações telefônicas e torpedos
de qualquer assinante, inclusive de autoridades públicas.
Pessoas que se apresentam
como detetives particulares e
funcionários de empresas de
telefonia comercializam o serviço, fazendo prosperar um
mercado de espionagem ilegal.
Para comprovar a prática criminosa, os senadores Álvaro
Dias (PSDB-PR) e Aloizio Mercadante (PT-SP) e o deputado
Gustavo Fruet (PSDB-PR),
membro da CPI dos Grampos
Telefônicos, adquiriram seus
próprios dados com auxílio da
reportagem da Folha.
No caso de Dias, foi obtido o
histórico completo do mês de
julho das chamadas telefônicas
efetuadas e recebidas de seu
aparelho celular, registrado em
nome do Senado.
Em relação a Fruet, a primeira reação do vendedor foi devolver o dinheiro ao descobrir
que se tratava do número de
um deputado federal. Posteriormente, contudo, condicionou realizar o "serviço" a um
aumento do valor inicialmente
cobrado. Ele mandou um fragmento da relação de ligações
feitas pelo deputado, na expectativa de receber um pagamento adicional. Foram 14 registros de telefonemas, todos confirmados por Fruet. Mas um
segundo depósito não chegou a
ser feito pelo deputado.
Há indicação de que vendem
gato por lebre nesse mercado.
No caso de Mercadante, foi enviada uma amostra das ligações. Os dados cadastrais do telefone, em nome do Senado, estavam corretos. O histórico de
chamadas, contudo, não conferiu com a conta original nem o
senador reconheceu os números de destino das ligações.
No mercado clandestino de
espionagem, o "cliente" pode
ser facilmente enganado e não
tem como recorrer às autoridades, pois os serviços contratados são ilegais.
O sigilo do histórico de chamadas telefônicas é garantido
pelo artigo 5º da Constituição,
assim como o teor de conversas
e de correspondência. A lei
9.296/96, que disciplina as interceptações telefônicas legais,
prevê pena de reclusão de dois
a quatro anos e multa para
quem violar o sigilo de terceiros sem autorização judicial.
Além de criminosos que podem se valer desse tipo de informação como instrumento
de chantagem e extorsão, agentes de órgãos policiais e de fiscalização ouvidos pela Folha
admitem que, em determinadas situações, usam extratos
telefônicos obtidos de modo
oficioso (por meio de contatos
dentro das operadoras) para
"mapear" a rede de relacionamento de seus potenciais alvos
durante a fase que antecede à
instauração do inquérito.
Esses dados também são
usados nas investigações policiais, muitas vezes para determinar quais números serão interceptados a partir de um pedido à Justiça.
Na Operação Satiagraha, por
exemplo, o juiz Fausto Martin
De Sanctis concedeu ao delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz senhas de acesso
ao histórico de chamadas de
qualquer assinante do país.
Sem revelar a identidade, a
reportagem entrou em contato
com cinco "comerciantes" de
dados telefônicos de Brasília,
São Paulo e Minas Gerais. A
Folha chegou até eles a partir
de indicações dadas por investigadores públicos e de anúncios em jornais e na internet.
Um dos vendedores cobrou
R$ 700 pelo extrato de um mês,
incluindo ligações efetuadas e
recebidas -essa segunda informação não consta de uma conta
normal de telefone. Se fossem
pagos R$ 100 a mais, o serviço
incluiria todos os torpedos enviados e recebidos no período.
Outro pediu R$ 600 só pela relação das chamadas efetuadas.
No caso dos senadores, eles
fizeram um primeiro depósito
de R$ 350 como sinal, uma exigência do vendedor. Foram enviadas por e-mail amostras de
seus extratos. Dias confirmou a
veracidade das informações e
realizou o segundo depósito.
No mesmo dia, o vendedor encaminhou a relação completa
de todas as ligações feitas e recebidas do número de Dias no
mês de julho. Mercadante, contudo, não fez o segundo pagamento, pois os dados não conferiram com os originais.
Os celulares usados pelos senadores são fornecidos pela
Casa, mas o congressista escolhe a operadora. O aparelho de
Mercadante é da Vivo. O de
Dias, da TIM.
Já no caso de Gustavo Fruet,
seu aparelho (da Claro) está em
seu próprio nome. Ele efetuou
um único depósito de R$ 600.
Os três congressistas fizeram
os pagamentos com recursos
do próprio bolso.
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