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ENTREVISTA DA 2ª
Segundo cientista político da UnB, alavanca tucana em 94 e 98 não foi FHC, mas o Plano Real
Lula supera Getúlio como puxador de votos
Sergio Lima/Folha Imagem
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David Fleischer, cientista político norte-americano naturalizado brasileiro, professor da UnB |
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ao promover o Partido dos Trabalhadores ao posto de maior detentor de deputados federais (91)
e de deputados estaduais (147) do
Brasil, o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva superou Getúlio
Vargas como grande puxador de
votos. Essa é a avaliação do cientista político norte-americano naturalizado brasileiro David Fleischer, 61, professor da UnB (Universidade de Brasília).
Em 1950, Getúlio Vargas foi eleito presidente da República e o
PTB, seu partido, obteve 1,389 milhão de votos -o que representou 18,1%. Neste ano, o PT recebeu 16,092 milhões de votos para
deputado federal, ou 18,4% do total dado aos candidatos.
Há 30 anos em Brasília, Fleischer é um observador da política
nacional por dever de ofício. É
também membro-fundador da
Transparência Brasil, uma organização não-governamental cujo
objetivo é o combate à corrupção.
Fleischer (pronuncia-se "Fléi-chêr") avalia que outras eleições
recentes no Brasil não podem ser
comparadas ao pleito deste ano.
"Antes do Plano Real, você teve o
Plano Cruzado, que puxou muito
voto também. Mas não dá para
dizer que foram o presidente José
Sarney e o presidente Fernando
Henrique Cardoso que representaram, sozinhos, a votação de seus
partidos. Foram casos diferentes", afirma.
Para o cientista político da UnB,
Lula ou José Serra (PSDB) devem
conseguir construir uma maioria
no Congresso, embora não tão
ampla numericamente como a de
FHC. Mas ele próprio faz uma ressalva. Dizendo que o presidente
tucano nunca teve, na prática, os
votos que eram em tese contabilizados pelo Palácio do Planalto.
A seguir, trechos da entrevista
de David Fleischer à Folha.
Folha - Qual é a sua avaliação do
resultado global da eleição?
David Fleischer - O mais surpreendente é o PT ter eleito a
maior bancada na Câmara dos
Deputados.
Folha - Por que ninguém conseguiu prever que o PT elegeria a
maior bancada?
Fleischer - Acho que ninguém
percebeu a vinculação da votação
de Lula com a dos candidatos a
deputado federal e estadual.
Aquilo que os americanos chamam de "coat tail", literalmente,
rabo de casaco ou casaca.
Folha - O que é isso?
Fleischer - É uma imagem da política nos Estados Unidos, uma
metáfora. É como se o candidato
fosse andando com um casaco
com um rabo comprido, bem
grande, e os candidatos fossem
sendo levados ao se agarrarem a
esse rabo [as abas".
O "coat tail" puxa votos para a
legenda. Todos nós estávamos
prevendo que o Lula teria de 40%
a 50% dos votos. Mas erramos, eu
também, ao não imaginar que o
Lula teria tanta força para puxar
os candidatos do PT nos Estados,
tanto para cargos no Legislativo
como aos governos estaduais.
Nas outras eleições nunca houve um candidato a presidente que
puxasse sozinho tantos votos.
Folha - E as eleições de Fernando
Henrique Cardoso, com o aumento
de deputados do PSDB e de governadores tucanos?
Fleischer - Foi um fenômeno diferente. O grande puxador de votos foi o Plano Real. Não se tratou
de um fenômeno partidário.
Folha - Mas não existe na história
do Brasil algum caso de candidato
a presidente que tenha puxado votos para o seu partido como Lula,
elegendo grandes bancadas de deputados e governadores?
Fleischer - Não, não existe. Antes
do Plano Real, você teve o Plano
Cruzado, que puxou muito voto
também. Mas não dá para dizer
que foram o presidente José Sarney (1985-1990) e o presidente
Fernando Henrique Cardoso
[eleito em 1994 e reeleito em 1998"
que representaram, sozinhos, a
votação de seus partidos. Foram
casos diferentes.
Folha - O Lula é então o primeiro
caso de um personagem político
que incorpora a responsabilidade
de ter puxado os votos na eleição
de 2002?
Fleischer - É necessário dizer que
esta é apenas a terceira vez, depois
da redemocratização [1985", que
houve uma eleição presidencial
casada com a de governadores,
deputados e senadores.
Antes disso, só Getúlio Vargas
em 1950. Getúlio puxou bastante
votos em 1950. Ajudou o PTB,
mas esse fenômeno Lula supera
Getúlio Vargas em 1950.
Ainda assim, foi um outro tipo
de onda. Em 1950 não tinha televisão, só havia rádio. O eleitorado
era muito pequeno. Só 15% da população votava. As mulheres tinham sido recém-emancipadas.
Folha - Se a eleição presidencial
de 1989 tivesse sido casada com a
de governadores, deputados e senadores, o eleito à época, Fernando Collor, não teria tido um desempenho igual ao de Lula hoje?
Fleischer - Nunca saberemos.
Mas é também possível dizer que,
se a eleição de 1989 tivesse sido casada, talvez o Collor também não
conseguisse ser eleito. Havia governadores fortes de vários partidos que poderiam exercer influência contra ele.
Folha - Qual é a sua avaliação sobre avanço das esquerdas? O PT
chegou perto de cem deputados federais. A impressão que se tem é
que há sempre espaço na Câmara
para quatro siglas terem aproximadamente cem deputados. É isso
mesmo? Existe esse teto?
Fleischer - É verdade, todos os
três maiores governistas já bateram lá, o PFL, o PMDB e o PSDB.
Só passou bem da marca dos cem
deputados o PMDB, em 1986, por
causa do Plano Cruzado. Agora,
chegou a vez de o PT crescer. É
possível que esse patamar de
aproximadamente cem deputados para cada uma das quatro siglas continue a existir até que um
dia alguns desses partidos se
unam em alguma fusão.
Folha - O sr. falou da influência
do presidenciável Lula na eleição
de grandes bancadas do PT. E qual
influência teve o presidente Fernando Henrique neste pleito?
Fleischer - Esta eleição também
funcionou como um referendo
negativo do governo FHC. Os três
grandes partidos de apoio ao presidente -o PFL, o PMDB e o
PSDB- caíram. O PFL se salvou
no Senado, mas os outros dois se
deram mal nas duas Casas do
Congresso Nacional.
Folha - Por que o sr. acha que o
eleitor brasileiro não enxergou, ou
não quis enxergar, pontos positivos no governo FHC?
Fleischer - É um fenômeno de final de mandato, de desgaste do
governo.
Folha - Mas houve alguns avanços. A inflação acabou. O país tem
uma democracia estável. Enfim, é
possível relacionar alguns fatos
positivos.
Fleischer - Mais no primeiro
mandato. O problema é que o
eleitor tem memória curta. Não se
lembra muito bem do que aconteceu há quatro anos.
Mas tem vivo em seu cotidiano
os problemas do segundo mandato. Teve o apagão, o desemprego
aumentou muito, a violência cresceu muito mais que no primeiro
mandato de Fernando Henrique.
Também tivemos nos últimos
anos mais acusações de corrupção. Enfim, o eleitor não se lembra do período de oito anos como
um todo. Ele sempre se recorda
mais da história recente. Isso é visível nos níveis de aprovação e desaprovação do governo.
Folha - Como o sr. explica o fenômeno da candidatura a deputado
federal de Enéas Carneiro, pelo
Prona de São Paulo?
Fleischer - O Enéas usou a lei.
Acertou na mosca ao largar a corrida presidencial. Em 1994, teve
mais votos do que Orestes Quércia [PMDB" e Leonel Brizola
[PDT". Mas não fez bancada federal. Seus cerca de 5 milhões de votos não serviram para quase nada.
Em 98, a votação dele diminuiu.
Ao se candidatar para deputado
agora, ele enxergou uma demanda pelo voto mais conservador e
conseguiu preenchê-la. É um nicho antigo que existe em São Paulo, de opinião bastante nacionalista e ultraconservadora.
Nos anos 60 e 70, São Paulo foi a
sede da TFP [Tradição, Família e
Propriedade", do [integralista"
Plínio Salgado, que teve muitos
votos no passado.
Folha - O sr. considera bom o sistema eleitoral que permite casos
como esse de Enéas, que elegeu
cinco deputados, junto com ele,
com votações muito pequenas?
Fleischer - É importante dizer
que estão falando muito desse
problema agora porque o eleito
foi uma pessoa como o Enéas, que
não faz parte do "establishment".
Mas esse tipo de situação já
ocorreu várias vezes em outros
Estados. Um radialista no Rio
Grande do Sul já elegeu muitos
candidatos de seu partido porque
era popular.
O Brizola em 1962 foi campeão
nacional de votos na Guanabara.
Recebeu uns 300 mil votos. Naquela época, uma estrondosa votação. Levou para a Câmara mais
uns três ou quatro também do
PTB do Rio. Quer dizer, esse negócio do Enéas é um fenômeno
que vem desde os anos 50, é muito
antigo.
Essa "gritaria" toda ocorre porque foi o Enéas [o eleito". Mas é
possível que essas reclamações
sirvam de pressão para que o
Congresso mude a legislação.
Folha - O sr. acha que esse sistema de voto no partido é bom ou
ruim?
Fleischer - O voto proporcional é
bom porque permite a eleição de
várias correntes de opinião. O
Enéas não deixa de representar
uma corrente.
Mas eu sou favorável a fechar a
lista. Os partidos decidem quais
são os candidatos, fazem uma lista e o eleitor vota só na legenda sabendo que elegerá o primeiro da
lista, o segundo, e assim por diante, dependendo de quantos votos
a sigla receber.
Se quiserem manter as coligações partidárias para as eleições
legislativas, tudo bem. É possível
então fazer como na Argentina e
no Uruguai. Eles adotam a sublegenda. Cada partido participante
de uma coligação tira exatamente
o que contribui com votos.
Folha - Há quem seja contra listas
fechadas porque os partidos no
Brasil não têm participação popular. As listas ficariam nas mãos de
uns poucos. O sistema se tornaria
ainda pior do que o atual. O sr. concorda?
Fleischer - Esse é o argumento
do ovo e da galinha. Os partidos
são fracos e dominados por oligarquias. Não podemos então dar
mais poder a eles. E tudo fica como está.
Como mudar isso? Alterando o
sistema eleitoral. Os nomes nas
listas fechadas ficarão claros para
o eleitor. Como só se votará no
partido, as siglas que não funcionarem bem por um tempo são fadadas a desaparecer. Até porque
os partidos mais inteligentes vão
compor as suas listas fazendo
uma prévia entre os filiados ou fazendo grandes convenções estaduais. Os mais espertos evoluiriam para as prévias.
Folha - Como ficará a composição
da base governista num eventual
governo Lula ou Serra?
Fleischer - Nenhum dos eleitos
terá uma bancada tão estrondosa
quanto a do Fernando Henrique.
Porém, ambos terão minimamente os três quintos, em torno
de 300 e poucos deputados.
Também é necessário lembrar
que o presidente Fernando Henrique tinha uma maioria numérica. Mas, na hora de votar, essa
bancada sofria muito por causa
da ausência. Houve casos em que
70 a 80 deputados da chamada
base aliada sumiam.
É possível que, com o poder da
caneta em janeiro, o novo presidente, seja quem for, promova
um grande troca-troca ou migração partidária, como queira.
Por quê? Se for um governo Lula, certamente haverá muitos parlamentares do PPB e do PFL que
desejarão migrar para a base governista, mas não poderão ir para
o PT, é claro.
Esse pessoal vai para o PL ou para o PTB. Num governo Lula, o PL
está esperando dobrar sua bancada eleita de 26 deputados.
Já os progressistas vão para o
PST [Partido Social Trabalhista"
ou para o PDT, que não têm tantos critérios no troca-troca quanto o PT. Eu acredito que vá ter
bastante troca-troca.
Se Serra for eleito vai ter muita
mudança de partido também.
Mas Lula, com a caneta na mão,
ajudado pela mão de José Dirceu,
poderá causar uma grande modificação no quadro partidário.
Folha - O sr. acredita que o PT, por
ser a maior bancada, terá condições de eventualmente montar um
bloco partidário grande para presidir a Câmara?
Fleischer - Sim.
Folha - Com um deputado do PT?
Fleischer - Numa Presidência do
Lula, sim. Numa Presidência do
Serra, duvido.
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