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FOLCLORE POLÍTICO / JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
O biriba de dr. Arraes
Em 1964, o governador Miguel
Arraes foi cassado pela redentora. Foi também preso, em
Fernando de Noronha. E acabou
exilado em Argel, a "Princesa da
África francesa". Lá ocupou uma
ampla casa de dois pavimentos,
no Bd. Franklyn Roosevelt, dentro dos muros do próprio Palácio
do Governo. Chegou em 64 mesmo, pelas mãos do presidente Ben
Bella -um ex-jogador de futebol
populista que, num arroubo, chegou a estatizar os salões de barbeiro do país. Mas viveu seus dias
de maior prestígio depois que um
golpe militar colocou, na chefia
do governo, Houari Boumediene,
até então seu ministro da Defesa.
Havia um clima de conspiração
entre os brasileiros que moravam
na cidade. Dr. Arraes, segundo se
dizia, comandava um Movimento Popular de Libertação -que
teria 200 homens em armas, no
Brasil. Ninguém nunca viu nada
disso. Melhor esquecer.
O coronel Jéferson Cardin, e
mais alguns companheiros, esperava apoio de Cuba para invadir
a Amazônia. Mas Fidel ficou só
na promessa. Quando era grande
a saudade, vestia coturno e farda
do Exército brasileiro e passeava
assim, todo paramentado, pelo
cashbar de Argel.
Mas o melhor, naquele tempo,
era mesmo o bom e velho biriba.
Carteado rolando, periodicamente, no Bd. Telemly -em duas mesas, de dois apartamentos com salas contíguas. Num moravam o
deputado federal cassado Maurílio (e Ana Angélica) Ferreira Lima e o engenheiro Aécio (e Walkíria) Gomes de Matos.
No outro, o arquiteto Lopes (e
dona Mimi), portugueses naturalizados brasileiros, que trabalhavam com Niemeyer na construção da Universidade de Constatine, às bordas do Saara argelino.
Noite de 4 de novembro de 69. O
biriba estava animado. Ana Angélica descarta um 3 de copas. Dr.
Arraes põe a mão na carta. Mas o
rádio interrompeu sua jogada.
Anunciando o assassinato, em
São Paulo, do grande Carlos Marighela. Todos ficam hirtos.
Dr. Arraes então eleva pouco a
pouco o olhar, até fixar um ponto
impreciso da parede. E, com a voz
embargada com que (se supõe)
são ditas as frases históricas, sentencia: "Alguém deve voltar logo
ao Brasil, para comandar a guerrilha revolucionária que vai redimir o povo brasileiro". Silêncio sepulcral. Foi quando Maurílio se
virou para ele e disse: "Acabou,
dr. Arraes? Então joga". E seguiu
a vida ali, naquele quase fim de
mundo, em sua trilha perversa de
ilusões perdidas e esperanças vãs.
O povo brasileiro esperaria um
pouquinho mais. Dr. Arraes pegou o 3 de copas, riu baixinho e
disse: "Bati".
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 54,
advogado no Recife, escreve às segundas-feiras nesta coluna
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