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São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 2003

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QUESTÃO INDÍGENA

Acordo entre índios e fazendeiros é afiançado por decisão de Thomaz Bastos; indigenistas criticam

Ministro autoriza redução de reserva de índios no Pará

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL


O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, assinou portaria pela qual reduziu em 317 mil hectares (17,2% do total) uma área indígena do sul do Pará.
Sob alegação de que houve um acordo entre líderes dos 130 índios caiapós que vivem na área, fazendeiros, posseiros e uma prefeitura da região, Bastos tornou sem efeito a portaria número 826/98, assinada pelo então ministro Renan Calheiros, contrariou outra portaria, a de número 645/91, do então ministro Jarbas Passarinho (governo Collor), que determinavam a extensão de 1,85 milhão de hectares para a Terra Indígena Baú, no município de Altamira (PA), e ainda desconsiderou um despacho de agosto de 2000 pelo qual o ministro José Gregori determinava a imediata demarcação física da área.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) divulgou nota pela qual condenou a decisão do governo, publicada no "Diário Oficial" da União no último dia 9: "O ato do ministro Márcio Thomaz Bastos é de extrema gravidade, tornando temeroso todo e qualquer procedimento de demarcação de terra indígena no país".
Em 1997, o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, tentou reduzir em 350 mil hectares a área Baú, assinando um despacho que depois foi desconsiderado pelo seu sucessor, Renan Calheiros.
Pelo acordo, assinado em 23 de setembro último na presença do procurador da República Nilo Marcelo de Almeida Camargo, os fazendeiros se comprometeram a pagar R$ 120 mil anuais por um período de dez anos à prefeitura de Novo Progresso (PA), que prometeu investir o dinheiro "na forma exclusiva de benefícios" para a aldeia. A área já estava na fase da demarcação física.
"Não se pode negociar terra indígena, nem os índios podem. A terra pertence à União. O governo cedeu às pressões dos produtores rurais e usou uma terra da União como moeda de troca", afirmou o vice-presidente do Cimi, Saulo Ferreira Feitosa, 40.
O administrador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Colíder (MT), Megaron Txucarramãe, 53, que intermediou o acordo, disse que líderes caiapós de Baú estavam sendo ameaçados de morte e isso precipitou a assinatura do termo. "A população [da cidade de Novo de Progresso] estava contra a demarcação. Um homem ameaçou matar [índios], ameaçaram fazer coisa feia. Então eles [líderes caiapós] decidiram assinar o acordo."
Segundo Megaron, que é sobrinho do cacique Raoni, desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva os fazendeiros da região organizaram, com apoio de deputados federais, duas visitas ao Ministério da Justiça e à Funai, em Brasília. Eles pressionavam contra a demarcação da terra.

Pedido dos índios
O presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Mércio Pereira Gomes, 53, disse ontem que a decisão de reduzir em 317 mil hectares a Terra Indígena Baú (sul do Pará) partiu dos índios.
Segundo Gomes, a promessa dos fazendeiros de pagarem R$ 1,2 milhão aos índios, ao longo de dez anos, não se trata de "indenização". "A Funai não reconhece a indenização", alegou.
Indagado se, então, teria havido um erro nos levantamentos fundiários anteriores, Gomes disse que não. "Houve avaliações diferentes [sobre o tamanho da área]". Gomes afirmou que não vê risco de o caso de Baú estimular produtores rurais a tentar convencer líderes indígenas a assinar acordos em outras áreas de conflito no país. A assessoria do ministro Thomaz Bastos, que não foi localizado, informou que a opinião de Gomes "ficava valendo" como posição oficial do governo.

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