São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 2000

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JANIO DE FREITAS
Ricos incômodos

A quantidade e a variedade de indícios de crimes financeiro-eleitorais nas planilhas da campanha de Fernando Henrique Cardoso e, com igual substância, em numerosas declarações de arrecadadores e doadores envolvem, além do que já foi citado, indícios fortes de outros crimes, como sonegação de impostos pessoais e altas quantias não contabilizadas em empresas.
O assunto, portanto, já tem a ver também com a Receita Federal, além da Procuradoria da República já ativada pelo procurador Luiz Francisco de Souza.
A propósito, e antes de tudo mais, convém ajustar uma ordem de grandeza. Os "pelos menos R$ 10,120 milhões" citados na Folha pelos repórteres Andréa Michael e Wladimir Gramacho, como importância que foi arrecadada, mas não declarada à Justiça Eleitoral, considerado o câmbio da época, são US$ 10,120 milhões.
Além de respeitarem a sigla da moeda inscrita nos documentos, o real de então, os repórteres ativeram-se ao montante de doações absolutamente omitidas na prestação de contas à Justiça. O montante final é, porém, muito maior. Pelo menos uns 50% maior, consideradas as doações que figuraram na prestação de contas, mas com valores menores do que os verdadeiros, ou registrados nos documentos internos da campanha. Parte dessas doações o gato fernandista comeu. Sem incorrer em exagero, os US$ 10,120 milhões arrecadados e desaparecidos são coisa de U$ 15 milhões, ou uns R$ 30 milhões corrigidos - pelo que se tem até agora.
Uma distinção é necessária: doações omitidas na declaração ao TSE não comprometem, necessariamente, os doadores. Ao que tudo indica, houve doações feitas com legitimidade, e do seu registro e destino esses doadores não são responsáveis. Também por isso o propósito do procurador Luiz Francisco de Souza, de providenciar auditorias nos doadores não citados ao TSE, é correto e promissor. Servirá para separar as doações legítimas e as outras, que aparecem misturadas, por força dos registros da campanha, e talvez comprometam quem não fez por isso.
Das várias declarações explícitas ou indiretamente relacionadas às revelações da Folha, a que diz respeito a jornalistas (não muitos, é verdade) não passará em vão. É, claro, de Fernando Henrique Cardoso: "Quanto mais livre, mais incômoda (para o governante) for a imprensa, maior será o sinal de que o país é democrático".
Pode ser verdade, mas quanto mais incômoda a imprensa, é sinal, também, de quanto o governo e o governante são ruins. Ou não haveria como e por que os incomodar.


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