São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 2006

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Arrocho fiscal retira R$ 3,9 bi da área de ciência e tecnologia

Neste ano, 39% das verbas para fundos setoriais devem ser desviadas para pagar dívidas

Contingenciamento vem caindo desde 2004; em 2002, cerca de 70% dos recursos arrecadados para o setor foram retidos

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dinheiro suficiente para construir os 700 quilômetros de canais de concreto da transposição do rio São Francisco -a megaobra dos sonhos de Luiz Inácio Lula da Silva- foi desviado nos últimos anos de investimentos em capacitação e inovação tecnológica para o pagamento da dívida pública.
Pesquisa no Siafi (sistema de acompanhamento dos gastos federais) mostra que estão bloqueados para investimentos em pesquisa R$ 3,9 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que reúne, por sua vez, 15 fundos setoriais.
É dinheiro arrecadado sobretudo com a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) incidente sobre remessas ao exterior por uso ou compra de tecnologia, além de percentuais do faturamento de empresas.
Os recursos deveriam, por lei, financiar a capacitação científica e tecnológica e aumentar a competitividade da economia brasileira. Mas, na prática, ajudam a pagar a dívida. As chances de o dinheiro já desviado voltar para investimentos na área são consideradas nulas pelo governo.
"Desde que a dívida pública aumentou muito nos anos 90, a área econômica retém recursos de todas as receitas de impostos, taxas e contribuições para pagar os encargos da dívida. Lembro que a dívida da União passou de 30% para 55% do PIB (Produto Interno Bruto) entre 1994 e 2002. Então é difícil para a área econômica abrir mão de algumas receitas", ponderou Sérgio Rezende, ministro da Ciência e Tecnologia.
O problema não é exclusivo da área de Ciência e Tecnologia. Volumes ainda maiores de recursos foram bloqueados nos últimos anos dos fundos da área de telecomunicações (R$ 5,1 bilhões, segundo o Siafi). Do Fundo Aeronáutico, que também ajuda a custear o sistema de controle do tráfego aéreo, foi congelado R$ 1,9 bilhão, aponta pesquisa feita pela organização não-governamental Contas Abertas.
No conjunto dos fundos, o bloqueio supera R$ 30 bilhões, em números aproximados e sem detalhamento de prejuízo às atividades. O chamado contingenciamento ajuda o país a cumprir as metas de superávit primário (diferença entre receita e despesa destinada ao pagamento dos juros da dívida).

Só em 2010
Três anos depois de terem sido criados, os fundos setoriais de ciência e tecnologia tiveram o pior momento do ponto de vista de congelamento de gastos em 2002, quando o desvio do dinheiro beirou 70% do valor arrecadado.
Desde 2004, quando o contingenciamento foi de 57%, os percentuais vem sendo reduzidos. A expectativa é que represente 39% da arrecadação em 2006 e caia para 36% em 2007. Ou seja, parcela da arrecadação dos fundos setoriais ainda financiará a dívida pública.
Durante a campanha eleitoral, a Folha perguntou ao então candidato à reeleição se os recursos dos fundos setoriais para financiamento de ciência e tecnologia seriam integralmente aplicados em sua atividade-fim. Lula esquivou-se da resposta. De acordo com o Ministério de Ciência e Tecnologia, o compromisso do governo é acabar com os desvios apenas em 2010, último ano do segundo mandato do petista.
Questionado sobre o que deixou de ser feito em pesquisa tecnológica por conta do contingenciamento, Rezende responde: "Com certeza, é possível dizer o que não teríamos feito se o nível de contingenciamento fosse os 68% que encontramos em 2003".
Os R$ 2,7 bilhões que os fundos foram autorizados a gastar desde 99 são responsáveis pela modernização de laboratórios oficiais que ajudam a prevenir a febre aftosa, pela Rede Nacional de Pesquisa de Alta Velocidade e por centenas de projetos de cooperação entre empresas e universidades, lista.
"Cada ministro trabalha para defender o orçamento de sua área", continua Rezende, que comemora a redução do percentual de bloqueio do dinheiro dos fundos setoriais.


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