São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2000

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POLÊMICA

Advogados afirmam que proposta dá poder excessivo à Receita, com risco de decisões arbitrárias

Para especialista, há brechas para abusos



SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

A principal crítica feita por especialistas em direito tributário, administrativo e constitucional ao projeto que permite à Receita Federal quebrar os sigilos bancário e fiscal de suspeitos de sonegação sem pedir autorização à Justiça está na autonomia que a proposta dá ao órgão fiscalizador.
Para eles, o poder excessivo atribuído à Receita abre brechas para abusos e decisões arbitrárias.
"A menos que sejamos ausentes da realidade, não podemos esquecer que há funcionários que não são probos e que podem se servir desse poder", afirma o constitucionalista Walter Ceneviva.
"Exigir que o pedido passe pelo Judiciário é exigir que haja nele indícios de sonegação. Para que não haja violação do direito, não pode haver falta de consistência da suspeita. Na Receita, pode haver erros e lapsos", acrescenta Odete Medauar, professora de direito administrativo da USP.
"É estranho que não se dê esse poder à Promotoria, que pode pedir a privação de liberdade, e se dê à Receita, que tem voracidade de arrecadação", questiona o tributarista Zanon de Paula Barros.
Odete, Ceneviva e Barros engrossam o coro dos especialistas que vêem a proposta como um texto inconstitucional. Mas entre os que se opõem a essa interpretação há também quem veja no texto aprovado ontem pelo plenário do Senado a existência de brechas para abusos da Receita Federal.
É esse o caso do ex-secretário da Receita Federal Osíris Lopes Filho. "É sempre temeroso conceder poder sem controle", diz ele.
Para Lopes Filho, porém, a proposta é um avanço, e a saída para afastar o risco de abusos não é impor à Receita a dependência do Judiciário. "É preciso esclarecer os elementos que são necessários para o pedido. Além disso, defendo que o contribuinte seja comunicado quando as informações forem solicitadas ao banco. Dessa forma, poderá se manifestar", diz.

Inconstitucionalidade
O principal argumento dos que questionam a constitucionalidade da proposta está respaldado nos incisos 10 e 12 do artigo 5º da Constituição. Eles prevêem, entre outras, a inviolabilidade do sigilo de dados e da intimidade.
"Os direitos fundamentais podem ser relativizados por lei. Mas, se são importantes para terem sido previstos como fundamentais, é necessário o equivalente cuidado para afastar o que é de direito", diz a professora Odete Medauar.
A opinião é a mesma de Ceneviva e de Barros. "Não se pode abrir brechas no sistema de direito, mesmo que o fim seja justo, sob pena de a brecha virar rombo e atingir a todos", diz Barros.
Osíris Lopes Filho não vê a inconstitucionalidade apontada. Para ele, o parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição é claro: permite ao órgão de administração tributária conferir o patrimônio e os rendimentos dos contribuintes, "respeitando os direitos individuais e nos termos da lei".
"Querem transformar o juiz em agente administrativo. A própria Constituição já prevê a existência de uma lei que possa reger isso. E não se está vulnerando nenhum direito fundamental. Se fosse assim, o Imposto de Renda seria a maior invasão de privacidade."
Ceneviva rebate: "Ele (o parágrafo 1º), ao falar de direito individual, contém a restrição".


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