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TRANSIÇÃO
Futuro presidente do Banco Central diz que, no BankBoston, gerenciou mais dinheiro do que o BC brasileiro gerencia
Mercado se equivoca sobre BC, diz Meirelles
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O engenheiro Henrique Meirelles, 57, futuro presidente do Banco Central, considera um equívoco completo o questionamento da
sua falta de experiência como
operador de mercado.
Meirelles diz que operou diretamente a mesa do BankBoston de
81 a 91. Depois, quando assumiu a
presidência mundial do banco,
em Boston, nos EUA, a mesa de
operações também respondia diretamente a ele. "A posição que eu
gerenciava era maior do que a posição que o Banco Central gerencia aqui", afirma.
Segundo o futuro presidente do
BC, se atribui muita importância
no Brasil às operações de mesa de
rolagem da dívida interna. Em
países como os EUA, por exemplo, Meirelles afirma que essas
operações não são atribuições do
Banco Central, e sim do Ministério da Fazenda.
O problema, a seu ver, é que, como o Brasil está sempre em crise,
o mercado acaba tendo uma visão
equivocada da forma de atuação
do Banco Central.
Para Meirelles, o mercado superdimensiona a função de operador. "É evidente que o operador
de mesa de um banco que está
vendendo o papel do banco precisa ser competente, mas dizer que
esse cara deve ser presidente do
banco é ridículo."
O futuro presidente do Banco
Central diz ainda que há outras
áreas tão importantes quanto a
mesa de operações, como a área
externa. Hoje o Brasil, segundo
ele, capta mais recursos externos
do que internos. Ele afirma que
tem o perfil ideal para cuidar dessa área, em razão de sua experiência internacional. "Hoje, a taxa de
juros no Brasil é na realidade decidida em Nova York, em Londres,
e essa turma aqui do Brasil não
conhece o mercado de lá", afirma.
Meirelles lembra que viveu os
últimos seis anos em Boston, operando em todos os mercados, seja
nos países emergentes como Brasil e Argentina, seja nos EUA.
"Minha visão de gerência de crise
é muito maior do que a da turma
aqui do Brasil".
Meirelles preferiu não se pronunciar a respeito de câmbio, metas de inflação e taxa de juros antes de ser sabatinado pelo Senado.
Folha - O mercado questiona o fato de o sr. não ter experiência como
operador de mercado. O que o sr.
acha disso?
Henrique Meirelles - Antes de
mais nada, eu me sinto muito à
vontade nessa minha nova função. Eu dirigi um banco global até
agosto do ano passado, quando
me afastei para me candidatar a
deputado. Sobre essa questão de
falta de experiência como operador, trata-se de um grande equívoco do mercado. Em primeiro
lugar, o que eles chamam de política monetária é a mesa de operações do Banco Central. A política
monetária, dentro da estrutura do
Banco Central, é determinada pela diretoria econômica.
Folha - A operação da mesa não
seria a parte mais importante do
Banco Central?
Meirelles - A operação da mesa é
apenas uma parte das atividades
do Banco Central. A mesa adquire
maior importância em momentos de crise, quando ocorrem dificuldades de rolagem da dívida.
Mas a rolagem da dívida é apenas
uma parte da operação do Banco
Central.
Folha - Em outros países não é assim?
Meirelles - Para ter uma idéia,
em outros países, a rolagem da dívida é uma atribuição do Ministério da Fazenda. Quem rola a dívida do governo é o Ministério da
Fazenda. O Banco Central executa
a política monetária clássica, que
o Brasil faz pouco. O Banco Central só opera nos outros países para determinar as taxas de juros.
Ou seja, a operação da mesa do
Banco Central em outros países,
como nos Estados Unidos, só determina a taxa de juros. Quem rola a dívida é o Ministério da Fazenda. Como no Brasil estamos
sempre em crise, o mercado tem
uma visão equivocada de como
deve ser a atuação do Banco Central. É o mesmo que acontece com
um banco ou uma empresa que
está quebrando -e eu acompanhei muito isso na minha vida.
Nesses casos, a pessoa mais importante passa a ser o garoto captador de recursos, o garoto que está na ponta da mesa, que fica negociando com os bancos. Os operadores ficam obcecados com isso, mas é uma bobagem.
Folha - O sr. acha que a operação
da mesa do Banco Central está superdimensionada pelo mercado?
Meirelles - É evidente que o Banco Central precisa de uma mesa
competente. Isso é óbvio, mas não
é só a mesa. A fiscalização bancária precisa ser muito competente,
a área de análise econômica precisa ser competente. A área internacional é fundamental, até porque
o Brasil hoje capta mais recursos
no exterior do que internamente.
A operação externa do Banco
Central tem de ser extraordinária.
Por isso não é só a mesa de títulos
internos que importa. Não há dúvida de que o Banco Central precisa ter uma equipe da maior
competência, mas não só na mesa
como também na área internacional, na área econômica, na área de
normas, enfim, em todas essas
áreas, será preciso gente da maior
qualidade. Esse é um aspecto fundamental. A função de um Banco
Central não é só ficar no dia-a-dia
negociando o preço do papel.
É evidente que o operador da
mesa de um banco que está vendendo o papel do banco precisa
ser competente, mas dizer que esse cara deve ser presidente do
banco é ridículo.
Folha - A que se deve essa expectativa do mercado?
Meirelles - O mercado vive sempre essa crise de ansiedade. Uma
coisa interessante é que no mercado a turma é muito jovem e tem
memória curta. Eu passei os últimos seis anos dirigindo um banco
nos Estados Unidos. Antes disso,
gerenciei a mesa de operações do
BankBoston diretamente por dez
anos.
Folha - O sr. foi operador de mesa?
Meirelles - Eu operei a mesa da
tesouraria do BankBoston diretamente de 81 a 91. Em 84, fui nomeado presidente do banco no
Brasil, mas continuei operando
diretamente na mesa até 91, quando contratei o Marcelo Steuer (ex-operador do BankBoston). E ninguém discute hoje, no país, que a
mesa do BankBoston é uma das
melhores do Brasil. Eu montei essa mesa. Eu contratei cada uma
das pessoas e as treinei individualmente. O Gallo (Ricardo Gallo, vice-presidente de operações
do BankBoston), que é considerado um dos maiores operadores do
Brasil, eu contratei como estagiário quando ele ainda estava na faculdade, no quarto ou quinto ano
da Escola Politécnica (Universidade de São Paulo). Eu treinei o
Gallo. Fui eu quem contratou
também o Geraldo Carbone
(atual presidente do banco) em
91, como economista, para dar
sustentação à mesa. Assim como
o Sérgio Gabrielle (diretor de tesouraria do BankBoston).
Folha - A prioridade do sr. não será, então, o dia-a-dia do mercado?
Meirelles - O Banco Central é o
guardião da moeda e tem de se
preocupar com várias áreas, como a expansão dos meios de pagamento, as taxas de juros, a saúde do sistema financeiro e a capacidade de rolagem da dívida interna e externa. A operação do dia-a-dia de estar captando no mercado
interno é importante, óbvio, mas
a captação no exterior é absolutamente fundamental.
Hoje em dia, o que determina a
taxa de juros interna é o risco Brasil, que é definido no exterior por
causa da arbitragem dos mercados. Hoje, a taxa de juros no Brasil
é, na realidade, decidida em Nova
York, em Londres, e essa turma
aqui do Brasil não conhece o mercado de lá. Eu vivi os últimos seis
anos em Boston, captando e aplicando nos mercados internacionais, com grandes posições no Brasil, na Argentina, no Chile, no
México, em Cingapura, na Coréia,
na Indonésia e em Hong Kong. Eu
operei o tempo todo nesses mercados. Minha visão de gerência de
crise é muito maior do que a da
turma aqui do Brasil.
Folha -O sr. também atuou na
mesa de operações quando presidiu o BankBoston nos EUA?
Meirelles - No BankBoston Corporation, eu era responsável pela
tesouraria. Ou seja, pela mesa de
operações, e não só pela mesa dos
mercados emergentes como também pela mesa de papel americano. E a posição que eu gerenciava lá era maior do que a posição que
o Banco Central gerencia aqui. Eu
gerenciava US$ 80 bilhões no
BankBoston e US$ 200 bilhões no
Fleet. Além disso, só em papéis de
recursos de terceiros, os fundos
do banco, tínhamos mais de US$
200 bilhões aplicados, e essa foi
uma área que reportou a mim por
muito tempo.
Folha -A que atribui essa crítica
ao sr.?
Meirelles - Como eu estava no
exterior e depois apareci na mídia
como político, ao me candidatar a
deputado federal, as pessoas se esqueceram de que eu só me aposentei do banco no dia 5 de agosto de 2002. Ou seja, só há quatro meses. Eu fiz uma campanha de apenas 60 dias.
Folha - Quando o sr. deve renunciar ao cargo de deputado?
Meirelles - Eu estou discutindo
com meus advogados, mas deve
ser logo depois da diplomação. Eu
acho que, nesta altura, renunciar e
sair do partido caracteriza melhor
essa figura do Banco Central independente. Há ainda receio do
mercado de uma certa politização
do Banco Central, o que é outra
bobagem. Por isso decidi renunciar e me desligar do partido.
Também não irei me filiar a nenhum partido.
Folha - Para valer a pena a renúncia, o sr. pretende ficar os quatro
anos no Banco Central?
Meirelles - Só a realidade vai dizer. Trata-se de uma decisão pessoal. Quando eu deixei o banco
aqui para assumir o BankBoston
na Nova Inglaterra, também havia riscos. Afinal, fui o primeiro
não-americano na história dos
Estados Unidos a assumir uma
posição como essa. Mais recentemente, deixei a presidência mundial do banco para me candidatar
a deputado federal.
Folha - O sr. mantém relações
com o PT há muito tempo?
Meirelles - Minha primeira reunião com o presidente Lula foi em
89, para discutir política econômica brasileira na campanha presidencial daquele ano. Com o Mercadante (Aloizio Mercadante,
senador eleito por São Paulo), nós temos amizade desde 1995. Também sou amigo do Ricardo Berzoini (deputado federal pelo PT-SP), do Cristovam Buarque (ex-governador do DF e provável ministro da Educação) e de José Dirceu (ex-presidente do PT e futuro ministro-chefe da Casa Civil).
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