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Brasil não pune lavagem de dinheiro, aponta entidade
Órgão internacional diz que falta preparo de tribunais superiores para combater crime
Para o Gafi (Grupo de Ação Financeira), outro problema que influi na impunidade é o excesso de recursos judiciais que um processo permite
MARIO CESAR CARVALHO
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil não consegue combater e punir um tipo de crime
que une traficantes de drogas,
corruptos e criminosos de colarinho branco -a lavagem de dinheiro. Faltam leis, disposição
das autoridades para sequestrar bens comprados com dinheiro ilícito e preparo dos tribunais superiores para tratar o
tema com a complexidade que
ele requer.
A avaliação é do principal órgão internacional que sugere e
monitora políticas contra a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo, o Gafi
(Grupo de Ação Financeira),
em relatório de 302 páginas obtido pela Folha.
Especialistas do Gafi visitaram o Brasil entre 26 de outubro e 7 de novembro do ano
passado e apontam num documento preliminar que a maioria dos crimes de lavagem acaba sem punição. A versão é preliminar porque o documento
será debatido com autoridades
brasileiras antes do texto final.
A lavagem ocorre quando recursos obtidos ilegalmente ingressam no mercado com aparência legal. Pode ser o dinheiro de um traficante que se converte em postos de gasolina ou
o caixa dois do empresário que
é usado para a comprar imóveis, joias ou obras de arte.
"A lei brasileira de lavagem
de dinheiro não é suficiente para cobrir todas as categorias de
infrações previstas, não inclui a
responsabilidade penal das
empresas, e não é efetivamente
implementada em grande parte por causa de graves problemas estruturais do sistema judicial", diz trecho do relatório.
O documento sugere que o
governo, com maioria no Congresso, trabalhe para aprovar
um projeto de 2008 que passou
no Senado, mas está parado na
Câmara. Das 20 recomendações que a entidade fez, só 7 foram implantadas, diz o texto. O
Ministério da Justiça informa
que a maioria das sugestões está contemplada no projeto.
Impunidade
O documento lista as duas razões que os técnicos do Gafi
consideram principais para a
impunidade dos crimes de lavagem: o excesso de recursos
que um processo permite e a
falta de experiência dos tribunais superiores.
"Há elementos estruturais
no sistema jurídico e institucional da Justiça criminal que
prejudicam a capacidade das
autoridades de perseguir e obter condenações definitivas para os crimes de lavagem e financiamento de terrorismo", diz o
texto. "O Brasil possui um complexo sistema de recursos judiciais, de regras de prescrição e
uma aplicação extremamente
liberal dos direitos do réu."
Um dado citado no relatório
resume a tendência dos processos sem fim no Brasil. Em
2008, as varas judiciais especializadas em crime financeiro
registraram 1.311 processos,
dos quais somente dez tiveram
uma sentença definitiva.
Outro problema, segundo o
relatório, "é a falta de experiência dos tribunais superiores no
tratamento de casos de lavagem de dinheiro, que tendem a
ser mais complexos do que casos envolvendo outros delitos".
Duas das maiores investigações de lavagem no Brasil, sobre o banco Opportunitty e a
empreiteira Camargo Corrêa,
foram paralisadas por decisões
do STJ (Superior Tribunal de
Justiça) e do STF (Supremo
Tribunal Federal). Os dois fatores "tornam muito difíceis para
os promotores conseguirem a
condenação final para crimes
como o de lavagem".
A Justiça brasileira também
não consegue implantar a punição mais efetiva contra a lavagem: o sequestro dos bens comprados com recursos ilícitos.
Em 2006, diz o documento, só
15% dos processos lançaram
mão da apreensão de bens. No
ano seguinte, o índice foi de 5%.
Quando há a apreensão, o Estado não tem capacidade de cuidar dos bens e eles acabam se
deteriorando, informa o texto.
Faltam ainda estatísticas sobre os bens apreendidos e processos de lavagem de dinheiro,
segundo os técnicos do Gafi.
O órgão sugere mudanças na
forma como a legislação trata o
sigilo bancário. Diferentemente do que ocorre nos EUA e na
Europa, aqui a quebra só pode
ser feita com ordem judicial. O
Gafi diz que o país deveria flexibilizar o sigilo, de tal forma que
policiais, procuradores e promotores pudessem consultar
dados básicos -como o cadastro de um cliente- sem precisar pedir para um juiz.
Segundo a avaliação, as autoridades tratam com descaso a
possibilidade de o Brasil ser
usado como base financeira por
terroristas. Cita como exemplo
o fato de o país não ter criado lei
para punir o financiamento ao
terrorismo nove anos após os
ataques da Al Qaeda nos EUA.
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