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São Paulo, sábado, 15 de março de 2003

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INTELLIGENTSIA

BC autônomo seria "prego no caixão de Lula"

Herança pára governo, afirmam intelectuais

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva está "preso" e imobilizado. A causa são as reformas a que o Estado brasileiro esteve submetido na última década, particularmente no governo de Fernando Henrique Cardoso, que o teriam transformado em um "autômato", para o qual os governantes são irrelevantes.
A análise é comum ao filósofo Paulo Arantes e ao sociólogo Francisco de Oliveira, professores da USP, que participaram do debate "O Espírito de Porto Alegre: Um Balanço do Brasil de Hoje", no auditório daquela universidade, anteontem.
Oliveira apontou dois erros no modo de o PT se relacionar com essa "prisão": ter subestimado "enormemente a reconfiguração do Estado", acreditando que realizar mudanças dependeria apenas de vontade política, e parecer apostar no aprofundamento das próprias reformas que o aprisionam.
"O pior de tudo é que Lula quer cravar o último prego no seu caixão", disse o sociólogo, referindo-se à possível autonomia do Banco Central. "É preciso correr para tirar de Lula o martelo e o prego com os quais ele pode ferrar-se de vez."
O que imobiliza o governo, segundo Oliveira, é a série de compromissos a que os gastos do governo estão atrelados, fundamentalmente a obrigação de cumprir um alto superávit fiscal e de realizar o pagamento das dívidas."Se formos somar todas as restrições impostas ao Estado brasileiro chega-se à conclusão de que ele move-se como um autômato."
Ele defende que a verdadeira "luta de classes" atual está na disputa pelos gastos do governo. "O orçamento público é hoje o ponto central do conflito de classe. Pode, quem quiser, continuar indo a porta de fábrica em São Bernardo... É completamente irrelevante."
O "espírito de Porto Alegre" do título do debate refere-se ao livro de mesmo nome, lançado pela editora Paz e Terra, sobre o Fórum Social Mundial, que, em oposição ao encontro de representantes do pensamento econômico ortodoxo em Davos, na Suíça, aconteceu entre 2001 e 2003 na capital gaúcha.
Em referência a tal espírito difuso de vontade de mudança, Arantes afirmou que os participantes do fórum acreditavam que, com a chegada do PT ao poder, ele "iria mudar o mundo por meio da nova Moscou, ou Meca, que seria Brasília".
Para o filósofo, agora "está vindo a ducha fria": "a encarnação do espírito do fórum [Lula" está de novo aprisionada na garrafa".
Contra a ambição de uma espécie de cidadania mundial defendida pelos participantes do fórum, Arantes afirma que "a arena" dos conflitos que podem mudar as sociedades ainda é nacional. "Mesmo que o Lula, num gesto desastrado e trágico, vá cavando a própria sepultura nos próximos meses, o local da disputa ainda é o Estado Nacional", disse ele.
O filósofo lançou finalmente as perguntas: "Como transformar a prisão em plataforma? Como impedir que Lula crave o último prego no seu caixão?". Disse que são os pobres "aprisionados" no país (as elites, diz, se "dolarizaram" e escapam ao "confinamento") que responderão. Quanto à ação do governo, ao menos na noite da última quinta-feira, as perguntas ficaram sem resposta.


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