São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TODA MÍDIA

Nelson de Sá

A impressão

Galvão Bueno já vinha desconfiado na narração, no primeiro tempo:
- Eles já xingaram lá, os jogadores, os torcedores do Quilmes xingaram o Grafite lá, com ofensas por ele ser negro, com termos racistas.
Final do primeiro tempo, ocorre o conflito. No "replay", volta o locutor:
- Olha, tive a impressão... coloca de novo aquela imagem. Tive a impressão de que ele disse "negro" para o Grafite.
Mostram de novo:
- Lá, tá vendo?
Após a expulsão de Grafite, mais do narrador:
- O jogador que foi lá, que fez a ofensa, que foi racista, esse ficou no campo.
O repórter da Globo correu:
- O que ele te falou, Grafite, o jogador do Quilmes? Alguma coisa de cunho racista?
O brasileiro respondeu que não iria "nem comentar para não dar ênfase".
Não precisava. A ênfase foi dada por Galvão Bueno por mais uma hora:
- É evidente, deu para ver no movimento labial. E já tinha acontecido na Argentina.
Final do segundo tempo, entra o delegado em campo e vai dizendo, às câmeras da Globo e aos argentinos:
- Vou levar até o distrito. Todo mundo viu, as televisões estão mostrando, tenho até ordem do meu delegado-geral.
E Galvão Bueno, orgulhoso como nunca:
- Exatamente. A gente mostrou na televisão, fiz questão absoluta de falar, deve ter chegado às autoridades.
 
Na madrugada, foi a vez de Milton Neves, da rádio Jovem Pan, que saiu a cobrar do mesmo delegado, ao vivo, que não soltasse o argentino.
E assim o jogador do Quilmes passou a noite e o dia na delegacia, com Fátima Bernardes surgindo de tempos em tempos na Globo, dizendo:
- O zagueiro argentino Leandro Desábato está preso há mais de 17 horas.
Continuou assim pela segunda noite, em outro distrito. Na Record, enquanto isso, lá estava o delegado, ao vivo no estúdio, em mais entrevista.
 
Folha Online, BBC Brasil, Jovem Pan, Globo Online, além da própria Globo, passaram o dia à procura de mais provocação -ao menos alguma reação- da mídia argentina.
Não acharam muito. Num canal, um locutor chegou a criticar o zagueiro:
- Essa atitude é uma vergonha. Sem falar da derrota. Disso, então, nem falaremos.
Até o site do "Olé", jornal de famosas edições racistas, foi contido, reproduzindo notícias e declarações.
Também os influentes "La Nación" e "Clarín". Em enquetes durante o dia, os dois chegaram a identificar um apoio inusitado à punição: cerca de 60% "votaram" que foi, sim, "ato de discriminação" e que é correto "deter jogador por agredir rival com termos racistas".
Mas a reação maior ficou para hoje, no papel.
 
Quanto à repercussão pelo mundo, foi extensa demais, dos canais de notícias (CNN, BBC) às agências (Xinhua, Reuters), aos sites de jornais ("New York Times"), esportivos ("As") etc.

Globo/Reprodução
Galvão Bueno, anteontem na transmissão: - Lá, tá vendo? Tive impressão de que ele disse "negro". Uma coisa feia, racismo, sem justificativa, depõe contra o time, depõe contra um povo.


Sofrimento
Por coincidência, em meio ao espetáculo do racismo no Brasil, Lula surgiu no Senegal.
Como a Globo não se cansou de mostrar o dia todo, até o JN, ele "se emocionou" e "chegou a pedir perdão pela escravidão". Estava na ilha de Gorée, de onde "partiam os escravos para o que eles chamavam de um infinito de sofrimento".

Suor cristão
A curiosidade em torno da Igreja Católica no Brasil, por conta de d. Cláudio Hummes, chegou ao "Washington Post", com texto sobre Marcelo Rossi -e o esforço dos católicos paulistanos para responder ao avanço evangélico. Do padre, na missa vista pelo "WP":
- Vocês estão suando?

Condi e a energia
A secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, falou longamente ao "Wall Street Journal" de ontem e, no título do jornal, "minimizou as ameaças nucleares do Irã e da Coréia do Norte".
Também tratou, de passagem, dos programas nucleares da Índia e do Brasil:
- Temos que reconhecer e ajudar esses países a lidar com as demandas de energia.

"Cunha"
O "Miami Herald" deu artigo alertando para a "cunha" que a disputa na OEA fincou entre Norte e Sul, nas Américas. Em especial, alertou para a "perda de influência dos EUA".

@ - nelsondesa@folhasp.com.br


Texto Anterior: Rumo a 2006: Mangabeira Unger lança candidatura
Próximo Texto: Revanche: Dirceu ameaça aliados e defende Dilma Rousseff
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.