São Paulo, domingo, 15 de maio de 2005

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Para cientista político, não há ameaça de crise institucional

DA REDAÇÃO

O cientista político Fábio Wanderley Reis, 67, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, não vê risco de crise institucional mais séria, como a que provocou a queda do presidente João Goulart em 1964, mas dificuldade na aprovação, no Congresso, de reformas importantes, como a tributária e a política.
Ele observa que o governo enfrenta um desafio difícil: o de restabelecer seu poder de ação junto ao Congresso sem intensificar seu desgaste na sociedade civil. Reis, porém, destaca que esse desgaste não atinge apenas o Poder Executivo mas também o Legislativo.
 

Folha - Qual a dimensão e quais as conseqüências da perda do comando político do Congresso pelo governo?
Fábio Wanderley Reis -
Creio que se pode dizer que existe risco de ingovernabilidade se a palavra é tomada num sentido menos dramático, com a resistência do Congresso a iniciativas específicas, como ilustrado pela MP 232 e agora pelo veto ao reajuste dos funcionários do Legislativo e do Judiciário, ou com as dificuldades para o avanço quanto à agenda de reformas, como a tributária e a política.
Porém não me parece haver de imediato o perigo de uma paralisia mais séria, afinal o rumo geral da política econômica continua aparentemente sob controle firme e consistente. O aspecto mais preocupante da crise nas relações com o Congresso me parece consistir em que ela se associa com o desgaste simbólico não só do governo mas também do próprio Congresso, com a "opinião pública" (no sentido em que Milton Campos usava a expressão, distinguindo-a do eleitorado em geral e indicando as disposições dos setores politicamente mais informados e atentos da população): apesar de as pesquisas mostrarem ainda grande apoio do eleitorado à figura de Lula, temos a internet cheia de materiais negativos, os colunistas e articulistas da imprensa cada vez mais agressivos, certo ânimo de desmoralização e desqualificação galhofeira.
Tem-se falado, por exemplo, de campanhas pelo voto nulo nas eleições de 2006 ou pela renovação total do Congresso ("não vote em quem tem mandato"); se algo desse tipo ganha densidade, podemos chegar a ter conseqüências sérias no plano institucional.

Folha - Lula deve ceder mais ou resistir às demandas dos aliados?
Reis -
O governo está diante do desafio difícil de obter algum equilíbrio entre duas necessidades contraditórias: a de agir com realismo nas composições e barganhas (incluída a reforma ministerial suspensa) para restabelecer o poder de ação com o Congresso e a de evitar intensificar o desgaste mencionado na resposta anterior. Sem falar de como assegurar que as composições sejam pelo menos eficientes, em vez de resultarem em traições a todo momento.

Folha - Até que ponto as dificuldades no Congresso afetarão a agenda econômica do governo?
Reis -
Creio que já estão afetando, no sentido das dificuldades que se criam para a aprovação de reformas importantes ou mesmo de medidas mais tópicas que têm impacto na economia.

Folha - O ex-presidente FHC afirmou que "o povo olha para o Congresso e não se sente lá". Disse ainda que vê riscos de uma crise institucional semelhante à ocorrida no governo Goulart. O sr. concorda?
Reis -
Acho que, na verdade, o povo nunca "se sentiu lá", sempre tivemos a disposição popular negativa a respeito do Congresso. Dados o elitismo e a desigualdade da sociedade brasileira, que necessariamente se refletem na política, o Congresso nunca foi adequadamente representativo.
Sempre foi mais branco, mais rico e mais educado do que a população em geral (e acho despropositada, nesse sentido, a pretensão de atribuir um certo simbolismo "popular" à vitória do "baixo clero" com Severino).
Quanto à crise propriamente ao estilo da de Goulart, não me parece provável: no caso de Goulart tivemos a reação das elites (incluindo destacadamente os militares) diante da percepção de ameaça revolucionária e socializante.
Não vejo por que apostar agora em que as coisas tomem esse rumo, mas isso não impede uma crise que alcance o plano institucional se continuar o processo de desgaste e desmoralização apontado e se o governo, em particular, continuar a perder a batalha da opinião pública.

Folha - O STF aceitou a abertura de inquérito contra o presidente do Banco Central. Qual o impacto desse constrangimento sobre Henrique Meirelles no contexto atual, de desmanche da sustentação política do governo no Congresso?
Reis -
Acho que o constrangimento é potencialmente de importância especial, por se tratar de um dos responsáveis pela política econômico-financeira do governo e de uma figura particularmente incômoda para os que se opõem a essa política mesmo dentro do próprio PT.

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