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Para cientista político, não há ameaça de crise institucional
DA REDAÇÃO
O cientista político Fábio Wanderley Reis, 67, professor emérito
da Universidade Federal de Minas
Gerais, não vê risco de crise institucional mais séria, como a que
provocou a queda do presidente
João Goulart em 1964, mas dificuldade na aprovação, no Congresso, de reformas importantes,
como a tributária e a política.
Ele observa que o governo enfrenta um desafio difícil: o de restabelecer seu poder de ação junto
ao Congresso sem intensificar seu
desgaste na sociedade civil. Reis,
porém, destaca que esse desgaste
não atinge apenas o Poder Executivo mas também o Legislativo.
Folha - Qual a dimensão e quais
as conseqüências da perda do comando político do Congresso pelo
governo?
Fábio Wanderley Reis - Creio que
se pode dizer que existe risco de
ingovernabilidade se a palavra é
tomada num sentido menos dramático, com a resistência do Congresso a iniciativas específicas, como ilustrado pela MP 232 e agora
pelo veto ao reajuste dos funcionários do Legislativo e do Judiciário, ou com as dificuldades para o
avanço quanto à agenda de reformas, como a tributária e a política.
Porém não me parece haver de
imediato o perigo de uma paralisia mais séria, afinal o rumo geral
da política econômica continua
aparentemente sob controle firme e consistente. O aspecto mais
preocupante da crise nas relações
com o Congresso me parece consistir em que ela se associa com o
desgaste simbólico não só do governo mas também do próprio
Congresso, com a "opinião pública" (no sentido em que Milton
Campos usava a expressão, distinguindo-a do eleitorado em geral e indicando as disposições dos
setores politicamente mais informados e atentos da população):
apesar de as pesquisas mostrarem
ainda grande apoio do eleitorado
à figura de Lula, temos a internet
cheia de materiais negativos, os
colunistas e articulistas da imprensa cada vez mais agressivos,
certo ânimo de desmoralização e
desqualificação galhofeira.
Tem-se falado, por exemplo, de
campanhas pelo voto nulo nas
eleições de 2006 ou pela renovação total do Congresso ("não vote
em quem tem mandato"); se algo
desse tipo ganha densidade, podemos chegar a ter conseqüências
sérias no plano institucional.
Folha - Lula deve ceder mais ou
resistir às demandas dos aliados?
Reis - O governo está diante do
desafio difícil de obter algum
equilíbrio entre duas necessidades contraditórias: a de agir com
realismo nas composições e barganhas (incluída a reforma ministerial suspensa) para restabelecer
o poder de ação com o Congresso
e a de evitar intensificar o desgaste
mencionado na resposta anterior.
Sem falar de como assegurar que
as composições sejam pelo menos
eficientes, em vez de resultarem
em traições a todo momento.
Folha - Até que ponto as dificuldades no Congresso afetarão a
agenda econômica do governo?
Reis - Creio que já estão afetando, no sentido das dificuldades
que se criam para a aprovação de
reformas importantes ou mesmo
de medidas mais tópicas que têm
impacto na economia.
Folha - O ex-presidente FHC afirmou que "o povo olha para o Congresso e não se sente lá". Disse ainda que vê riscos de uma crise institucional semelhante à ocorrida no
governo Goulart. O sr. concorda?
Reis - Acho que, na verdade, o
povo nunca "se sentiu lá", sempre
tivemos a disposição popular negativa a respeito do Congresso.
Dados o elitismo e a desigualdade
da sociedade brasileira, que necessariamente se refletem na política, o Congresso nunca foi adequadamente representativo.
Sempre foi mais branco, mais
rico e mais educado do que a população em geral (e acho despropositada, nesse sentido, a pretensão de atribuir um certo simbolismo "popular" à vitória do "baixo
clero" com Severino).
Quanto à crise propriamente ao
estilo da de Goulart, não me parece provável: no caso de Goulart tivemos a reação das elites (incluindo destacadamente os militares)
diante da percepção de ameaça
revolucionária e socializante.
Não vejo por que apostar agora
em que as coisas tomem esse rumo, mas isso não impede uma crise que alcance o plano institucional se continuar o processo de
desgaste e desmoralização apontado e se o governo, em particular,
continuar a perder a batalha da
opinião pública.
Folha - O STF aceitou a abertura
de inquérito contra o presidente do
Banco Central. Qual o impacto desse constrangimento sobre Henrique Meirelles no contexto atual, de
desmanche da sustentação política
do governo no Congresso?
Reis - Acho que o constrangimento é potencialmente de importância especial, por se tratar de
um dos responsáveis pela política
econômico-financeira do governo e de uma figura particularmente incômoda para os que se opõem a essa política mesmo
dentro do próprio PT.
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