São Paulo, domingo, 15 de maio de 2005

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JANIO DE FREITAS

Graúdos e Garotinhos

A condenação (ainda pendente de recurso) do casal Garotinho a três anos de inelegibilidade, por sentença de uma juíza da sua cidade de Campos, está envolta em circunstâncias nas quais ainda é difícil distinguir, com razoável segurança, o que é legítimo ou é jogo de interesses em cada um dos lados opostos no processo.
O fato de que tenha se desenvolvido no Rio-capital a campanha de acusações aos Garotinhos, durante a última disputa eleitoral pela Prefeitura de Campos, não os inocenta de possíveis recursos ilegais em favor do seu candidato.
Porém lança interrogações interessantes, ainda mais sabendo-se que a única outra cidade interiorana a merecer espaço e ênfase na mídia carioca, entre as tantas dezenas de disputas no Estado todo, foi exatamente onde interesses vários confrontaram as forças dos Garotinhos com as reunidas sob a sigla do PT, na pessoa do candidato camaleônico Lindberg Farias.
A luta política em Campos é feroz, e não é de hoje. A cidade, que há um século foi tida como das prósperas do continente, decaiu sem perder de todo a tradição política dos coronéis da cana e do açúcar. Em certa medida, a eleição de prefeito do então radialista Anthony Garotinho perfurou a tradição, à época depositada em proprietários monopolistas de TV. Porém, entre outros motivos, sua saída do PDT para o PMDB reacendeu em Campos os enfrentamentos no padrão vale-tudo.
Nas últimas eleições, os candidatos dos Garotinhos tiveram farta vitória pelo Estado afora, mas não em Campos nem na Nova Iguaçu onde foi eleito o não-residente mas globalizado Lindberg.
Ingrediente importante, os Garotinhos são os primeiros governadores do Estado do Rio que saem do interior. Os primeiros a chegar ao poder estadual sem conexões econômicas na capital e sem relações, pessoais e sobretudo as outras, com a poderosa mídia local.
A essas peculiaridades iniciais, não superadas e em parte até aumentadas pelos Garotinhos, junta-se outra também sem precedente: a de ordem religiosa. Muito associada à mídia, a hierarquia católica no Rio é rigidamente conservadora sob todos os aspectos, como mais uma vez comprovou o cardeal Scheid em sua recente investida contra Lula. E os Garotinhos são presbiterianos. Além da sua própria luta, a política no Estado do Rio inclui uma luta religiosa.
Há indícios de que em Campos a legislação eleitoral foi desrespeitada pelo PMDB e pelo PDT, pelo governo fluminense dos Garotinhos, pelo peemedebista derrotado e pelo pedetista vitorioso, sem faltar, como sempre, a contribuição da mídia a tantos desrespeitos. Nem por isso a sentença condenatória dos Garotinhos e dos dois candidatos escondeu um tempero também político, para além do sentido judicial.
Por fim, e quem sabe acima de tudo, é notório - com freqüência afirmado no jornalismo político mais obviamente ligado ao governo e a Lula - que nenhum pré-candidato presidencial preocupa mais Lula e seu círculo do que Anthony Garotinho, em razão de pesquisas específicas e sigilosas. Preocupação que por certo subiu nos últimos dias, com a vitória do PMDB oposicionista, integrado por Garotinho, ao prorrogar o mandato de Michel Temer na presidência do partido, contra os propósitos do PMDB governista.
A matéria-prima, no caso, é farta: mistura (perdão, se você é economista ou publicitário, faz um "mix") de guerra municipal, luta sucessória pelo governo do Estado do Rio, abertura de espaço para o comatoso PT fluminense, sucessão presidencial e confronto religioso. Ah, sim, e legislação eleitoral.

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