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Para especialistas, o Brasil deverá ser condenado na OEA
Debate promovido pela Folha na última quarta discutiu a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Anistia
Debatedores afirmam que o caso do Araguaia motivará decisão negativa na Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos dias 20 e 21
UIRÁ MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Especialistas reunidos na
quarta para debater a decisão
do Supremo Tribunal Federal
sobre a Lei da Anistia divergiram quanto ao acerto da posição adotada pelo Judiciário,
mas concordaram que, por causa dela, o Brasil deverá ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O país é réu em ação que será
julgada na corte da OEA (Organização dos Estados Americanos) nos próximos dias 20 e 21.
O processo foi motivado pela
detenção arbitrária, tortura e
desaparecimento durante a ditadura militar (1964-1985) de
70 pessoas ligadas à Guerrilha
do Araguaia e camponeses que
viviam na região.
"A jurisprudência da Corte
Interamericana é consolidada.
Não há nenhuma decisão em
que a lei de anistia a repressores, a ditadores, tenha sido considerada legítima ou aplicável",
afirma Beatriz Affonso, diretora do Cejil (Centro pela Justiça
e Direito Internacional).
O Cejil, ONG dedicada à promoção dos direitos humanos, é
uma das entidades que processaram o Estado brasileiro no
caso do Araguaia. As outras
duas são o Grupo Tortura Nunca Mais e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo.
"Nosso interesse não é ganhar o caso no sistema interamericano, mas entendemos
que esse é um meio, quando foram esgotadas as possibilidades internas, de alcançar uma
mudança estrutural no país. Infelizmente, com a decisão do
STF, o Brasil perdeu a oportunidade de fazer essa mudança",
diz a diretora do Cejil.
No final de abril, o Supremo
decidiu por 7 votos a 2 que a interpretação da Lei da Anistia,
de 1979, não pode ser alterada
para permitir a punição de
agentes do Estado que praticaram tortura durante a ditadura.
"A Corte Interamericana vai
ser muito incisiva, porque nenhum país que recebeu uma
decisão a esse respeito tinha
passado tão perto de tomar a
decisão de modificar [a sua lei
de anistia]", afirma Affonso.
Cilada jurídica
O advogado Roberto Delmanto, autor, entre outras
obras, de "Código Penal Comentado", concorda que o Brasil acabará condenado pela
Corte Interamericana, mas não
por fruto da decisão do STF,
que considera correta.
"Não cabe criticar o STF, já
que ele produziu uma decisão
preso a uma cilada histórico-jurídica. A Lei da Anistia, quando
foi promulgada, tinha a intenção de ser ampla. Ela queria beneficiar ambos os lados. Não
podemos agora voltar atrás
nessa interpretação sem ferir
princípios que também foram
conquistados a duras penas."
Delmanto afirma que a reinterpretação da anistia para permitir a punição de torturadores
passaria por cima de dispositivos assegurados na Constituição, como as garantias de que a
lei penal não poderá retroagir
para prejudicar o réu e de que
nenhum fato poderá ser considerado crime se não houver lei
que o defina dessa maneira.
Para o advogado Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, não é correta
a interpretação de que a Lei da
Anistia tenha sido fruto de amplo acordo social.
"A anistia pleiteada, ampla e
irrestrita, não foi concedida.
(...) [A Lei da Anistia] não foi
um acordo popular, mas um
acordo entre políticos e militares comprometidos. Pretender
encontrar no minguado resultado de uma luta popular o que
se encontra na lei promulgada
pelo presidente de turno é falsear a história."
Nesse sentido, Bicudo considera que a decisão do STF "vai
na linha equivocada de [entender] que foi perdoando algozes
e suas vítimas que conquistamos a sonhada democracia, pacificamente e sem novos confrontos. Lamentável engano".
No entanto, argumenta Bicudo, "esse episódio não se esgota
na decisão do STF". Ele afirma
que a Corte Interamericana
não considera que possa existir
"autoanistia a autores de crimes contra a humanidade, que
são imprescritíveis".
Abertura dos arquivos
O professor de direito da USP
Guilherme Guimarães Feliciano também discorda da decisão
do STF, que, para ele, "perdeu a
última porta da história para
fazer justiça" nesse caso.
"Eu tenho dito que não seria
possível revogar a Lei da Anistia. Outra coisa é reinterpretar
a lei, o que faria um grande sentido, inclusive na perspectiva
de um tratamento isonômico
daqueles que participaram daquelas lutas. A lei não tratou
igualmente os polos do embate
político", diz Feliciano.
Para o professor da USP, no
entanto, ainda é possível "conhecer a verdade e reparar os
que foram vitimados sem que
esse conhecimento e essa reparação venham a ferir cláusulas
constitucionais". Para ele, "é
absolutamente imprescindível
que os arquivos sejam abertos".
Segundo Feliciano, a abertura dos arquivos da ditadura é
importante inclusive para o
presente. "Não sejamos hipócritas. A tortura ainda existe. E
acho que isso tem que ser combatido com tanta veemência
quanto têm sido combatidos os
casos do Araguaia e os relativos
a torturas durante a ditadura."
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