São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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INVESTIGAÇÃO

Ex-diretor de empreiteira depõe sobre desvio em obra da avenida Água Espraiada, na gestão do ex-prefeito

Testemunha liga Maluf a propina de obra

ROBERTO COSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Simeão Damasceno de Oliveira, ex-diretor da empreiteira Mendes Júnior, declarou em depoimento ao Ministério Público do Estado de São Paulo que parte do dinheiro obtido com o superfaturamento na construção da avenida Água Espraiada foi destinada como propina ao ex-prefeito paulistano Paulo Maluf (PPB).
O depoimento foi colhido pelos promotores Silvio Marques e José Carlos Blat, que investigam eventuais pagamentos de propina referentes à construção da avenida Água Espraiada -uma das principais obras viárias realizadas na gestão de Maluf (1993-96).
Segundo o Ministério Público, dos R$ 800 milhões gastos na Água Espraiada, R$ 550 milhões foram desviados.
O depoimento, divulgado ontem pelos promotores, foi prestado em 20 de maio de 2002.
O ex-diretor da empreiteira foi indiciado pela polícia por tentativa de extorsão contra a Mendes Júnior, mas é considerado a principal testemunha sobre o pagamento de propina na construção da Água Espraiada.
Funcionário da Mendes Júnior por 16 anos, Oliveira detalhou o esquema de pagamentos que, segundo ele, beneficiariam o ex-prefeito Paulo Maluf, o ex-secretário Reynaldo de Barros (Vias Públicas) e ex-diretores da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), responsável para contratação da obra.
No mesmo depoimento, o ex-diretor da empreiteira citou pagamentos feitos a conselheiros do TCM (Tribunal de Contas do Município), mas sem dizer nomes.
Em depoimentos anteriores, Oliveira tinha dito que a Mendes Júnior contratava subempreiteiras-fantasmas que emitiam notas fiscais frias e devolviam cerca de 90% do valor recebido.

Cheques
No depoimento divulgado ontem, o ex-funcionário da empreiteira disse que os cheques emitidos pelas subempreiteiras eram depositados em contas de funcionários da empresa e de seus familiares para que fossem compensados. Até a conta de uma copeira teria sido usada.
O dinheiro seria convertido em dólar e entregue ao ex-secretário Reynaldo de Barros ou a ex-diretores da Emurb, em um apart-hotel de São Paulo. Em resposta a um ofício da Promotoria, o apart-hotel confirmou que um ex-diretor da Emurb ficou hospedado lá durante dois anos.
O depoimento afirma ainda que parte do dinheiro da propina, convertido em dólar, teria sido remetido ao exterior por meio de "cabo" -transação em que o dinheiro não é transportado fisicamente, mas por operações virtuais. O Ministério Público tem o número de duas contas nos Estados Unidos que teriam recebido depósitos por meio dessas operações. As contas pertenceriam a intermediários que fariam a distribuição do dinheiro.

Caixa dois
Durante o depoimento, Oliveira confirmou ter sido o autor de 22 documentos obtidos pelo Ministério Público.
Segundo ele, os papéis tratavam da contabilidade do "caixa dois" da Mendes Júnior.
Ao comentar o conteúdo das anotações -que não têm nenhum dado que comprove sua autenticidade-, Oliveira citou diversas vezes o nome do ex-prefeito Paulo Maluf (veja reprodução ao lado). Um trecho do depoimento diz que "o documento 9 representa uma memória de cálculo de pagamento de propina ao ex-prefeito Paulo Salim Maluf".

Investigação
Na edição de 10 de junho de 2001, a Folha revelou que as autoridades de Jersey, um paraíso fiscal no canal da Mancha, bloquearam pelo menos US$ 200 milhões em contas de Maluf. O ex-prefeito sempre negou ter dinheiro fora do Brasil (leia texto ao lado).
Após a publicação da reportagem, o Ministério Público do Estado de São Paulo instaurou um inquérito civil para apurar eventual enriquecimento ilícito do ex-prefeito.
Em agosto de 2001, o governo da Suíça informou a autoridades brasileiras que o ex-prefeito manteve contas no Citibank de Genebra, entre 1985 e 1997, quando teria transferido o dinheiro para Jersey.
A Promotoria investiga a hipótese de que parte do dinheiro depositado ilegalmente no exterior em nome de Maluf seja proveniente de propina obtida nas obras viárias realizadas na gestão dele na Prefeitura de São Paulo.

Suíça
Documento enviado à Suíça pelo promotor Marques e pelos procuradores Denise Abade e Pedro Barbosa Neto afirma que os dados colhidos pelas investigações "autorizam a conclusão sobre a possibilidade concreta de o sr. Paulo Salim Maluf estar realizando crime de lavagem de dinheiro no exterior".
Uma das bases para a afirmação é um depoimento de Oliveira no qual ele afirma que a Mendes Júnior corrompeu Maluf e que o ex-prefeito exigiu receber 37% do total da obra como propina.
O órgão afirma que o esquema de distribuição de propina referente à construção da avenida Água Espraiada durou até 1998, mais de um ano após o fim da administração Maluf.
Naquele ano, a movimentação da propina teria variado de R$ 1,5 milhão a R$ 3 milhões.



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