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JANIO DE FREITAS
Votos e vendas
A maneira como o governo
procura demolir as resistências de senadores ao mínimo
salário mínimo, cuja votação
está prevista para esta semana,
merece mais atenção do que se
tem dado a esses procedimentos,
há dez anos adotados como norma.
Só para começar a operação, o
governo fez os senadores saberem que se dispõe a liberar R$
1,1 bilhão para gastos por eles
propostos, em benefício dos respectivos Estados, no Orçamento
deste ano. Desde ontem, vários
ministros e o presidente da República dedicam-se ao assédio e
à oferta das compensações aos
senadores, o que torna bastante
provável a superação daquele
montante de liberações.
Para a aprovação do mínimo
salário mínimo na Câmara,
muito menos trabalhosa porque
lá a docilidade está mais consolidada, o governo reconheceu a
liberação de uns R$ 250 milhões.
Convém duvidar dessa parcimônia, comparada a outras votações. A explicação para o gasto não merece melhor consideração: "foi por coincidência"
que as liberações ocorreram durante os preparativos da votação pelos deputados. Também
por coincidências, muitos deputados que não concordavam
com o mínimo salário mínimo
de R$ 260 deram-lhe o voto de
aprovação.
A cada votação em que o método da aquisição de votos é
praticado, e de anos para cá são
quase todas, a independência
do Legislativo fica mais corrompida. De uma parte, verificam-se chantagem e a oferta corruptora. De outra, também chantagem ou extorsão, com resistências que muitas vezes servem só
ao aumento do valor. Segue-se o
complemento do ato corrupto
de cessão do voto, mediante a
compensação de dinheiro e providências que beneficiam o poder político e a situação eleitoral
do parlamentar no seu Estado.
O nome desse procedimento
adotado como norma desde 95,
embora já houvesse ocorrido em
casos esporádicos e escandalosos, é claro e simples: corrupção
política.
Propostas de gastos incluídas
no Orçamento, as chamadas
emendas parlamentares, são legítimas desde que aprovadas segundo o regimento, e não pelo
método que notabilizou os
"anões" ainda bem representados na Câmara. A característica
apenas autorizativa do Orçamento, porém, já implica uma
intervenção do Executivo, o governo, em deliberação do Legislativo. Como está apenas autorizado a fazer os gastos inscritos
no Orçamento, e não compelido
a tornar realidade o Orçamento
aprovado pelo Legislativo, o governo só libera as propostas parlamentares que quiser. Põe,
pois, os parlamentares em sua
dependência, o que contradiz o
princípio da independência dos
Poderes, que é a alma mesma do
Estado de Direito e da democracia constitucional.
Se, além disso, as propostas
parlamentares no Orçamento
são transformadas em moeda
para o governo adquirir suas
aprovações, daí resultam a superestimação do Executivo e a
sujeição vil do Legislativo. Esse é
o princípio das ditaduras que se
disfarçam com a preservação de
um Legislativo aviltado. E não é
esse o regime que se quer aqui.
A correção de rumos não virá,
no entanto, do governo ou do
Legislativo. Um, porque tem o
controle aumentado; o outro,
porque já não tem o seu próprio
controle.
A correção fica na dependência de que a sociedade se mova
para exigi-la, quando e se reproduzir, por exemplo, o movimento que uniu, para reinstauração
do Estado de Direito, a OAB, a
CNBB, a ABI e outras entidades,
a que hoje se juntariam, por certo, as associações de magistrados e de procuradores.
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