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JANIO DE FREITAS
Os dois avisos
É hora de que o anticrime seja levado a sério e procure reelaborar suas idéias, sair da velha e inútil obviedade
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A conclusão , exposta por jornalistas e vários entrevistados, de
que, ao seqüestrar um repórter, o crime em São Paulo "subiu de
patamar", só se explica como um
desses maus momentos a que as
pessoas estão sujeitas. E que são comuns em jornalistas quando o infortúnio inverte os papéis e põe um de
nós no lugar da vítima. Invocam-se
então a liberdade de trabalho, a inocência da vítima, a violência covarde
e outras verdades não menos gritantes. Mas, na essência, as verdades
que envolvem o jornalista vitimado
em nada se distinguem das transgredidas na grande maioria das outras vítimas: o turista esfaqueado
para roubo, o motorista incendiado
com o ônibus, o dentista assassinado
pela polícia "por engano", a criança
morta por "bala perdida" - consta
serem assim 50 mil por ano no Brasil, mas o número parece modesto.
Há muito tempo os seqüestros se
sucedem, ora mais, ora menos freqüentes. No caso de São Paulo, até
como principal característica da criminalidade. O seqüestro de um repórter nada acrescentou, por si, aos
seqüestros de outras vítimas. A troca do resgate por uma nota para divulgação -finalidade que não precisava de seqüestro, por certo seria
obtida com a simples distribuição da
nota- esta, sim, sugere duas observações aparentemente ainda atuais.
O seqüestro absorveu mais atenção do que a insípida nota e, nela,
atentou-se mais para o exigido fim
do "regime disciplinar diferenciado". Nisso ficou quase perdida a frase de importância capital: "não ficaremos de braços cruzados pelo que
está acontecendo no sistema carcerário". Os bravos secretários do governo paulista, bem à sua maneira,
podem tomar a frase como desafio
ou como bazófia, mas para os demais vale por um aviso geral de necessárias precauções contra ataques
que já se provaram factíveis.
A outra observação vem do momento escolhido para o seqüestro e
sua finalidade. Da Folha de sábado:
"Folgas cassadas de quase 100 mil
policiais militares e 30 mil policiais
civis, helicóptero do Exército usado pela PM, [...] blitze nas ruas. É
com esse cenário de guerra, preparado pelas forças de segurança"
[...]. Assim foi feita, para o fim de
semana, a devida prevenção do crime articulado. E, no entanto, houve o seqüestro. Ou seja, uma outra
mensagem: o nível a que a criminalidade chegou em numerosas cidades exige muito mais do que pôr as
polícias e mesmo o Exército na rua.
Esse é um ensinamento que o Rio
tem difundido em vão. É impossível policiar toda a cidade, é impossível impedir que o crime conte
com os vazios inevitáveis do policiamento e com o imprevisto.
O crime se sofisticou no armamento e aprimora métodos, como
demonstrou o seqüestro do repórter com o uso e troca de dois carros, incêndio de um para eliminar
vestígios, batedor de moto. É hora
de que o anticrime seja levado a sério e procure reelaborar suas
idéias, sair da velha e inútil obviedade. Essa é uma dívida que os intelectuais, os acadêmicos e a mídia
têm com o país.
Do episódio ficará a perfeita atitude da TV Globo no dever de proteção à vida do seu repórter.
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