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São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 2003

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LAR, DOCE LAR

Casa paga R$ 3.000 de auxílio-moradia para 316 deputados; 236 apartamentos funcionais ficam vazios

Câmara desperdiça dinheiro com moradias

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A concessão pela Câmara dos Deputados de auxílio-moradia para os parlamentares em Brasília vem se transformando em uma fonte de desperdício de recursos públicos. A Casa paga auxílio-moradia de R$ 3.000 ao mês para 316 dos 513 deputados, apesar de manter, hoje, 236 apartamentos funcionais vazios, o que resulta em um gasto duplo: um com a ajuda em dinheiro e outro com a manutenção dos apartamentos -estimado em cerca de R$ 1.500 mensais com cada um.
O desperdício ocorre da seguinte forma. Ao ser eleito, o deputado escolhe entre as três opções de auxílio: 1) habitar um dos 432 apartamentos funcionais da Câmara; 2) alugar uma moradia por conta própria e ser reembolsado em até R$ 3.000; 3) receber o valor sem a necessidade de comprovação (descontado o Imposto de Renda, dá R$ 2.175 líquidos).
Com isso, apenas 45%, ou 196 dos 432 apartamentos funcionais, foram ocupados. Os outros 316 deputados optaram pelos R$ 3.000 de auxílio. Ao ano, a Câmara gasta R$ 11,4 milhões com o repasse em dinheiro e mais R$ 4,2 milhões só com a manutenção dos apartamentos desocupados.

Salário bruto
Vale ressaltar que o salário bruto dos parlamentares é de R$ 12.720 ao mês, além de outras verbas relativas ao mandato, mais os salários extras das convocações extraordinárias. A média de aluguel de um apartamento de três quartos no Plano Piloto de Brasília gira em torno de R$ 1.500.
Além do gasto duplo, a prática de conceder auxílio moradia em dinheiro dá margem para que parlamentares usem a verba para fins que não o de alugar uma casa, apartamento ou de se hospedar em um hotel.
Uma dessas práticas era comum nas legislaturas passadas, principalmente entre petistas.
Ela consistia no fato de um ou mais deputados morarem no mesmo apartamento funcional -o que se costuma designar pelo nome "república". O titular não recebia o auxílio, mas os colegas não perdiam o direito à ajuda. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva dividiu o apartamento com o hoje ministro Olívio Dutra (Cidades). O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e pelo menos dois outros ex-deputados que hoje são ministros (leia texto nesta página) utilizaram-se do mesmo expediente.

Grandes demais
Vários são os argumentos apresentados pelos que optam pela ajuda em dinheiro. O principal deles é que os funcionais são grandes demais e, por serem antigos, estariam com problemas de infra-estrutura. Além disso, argumentam que eles foram pensados em uma época em que os deputados se mudavam com as famílias para Brasília, o que não ocorreria com tanta frequência hoje.
"O funcional tem uma metragem que me faria sentir no deserto. Eles foram feitos em uma época em que as famílias vinham para cá, é uma coisa ultrapassada", afirma o deputado Walter Feldman (PSDB-SP), que optou por morar em um flat.
Cada apartamento tem 225 metros quadrados, três quartos, e faz parte de blocos que foram construídos há mais de 30 anos. Além disso, ao morar em um flat ou hotel, por exemplo, o deputado usufrui por conta da Câmara de serviços -como café da manhã, lavanderia e faxineira- que teria que pagar do próprio bolso se optasse em morar nos funcionais.
João Paulo estuda uma forma de reformar os imóveis e tornar a ocupação de todos obrigatória, diminuindo o gasto com o auxílio em dinheiro. Não há, porém, previsão para que isso ocorra.
Na legislatura passada, estudou-se a idéia de vender os apartamentos. De acordo com o deputado Ciro Nogueira (PFL-PI), responsável na Mesa da Casa pela administração dos imóveis, a idéia agora é manter os apartamentos e reformar pelo menos uma parte deles. Segundo ele, o valor de venda cresceria 100% (de R$ 400 mil por unidade para cerca de R$ 800 mil, reformados).
O próprio deputado não mora em um funcional. Ele argumenta que está na fila esperando a reforma em um deles.
Caso todos os imóveis precisem passar pela reforma, o custo estimado pela Câmara chega a R$ 68 milhões (cerca de R$ 160 mil por apartamento, mais a recuperação dos prédios como um todo). "Se a gente conseguir transmitir para a sociedade que isso é uma coisa boa, tudo bem. Mas, se chegar amanhã e tiver a imagem de que é uma questão de mordomia, não dá", afirmou Nogueira.



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