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ENTREVISTA DA 2ª
VALÉRIA GUIMARÃES
Preocupada com exemplo dado por presidente, endocrinologista diz que regime de proteínas sobrecarrega o coração
Dieta adotada por Lula faz mal à saúde, afirma médica
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo, Valéria Guimarães, critica duramente a dieta para emagrecer que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou e vem divulgando para os brasileiros em
entrevistas a televisões, revistas e
jornais. Segundo ela, a dieta faz
mal à saúde e causa "efeito sanfona" (emagrece-engorda), além de
ser importada e não ter respaldo
da comunidade científica.
"O que nos preocupa é a responsabilidade social do presidente", afirma ela, que já enviou carta
de alerta a Lula e a sua mulher,
Marisa. Dura com o criador, dr.
Robert Atkins, e com a criatura, a
dieta, a médica diz que Atkins é
"um marqueteiro" e que o regime
dele sobrecarrega o coração e deixa a pessoa zonza, porque é baseado em proteínas (carnes e gorduras) e restringe carboidratos
(como massas e tubérculos).
Os ministros Antonio Palocci
Filho (Fazenda), José Dirceu (Casa Civil) e Dilma Roussef (Minas e
Energia) aderiram à dieta, mas o
que mais preocupa Guimarães é
que a prática já começa a se estender do governo à população.
A maioria das pessoas que não
tem informação suficiente segue
"o exemplo que vem de cima" e
que se multiplica pela imprensa.
Segundo Valéria Guimarães, "até
crianças estão fazendo a dieta do
presidente, o que é um absurdo".
A melhor dieta para o brasileiro,
segundo a endocrinologista, é a
velha e boa combinação de arroz,
feijão, carne, leite, frutas e legumes, "só que em pouca quantidade". "Não precisa importar fórmulas mágicas que não são aprovadas pela comunidade científica
internacional. Fica mais barato e
mais saudável fazer a dieta e a
propaganda da nossa própria alimentação", disse ela à Folha.
Apesar da indignação com o
presidente, Valéria Guimarães diz
que a entidade que dirige, a
SBEM, já fez um projeto piloto em
Pernambuco (Estado natal de Lula e do ministro da Saúde, Humberto Costa) e está para entregar
uma proposta de prevenção da
obesidade semelhante à campanha muito bem-sucedida de combate ao fumo. A idéia é ensinar
desde cedo as crianças a valorizar
o básico. "A melhor comida para
os brasileiros é a comida brasileira, respeitadas suas características
regionais", disse a médica.
Mineira, 39 anos, três filhos,
Guimarães tem 1,69 m e 61 kg.
A seguir, trechos da entrevista:
Folha - O que há de errado com a
"dieta da proteína" que o presidente Lula faz?
Valéria Guimarães - É uma dieta
baseada em excluir carboidratos e
aumentar a ingestão de proteína,
aliada a uma grande quantidade
de gordura saturada. É uma dieta
desbalanceada, não tem equilíbrio. Um grande problema é a
restrição aos carboidratos, fonte
importante
de energia
do organismo. Seu cérebro não
come proteína, nem
frutinha
nem verdurinha; come
carboidrato.
O segundo
problema é
a grande dose de proteína. Para
muitos grupos de pacientes
-como,
por exemplo, diabéticos ou com
problemas
renais e não
sabem, com
problemas
cardiovasculares e
não sabem, com disfunção de metabolismo a exemplo da gota e
não sabem-, essa é uma dieta
que pode gerar efeitos graves. E,
enfim, o problema da gordura saturada é que aumenta o grau de
gordura no sangue e há vários estudos mostrando que isso leva ao
aumento de placas e, consequentemente, de enfarte e de doenças
cardiovasculares.
Folha - Mas essa dieta não é uma
novidade, nem mesmo é uma invenção brasileira. Milhões de pessoas no mundo não aderiram a ela?
Guimarães - É verdade. É uma
dieta muito popular que vem sendo divulgada desde 1973, e a comunidade médica reconhece que
há, de fato, uma queda aguda de
peso. Uma revista de grande impacto no meio científico, a "New
England Journal of Medicine",
publicou artigo reconhecendo a
perda de peso, mas, depois, uma
série de artigos recriminando o
método e mostrando que, depois
do emagrecimento, vem o rebote.
Sabemos que isso acontece. Há
um rebote quando ela é feita cronicamente, com um ganho de peso novamente e o indivíduo entrando no famoso efeito sanfona,
do engorda-emagrece-engorda.
Cria um ambiente no corpo chamado de "cetose", que significa
que, sem carboidrato para ser
consumido, a gordura sai da célula e cria um cheiro, um hálito cetótico. E, sem carboidrato, a pessoa fica fraca, meio tonta. Um
efeito de longo prazo que não é
nada saudável.
Folha - Mas é fácil de fazer?
Guimarães - É uma dieta extremamente monótona. A pessoa
não consegue ficar comendo ovo,
bacon e presunto o tempo inteiro.
Em algum momento, ela vai furar.
E, nesse momento, ela vai ter o rebote e engordar de novo.
Folha - Então, por que o sucesso
dessa dieta?
Guimarães - O autor dela, doutor
Roberto Atkins, tem uma trajetória muito interessante. Ele nunca
conseguiu se estabelecer no mundo científico, nunca conseguiu
provar que a dieta dele realmente
consegue provocar efeitos positivos a longo prazo. Isso é exatamente o que a comunidade espera, não consegue, e quem encontrar vai ganhar o Prêmio Nobel. É
um programa alimentar ou um
medicamento que consiga sustentar o peso baixo para sempre.
E ele nunca enfrentou a comunidade científica porque sabe que
há o efeito rebote na dieta dele.
Preferiu, em vez de lançar estudos, lançar seus trabalhos para
leigos. Com argumentação e muita propaganda, ele de fato consegue encantar muita gente e vender os livros dele.
Folha - É assim tão simples?
Guimarães - Ele é um homem inteligente e visou gente que forma
opinião, ficou amigo de estrelas
de cinema, astros de Hollywood.
Agora, viaja pelo mundo, tem kits
e livros e toda uma parafernália
em torno do nome dele. Se você
procurar na internet, vai achar
centenas de referências e sites com estrelinhas piscando. É assim que ele faz.
Folha - Ou seja, ele é um
marqueteiro?
Guimarães -É isso. Ele é
um marqueteiro.
Folha - Então, o presidente
da República do Brasil é vítima de um marqueteiro internacional?
Guimarães - Acho que o
nosso presidente da República ainda não entendeu
que não são os genes dele
que são sanfona, como ele
disse no "Fantástico" [programa da Rede Globo],
mas sim essa dieta do espicha-encolhe.
Folha - Como a senhora
soube que ele fazia essa dieta?
Guimarães - Pela mídia.
Na verdade, havia uma
grande curiosidade para
saber o que ele andava fazendo para emagrecer, já
que ele mesmo havia dito
que queria mudar o estilo de vida.
A SBEM havia até aplaudido esse
exemplo dele: um homem com
mais de 50 anos, um enorme carisma, o maior cargo da República, declarando que queria viver
melhor, buscava maior qualidade
de vida, começou a fazer exercício, jogar futebol. O que a gente
não contava é que ele não fosse seguir a própria recomendação do
Ministério da Saúde e da nossa
entidade, que é fazer um programa de reeducação alimentar, comendo de tudo um pouco, de forma equilibrada. Infelizmente,
soubemos que ele estava fazendo
essa dieta da proteína, que nem a
comunidade científica brasileira
nem a internacional respaldam.
Folha - A sra. tentou fazer algum
tipo de alerta para o presidente?
Guimarães - Nós, da SBEM,
mandamos uma carta para o presidente e para a primeira-dama,
Marisa, alertando para os riscos
dessa dieta, informando que o
problema não era dos genes dele.
Nós mandamos por e-mail para o
Palácio do Planalto e recebemos a
resposta prontamente, assinada
pelo chefe do gabinete pessoal do
presidente, Gilberto Carvalho. Ele
dizia que o presidente agradecia a
preocupação com a saúde dele e
os esclarecimentos, mas nada
aconteceu. Ao contrário. Depois
da carta, lemos nas revistas que
ele [Lula] já estava formando opinião no próprio governo. Os ministros já estavam seguindo o
exemplo, como José Dirceu, Palocci e Dilma Roussef.
Folha - A sra. tem certeza de que o
presidente realmente recebeu a
carta, de que a resposta do assessor não foi apenas o cumprimento
de uma burocracia palaciana?
Guimarães - Nós temos certeza,
sim, porque um amigo também
entregou nas mãos do presidente
e da dona Marisa. O que nos preocupa é a responsabilidade social
do presidente, é a importância da
figura dele como formador de
opinião. Quando ele faz, muita
gente segue. Ele está formando a
opinião da população e de gente
do próprio governo. Então, a gente está muito
preocupado.
Há 53 anos que
a SBEM bate
na tecla de que
as pessoas não
devem acreditar em dietas
milagrosas, em
fórmulas mirabolantes e não
reconhecidas
para emagrecer. Nada dessas invencionices, da dieta da
proteína, da
dieta do abacaxi, da dieta da
fruta é saudável. A melhor
coisa é a prevenção com
uma dieta
equilibrada, e a
dieta equilibrada é balanceada com todos
os nutrientes.
Todos os ministérios da Saúde do
mundo, inclusive o do Brasil, seguem essa orientação.
Folha - A sra. falou nos riscos para
grupos de pacientes, como os que
têm problemas cardiovasculares e
não sabem. Quais são esses riscos?
Guimarães - Naqueles indivíduos que já têm alguma placa
bacteriana, mas ainda não sabem,
a dieta da proteína pode aumentar o risco de enfarte. A sobrecarga da dieta pode ser a gota d'água,
pode ajudar o sujeito a enfartar. É
claro que num indivíduo jovem,
que não tem placa, não
tem problema de saúde,
o efeito agudo dessa dieta não vai fazer grandes
diferenças, mas um efeito crônico pode favorecer o desenvolvimento
de placas não só no sistema coronariano, mas
em todo o sistema cardiovascular, inclusive o
cerebral.
Folha - E o efeito nos indicadores, como colesterol e triglicerídeos?
Guimarães - Exatamente. Há um aumento
da gordura saturada,
um aumento do colesterol ruim e uma diminuição do bom. Isso é o inverso do que o consenso
prega.
Folha - O seu temor é
que a população adote a
dieta para imitar o Lula?
Guimarães - Já estamos
recebendo exemplos
aqui mesmo, até de diabético fazendo essa dieta, o que é
um grande risco, porque eles têm
grande propensão a problemas
renais e não podem ter sobrecarga protéica. Têm chegado casos
até de crianças. Aliás, até de jornalistas. A idéia é essa: "Já que o presidente faz, vamos fazer também".
Folha - Qual seria uma boa dieta
equilibrada para quem quer emagrecer?
Guimarães - A alimentação tradicional do brasileiro é muito boa
e nós devemos voltar a ela: arroz,
feijão, um pedaço de carne e verdes. É um pratinho muito bem
equilibrado na nossa mesa. É uma
dieta nossa e muito boa, quando
em quantidades e proporções
ideais. Além disso, leite, ovos,
massas, farinhas, tubérculos e frutas. O brasileiro não precisa importar dietas. Virou moda comer
comida japonesa, fast food, essas
coisas. Daqui a pouco, o brasileiro
não come mais arroz e feijão, e a
obesidade infantil no Brasil tem
crescido a passos preocupantes.
Folha - E no caso do Lula, um homem com mais de 50 anos, comilão, que só agora faz exercícios regulares, que café da manhã, almoço e jantar a sra. sugeriria para ele?
Guimarães - Eu não me atreveria
a fazer uma prescrição para o Lula. Não conheço seus exames, seu
metabolismo, se ele tem ou não
alguma disfunção hormonal. Eu
aplaudo nosso presidente por já
estar fazendo exercícios diários e
por estar preocupado com sua
saúde. Entretanto, como endocrinologista, é nosso dever alertar
que ele deve optar por uma dieta
mais saudável do que essa. A
SBEM tem recebido constantes e-mails e mensagens de endocrinologistas preocupados com a repercussão dessa dieta sobre a saúde do presidente e sobre a dos
brasileiros que estão seguindo o
exemplo.
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