São Paulo, Sexta-feira, 15 de Outubro de 1999
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JANIO DE FREITAS

A ditadura das formigas

A queixa judicial do governador Itamar Franco contra o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, expressa toda a impotência em que estão até autoridades constituídas, quanto mais os cidadãos em geral, diante de um poder arbitrário, prepotente, ignorante e aproveitador que está dominando o Brasil - o formigueiro dos economistas modernosos.
A recomendação de Armínio Fraga a estrangeiros, feita durante reunião do FMI, para que não invistam na Minas de Itamar, recebeu tratamento tão delicado da mídia, que quase passou despercebida. Era o Armínio e, ora, era o Itamar. Era o Armínio e não era o Covas ou São Paulo, não era o Anthony Garotinho e o Rio dos negócios globolóides.
O que há de absurdo e inaceitável naquela atitude, porém, excede a irresponsabilidade, em suas várias localizações e fisionomias nesse caso. A prepotência e a arbitrariedade do gesto de Armínio Fraga são uma partícula da arbitrariedade e da prepotência com que deliberações e políticas de governo são impostas à vida dos país e dos cidadãos, ano após ano, sem o mais mínimo respeito por coisa alguma que não seja o interesse, a vontade ou o palpite de economistas do formigueiro em posições de mando.
Um país problemático e perigoso como o Brasil pode passar anos, o mandato inteiro de um presidente, com uma política de câmbio rígido só porque um dos economistas do formigueiro, sem biografia e sem credenciais, assim quer. Contra o país inteiro. Até que derrubado por outra figura do formigueiro, que se sentiu ameaçada pelo excesso de consequências desastrosas do câmbio voluntarista.
Esse caso do câmbio é só um exemplo de fácil acesso. Para quem não se lembra do câmbio, está aí o caso do Banespa, com a intervenção do formigueiro produzindo bilhões em porcarias administrativas, tantas ou mais do que as pretensamente justificadoras da intervenção. Assim diagnosticadas pela Receita Federal, mas o governador Mário Covas e o peso de São Paulo são insuficientes para chamar à razão as partes do formigueiro instaladas na Fazenda e no Banco Central. São exemplos, esses, do que se passa no país todo, com a vida de todos e de cada um.
No discurso para apresentar, quarta-feira, o seu décimo ou vigésimo farsante "programa habitacional", Fernando Henrique Cardoso achou natural contar que fez com Pedro Malan, no começo do ano, a aposta de que o Brasil terminará 99 com crescimento econômico. Um presidente que também acha natural o seu ministro da Fazenda apostar em resultado negativo para o país, por cuja economia é o responsável, mostra bem como funciona o formigueiro. Um punhado dos seus componentes acha determinada coisa, nisso aposta, não a sua vida, que todos saem muito bem. Se a aposta não der certo, o que foi apostado e se danou foi a vida do país, foram os milhões de vidas do país.
O tempo em que a praga do bacharelismo dominou o Brasil deixou uma marca trágica: o jeitinho brasileiro. Diante de cada lei, o espírito legado pelo bacharelismo até hoje se aplica, logo, em procurar a brecha pela qual burlá-la. A lei ficou reduzida a um jogo entre a sua forma e o bacharel.
No Brasil dominado pelo formigueiro dos economistas modernosos nem lei restará. A lei é a vontade deles, seu palpite, sua aposta. A Constituição nada vale. Se um mesmo um governador eleito contraria o jogo do formigueiro, não há interesse do país, não há responsabilidade, inclusive a legal e a institucional, a ser considerados. Se os setores produtivos da sociedade, se parcelas imensas da sociedade arruinam-se, nada podem senão sujeitar-se ao poder prepotente, arbitrário, ignorante e aproveitador do formigueiro dos economistas modernos.
Voltemos à década de 20: "Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil".


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