São Paulo, Sexta-feira, 15 de Outubro de 1999
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CELSO PINTO
O paradoxo dos juros

Existe um paradoxo no esforço de reduzir os juros, reforçado pelo pacote anunciado ontem pelo Banco Central. Hoje já é mais barato uma empresa de porte lançar um papel aqui do que buscar dólares lá fora.
É uma boa notícia, mas significa que as empresas vão rolar menos bônus internacionais que estão vencendo. Isso aumenta a saída de dólares e pressiona o câmbio.
Quanto maior a cotação do dólar, maior o receio de que ela pressione a inflação. E, quanto maior esse temor, mais altos serão os juros de prazos mais longos, eliminando o efeito da redução dos juros de curto prazo.
Onde está o erro?
Não existe um equívoco e sim um dilema. A combinação entre sobrevalorização cambial e juros internos estratosféricos, do regime cambial anterior, fez o Brasil dobrar seu passivo externo nos últimos anos, para algo em torno de 50% do PIB.
Com a desvalorização e o câmbio flutuante, o Brasil, a exemplo do que aconteceu na Ásia, está fazendo o caminho de volta. O país está reduzindo sua vulnerabilidade externa, melhorando a balança comercial, o déficit em conta corrente e, em consequência, diminuindo a necessidade de dólares.
Ao contrário da Ásia, contudo, onde o ajuste veio acompanhado por uma fortíssima recessão, no Brasil a recessão foi suave. Em consequência, o ajuste das contas externas tem sido mais lento do que o da Ásia. É ótimo que uma forte recessão tenha sido evitada, mas isso quer dizer que o período de transição até um novo equilíbrio será maior.
Daí surgem as pressões que têm resultado numa cotação que teima em ficar em torno de R$ 1,95 por dólar. Um grande banco prevê que sairá US$ 1 bilhão este mês em vencimento de papéis externos. Além disso, a conta corrente (balança comercial mais serviços) deve ficar negativa em US$ 200 milhões. Quer dizer, a pressão de saída será de US$ 1,2 bilhão.
A forte entrada de investimentos diretos externos vinha ajudando a manter uma entrada de dólares razoável. É natural, contudo, que esse fluxo diminua nos últimos meses do ano, como já têm sentido alguns grandes bancos.
Se o Banco Central não entra no mercado oferecendo dólares ou títulos indexados e a entrada de investimentos diretos é menor, então o buraco terá que ser coberto pelos bancos privados (aumentando a posição vendida), por aumento de linhas comerciais ou por captação das empresas. Nenhuma dessas alternativas tem sido abundante.
Alguns bancos voltaram a emitir bônus no exterior, basicamente para lucrar com a diferença entre o custo de captação externa e a aplicação em títulos do governo indexados ao dólar. A margem de lucro, contudo, hoje é estreita e só compensa para bancos maiores.
Para as empresas, é diferente. Se um grande banco consegue captar a algo entre 10% e 10,5% em dólares, para uma boa empresa o custo vai a 11,5%, lembra um banqueiro. Somando o custo do Imposto de Renda, sobe a 13,5%.
O custo final, contudo, dependerá da variação cambial e esse é um risco alto demais para correr. O custo de fazer um seguro, um "hedge", para eliminar o risco do câmbio é dado pela diferença entre a remuneração em reais e em dólares aqui. Para seis meses, o BC vendeu títulos indexados ao dólar a 12% de juros e internos a 22%.
Essa diferença, o custo do "hedge", eleva o custo final da captação da empresa para algo perto de 24%, calcula. Se essa empresa preferir emitir aqui um "commercial paper", vai pagar cerca de 105% do custo do CDI ou uns 20%.
Conclusão: vale mais a pena captar em reais, para capital de giro, do que em dólares. Captação em dólares só para prazos mais longos, para investimentos produtivos.
É ótimo que seja assim. Diminui o volume de dólares instáveis de curto prazo e cai o endividamento externo. Não é por outra razão que o BC está projetando que, no próximo ano, o valor das amortizações será US$ 25 bilhões menor do que o deste ano. O pagamento de juros externos, obviamente, também cai.
A curto prazo, contudo, aumenta a pressão sobre o câmbio e a incerteza inflacionária eleva os juros de longo prazo. A taxa básica, hoje, está em 19%, mas os juros de um ano vão a 26%.
Pode-se argumentar que, quando a melhora da balança comercial se consolidar, a conta corrente melhorar, as amortizações e juros caírem, talvez daqui a alguns meses, a pressão vai se reverter, o real vai se valorizar e a pressão inflacionária será dissipada. Tomara, mas o risco é a pressão da transição virar, de fato, mais inflação, mais juros e piores expectativas. Esse é o dilema do BC: como administrar a transição.


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