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REGIME MILITAR
Documento confidencial de 1975 informa que até junho daquele ano 50 militantes haviam sido mortos
Relatório do Exército revela mortes em SP
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Documento confidencial do
Exército, elaborado em 1975, informa que até junho daquele ano
47 militantes políticos presos pelo
DOI-Codi de São Paulo e 3 recebidos de outros órgãos haviam sido
mortos.
O ""RPI nº 06/75" (""Relatório
Periódico de Informações") do 2º
Exército não explicita, mas contém indícios de que os presos políticos morreram nas dependências do principal órgão do regime
militar (1964-1985) dedicado ao
combate a organizações esquerdistas, especialmente as da luta
armada.
O relatório, recém-descoberto
pelo pesquisador Pedro Estevam
da Rocha Pomar, está no Arquivo
Público do Estado de São Paulo,
no acervo que pertencia ao Deops
(Departamento Estadual de Ordem Política e Social), órgão da
polícia política paulista extinto
em 1983, quando suas atribuições
passaram à Polícia Federal.
O pesquisador é neto do dirigente comunista Pedro Pomar,
morto pelo DOI na Lapa, em São
Paulo, em 1976.
Até agora, os assassinatos nas
instalações do DOI-Codi do 2º
Exército, em São Paulo, eram conhecidos fundamentalmente por
meio de depoimentos de sobreviventes, o que numa analogia jurídica poderia ser chamado de
""prova testemunhal". Com o
""RPI nº 06/75", há algo semelhante a uma ""prova documental".
Os DOI (Destacamentos de
Operações de Informações) e os
Codi (Centros de Operações de
Defesa Interna) foram criados pelo governo em setembro de 1970.
DOI-Codi
O maior DOI-Codi, o de São
Paulo, foi instalado junto ao 36º
Distrito Policial, na rua Tutóia.
Foi o sucessor da Oban (Operação
Bandeirantes), articulação militar
e policial para o combate conjunto à guerrilha.
Chefiado por oficiais do Exército, chegou a contar com efetivo de
250 funcionários, de acordo com
o livro de memórias do seu comandante de setembro de 1970 a
janeiro de 1974, o hoje coronel reformado Carlos Alberto Brilhante
Ustra.
Militantes de esquerda que passaram pelo DOI-Codi afirmam
que o órgão era um centro de tortura, morte e desaparecimento de
presos políticos.
As Forças Armadas sustentam
que os ativistas mortos eram
guerrilheiros abatidos em tiroteios. No seu livro, Ustra diz que
inexistiam tortura e eliminação física no DOI-Codi.
O oficial reformado não quis falar à Folha sobre o documento
agora encontrado.
A lei 9.140, de 1995, reconheceu
que estão mortos 136 militantes
políticos desaparecidos de 1961 a
1979. A comissão criada pela mesma concluiu haver responsabilidade do Estado na morte de outras 148 pessoas no mesmo período, a maioria sob tortura.
Anistia
Na opinião de juristas consultados pela Folha, a Lei da Anistia, de
1979, impede a punição de integrantes do aparato repressivo e de
militantes de esquerda por crimes
ocorridos até então.
O ""RPI nº 06/75" relata que, até
30 de junho de 1975, o DOI-Codi
do 2º Exército havia prendido
2.355 pessoas, das quais 859 foram encaminhadas para o Deops-SP, 192 foram para outros órgãos,
1.254 foram liberadas, 47 foram
mortas e uma fugiu.
Os 47 mortos (não há descrição
de nomes e das condições das
mortes) são um subitem do item
""presos pelo DOI", e não um item
à parte. Pela lógica, foram presos
e, depois, mortos.
Houve também 821 presos recebidos de outros órgãos -301 foram mandados para o Deops-SP,
298 para outros órgãos, 214 liberados, 2 fugiram e 3 morreram.
Os três mortos entre os ""recebidos de outros órgãos" reforçam a
impressão de que morreram na
rua Tutóia, a não ser que o DOI-Codi recebesse cadáveres.
Houve 3.399 que prestaram declarações e foram liberados e 136
que estiveram no DOI e não prestaram declarações, sempre segundo o documento.
A soma dos subitens dos capítulos ""presos pelo DOI" e ""recebidos de outros órgãos" não bate
com o total: faltam 5 pessoas.
""Devem ser desaparecidos", diz o
jornalista Ivan Seixas, que esteve
preso no DOI-Codi.
Indícios
Há três indícios de que o documento encontrado no Arquivo do
Estado é verdadeiro:
1) não é peça isolada, mas o
quarto de uma sequência que
contém relatórios de junho, julho
e setembro de 1974 -deve haver
mais recentes no acervo;
2) em 23 páginas de ""RPIs" copiadas pela Folha, há a rubrica do
""Gen d'Ávila" (ou ""Gen Ávila").
O general Ednardo d'Ávila Melo
era o comandante do 2º Exército.
Foi afastado após o assassinato
sob tortura do jornalista Vladimir
Herzog, em 1975. No Exército, é
comum o emprego da abreviatura ""gen.", e não ""gal.", para designar um general;
3) duas pessoas, uma delas oficial do Exército, que passaram alguns anos da década de 70 no
DOI-Codi disseram que o relatório é mesmo do Exército;
4) em janeiro do ano 2000, o jornal ""O Globo" publicou reportagem sobre uma monografia escrita em 1977, na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército,
pelo então major Freddie Perdigão.
Ao falar sobre o DOI-Codi do 2º
Exército, Perdigão, sem se referir
a nenhum documento oficial nem
descrever suas fontes, citou números semelhantes ao do ""RPI nº
06/75". O depoimento do oficial,
que atuava basicamente no Rio,
foi mais um testemunho sobre o
DOI-Codi paulista.
Mortes
Para o advogado Luís Francisco
Carvalho Filho, integrante da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos criada pela lei 9.140/
95, ""este documento não alteraria
decisões da comissão, mas reforça
a tese de que se morria no DOI-Codi. Não se prende morto, não
se recebe morto de outros órgãos".
Houve poucos casos em que o
governo militar reconheceu mortes no DOI-Codi, como as dos militantes José Ferreira de Almeida
(agosto de 1975), Vladimir Herzog (outubro de 1975) e Manoel
Fiel Filho (janeiro de 1976), todas
após o ""RPI nº 06/75". Nas três vezes, sustentou que eles se suicidaram. Vários testemunhos mostraram que, na verdade, as vítimas
morreram devido à tortura.
É impossível saber exatamente
quantas pessoas morreram no
DOI-Codi do 2º Exército, já que as
autoridades encobriam as causas
verdadeiras. ""Eram montados
teatros, os relatos oficiais falam de
mortes em combate", diz o deputado Nilmário Miranda (PT-MG),
integrante da comissão dos desaparecidos.
No livro ""Dos filhos deste solo",
de autoria de Nilmário Miranda e
Carlos Tibúrcio, são descritos todos os casos analisados pela comissão.
Pelo menos 20 mortes teriam
ocorrido no DOI-Codi, inclusive
de pessoas cujos corpos nunca foram encontrados pelas famílias.
Há dezenas de casos, contudo,
sem pista do local onde os militantes morreram.
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