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CELSO PINTO
Uma crise em formação
Existe uma crise de bom tamanho em formação no mercado financeiro, envolvendo títulos da
dívida brasileira, os bradies. O
prejuízo potencial é grande, especialmente se a cotação dos papéis
se recuperar.
A essência do problema é que
muitas instituições financeiras
venderam bradies (especialmente
os C-bonds, que têm mais liquidez) para entrega futura sem ter
o papel. A aposta era que o valor
dos bradies iria cair muito e seria
possível honrar os contratos comprando barato os papéis no mercado.
O valor das vendas futuras foi
tão grande que supera hoje, em
muito, o volume de papel disponível para compra. Calcula-se
que as operações em aberto com
C-bonds somem US$ 12 bilhões. O
estoque de C-bonds é de cerca de
US$ 7 bilhões, dos quais só uns
US$ 3 bilhões são girados no mercado, um quarto do valor das
operações em aberto.
O preço dos bradies, refletindo
essa escassez, acabou não caindo
tanto. Por essa razão, várias instituições não estão entregando os
papéis, como deveriam. Quem
tem direito de receber pode acionar legalmente quem não está
entregando. Vários bancos confirmaram que existe um bom número de litígios em andamento,
envolvendo grandes bancos internacionais.
O mercado de bradies costuma
usar um contrato padrão, desenhado em 95 pela ISDA (International Securities Dealers Association). Uma cláusula permite o
acionamento jurídico.
A instituição acionada tem 30
dias para cumprir sua obrigação.
O prazo é longo porque esse é um
mercado com menos liquidez, e
pode ser difícil encontrar o papel.
Se, ao final de 30 dias, o banco
não entregar o papel, o credor
pode ir ao mercado, comprar o
papel e apresentar a conta ao devedor. É o que se chama de
"buy-in".
Tanta gente teve dificuldade
em receber o papel que houve
uma reunião, há algumas semanas, na EMTA (Emerging Markets Trading Association). Falou-se em reduzir o prazo do
"buy-in" de 30 dias para 5 dias.
Especulação
Como chegou-se a essa situação? Há duas razões que levam
instituições a ficarem "vendidas"
em bradies brasileiros, ou seja,
com promessa de venda futura
de papéis: proteção (hedge) contra outros investimentos ou especulação.
O princípio do hedge é simples.
Se alguém comprou algum título
em país emergente e quer se proteger contra perdas faz uma operação inversa: uma venda futura
de outro papel, que tenha uma
correlação histórica de preço com
o primeiro papel e que tenha liquidez. Se os dois preços caírem,
o prejuízo no primeiro (posição
"comprada") será compensado
pelo lucro no segundo (posição
"vendida").
Os bradies brasileiros, especialmente os C-bonds, têm muita liquidez e, por esta razão, são
muito usados como hedge. Quem
tinha papel russo, por exemplo,
muitas vezes estava "vendido"
em C-bond. Um banco brasileiro
que tenha muito eurobônus de
empresas brasileiras na carteira
pode fazer o mesmo. Esses eurobônus perderam valor e estão
sem liquidez. Se o banco vende
uma posição equivalente em
C-bond, nos seus livros as operações se anulam. Se os preços de
ambos caírem ou subirem juntos,
o hedge vai funcionar.
Mas há também os que ficam
"vendidos" por razões especulativas. Acharam ou acham que o
Brasil vai sofrer um colapso cambial, os preços dos bradies vão
despencar e vai ser possível comprar os papéis por preços muito
menores. Alguns grandes bancos
internacionais estão nessa aposta.
Quem tem bradies por razões
históricas (absorvidos na negociação da dívida brasileira), como o Banco do Brasil, o Banespa
e alguns bancos privados, pode
alugar esses papéis para outros
bancos. Recebia 0,5% ao ano até
recentemente; hoje, com a demanda de bradies, recebe 6% ou
7%. Pode, também, usar o papel
como garantia para tomar um
empréstimo alavancado de até
quatro ou cinco vezes o valor das
garantias.
Nos dois casos, algum grande
banco está, normalmente, na outra ponta. Os grandes operadores
nesse mercado são o JP Morgan,
o Chase, o Deutsche, a Merrill
Lynch, o Swiss Bank e o ING. Nas
duas hipóteses, do aluguel e da
alavancagem, o banco que fica
com o papel pode, por sua vez,
passá-lo para frente, por venda
ou aluguel. Como compara um
banqueiro, é como se o banco
que fizesse uma hipoteca com alguém pudesse vender ou alugar a
casa hipotecada para terceiros.
É isso que cria uma cadeia de
operações que é maior do que o
volume de papel disponível. Alguns suspeitam que o governo
forçou essa situação ao acionar o
BB para comprar os papéis. Seria
uma forma de encurralar os
"vendidos" e garantir que o preço
dos bradies não iria cair tanto.
Exista ou não a mão do BC por
trás, o fato é que muita gente
está carregando muito prejuízo
não explicitado. Como diz o diretor da Área Externa do BC, Demósthenes Madureira Pinho Neto, se o Brasil recuperar a credibilidade e o valor dos bradies
subir, a subida será potencializada pela escassez de papel e vai
gerar enormes prejuízos.
Os bancos internacionais já estão sob pressão com perdas na
Ásia, na Rússia e com o LTCM.
Há quem diga que os bradies poderão ser uma nova fonte preocupante de prejuízos. Sabe-se que
as autoridades americanas estão
acompanhando a novela dos
bradies de perto.
O Brasil ganha, se a situação
levar a uma subida rápida nos
preços dos bradies, reduzindo o
prêmio de risco. Perde, contudo,
se uma nova rodada de prejuízos
colocar os bancos e os países
emergentes sob suspeita ainda
maior.
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