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Eleição de 89 foi "ensaio geral" democrático
Partidos e imprensa estavam desacostumados a evento de tal magnitude, após 29 anos sem voto direto para presidente
Campanha lançou bases da política de hoje, com uso de siglas nanicas para engordar tempo de TV e a ausência de projeto nacional do PMDB
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ainda era um pouco cedo naquela manhã de novembro de
1989 e os repórteres e fotógrafos esperavam todos sentados
na calçada em frente à mansão
de Silvio Santos, no bairro do
Morumbi, em São Paulo. Foi
quando a porta automática da
garagem começou a se abrir,
lentamente. O Camaro branco
pilotado pelo apresentador de
TV saiu então rapidamente.
Os jornalistas voaram para
seus carros. Começou a perseguição. Para onde estaria indo
Silvio Santos, sozinho ao volante? Algum encontro político secreto para viabilizar sua frágil
candidatura a presidente da
República? Aos poucos, os carros dos repórteres foram ficando todos para trás, menos um.
A Folha conseguiu colar no
Camaro, mesmo depois de
atravessar uma congestionada
ponte Cidade Jardim. Na altura da avenida Faria Lima, Silvio
Santos fez alguns contornos
até estacionar o automóvel.
Desceu e caminhou até o seu
destino: o cabeleireiro Jassa. O
apresentador de TV estava indo para sua sessão semanal de
tintura de cabelo -no caso, na
sua cor predileta: acaju.
A campanha eleitoral de
1989 foi de muita experimentação, não apenas para os políticos, mas para os jornais. Todos
estavam desacostumados a
uma evento daquela magnitude. A última disputa direta para
presidente havia sido em 1960,
com a vitória de Janio Quadros, que renunciaria em 61.
A mídia se interessava pelos
mínimos detalhes de cada candidato. Com tantos candidatos
na disputa, não havia segurança sobre quem poderia estar no
segundo turno. A ponto de menos de um mês antes da eleição
ter sido cogitada a candidatura
de Silvio Santos -inviabilizada
pela Justiça Eleitoral.
"Cristianização"
Ulysses Guimarães (1916-1992) surgiu como um gigante
em 1988. Tinha sido presidente
da Câmara, presidente do
PMDB e presidente da Constituinte. A Folha o acompanhou
em quase todos os seus comícios. Por exemplo, em Tianguá,
no Ceará, e em Oeiras, no Piauí.
Os comícios de Ulysses tinham quase sempre público
postiço. Uma centena ou pouco
mais de cabos eleitorais eram
arregimentados em troca de
um lanche e uma bebida para
fazerem figuração. No final, o
peemedebista teve apenas
4,7% dos votos válidos. Ficou
num humilhante 7º lugar.
Aos 73 anos, era o mais velho
entre os candidatos de 1989.
Reviveu o fenômeno da "cristianização", uma referência a
Cristiano Machado, candidato
a presidente em 1950 pelo PSD
traído pelo partido.
Ulysses foi o para-raios de
todas as traições em 1989. Uma
história contada nos bastidores
do PMDB sobre seu comício
em Pernambuco resume como
era o ambiente. Miguel Arraes
(1916-2005) era o governador
daquele Estado e filiado ao
PMDB. Perguntou a um assessor: "Qual é o pior dia para fazermos um comício aqui para o
Ulysses?". E o assessor: "Domingo. Se chover, todos ficam
em casa. Se fizer sol, todos vão
à praia". Foi o dia escolhido.
PMDB fragmentado
A eleição de 1989 forjou as
bases das principais características da atual política. O PMDB
fracassou com Ulysses. Nunca
mais teve chance de chegar sozinho ao Planalto. Fragmentou-se em grupos regionais.
O PT iniciou ali sua persistente trajetória, com Lula disputando a primeira de suas cinco eleições presidenciais. Ninguém disputou o Planalto mais
do que o petista.
O PSDB, com Mário Covas
(1930-2001), deu o sinal do que
viria mais adiante com Fernando Henrique Cardoso. Covas
escolheu como ideia-força de
sua campanha a necessidade de
dar um "choque de capitalismo" no Brasil. Coube a FHC,
em sua gestão na Presidência,
promover o maior programa de
venda de empresas estatais da
história a partir de 1995.
Fernando Collor de Mello, filiado ao nanico PRN, o Partido
da Renovação Nacional, foi
também o prenúncio de um democratismo renitente na política nacional: a tolerância com
partidos sem voto, mas com
muito dinheiro do fundo partidário e tempo de rádio e de TV
para barganhar nas campanhas
eleitorais.
O sistema eleitoral e partidário não se livra dessas agremiações porque todas são úteis a
quem está no poder. Fazem o
serviço sujo. Foi assim na votação da emenda da reeleição de
Fernando Henrique Cardoso,
em 1998, quando houve compra de votos, e no esquema do
mensalão promovido durante o
governo Lula.
Os nanicos começaram a
funcionar nacionalmente dessa
maneira em 1989 ao terem ajudado Collor. O então quase desconhecido governador alagoano se viabilizou aparecendo
nos programas de TV de partidos pequenos. Collor fez escola.
O modelo é usado até hoje.
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