São Paulo, domingo, 15 de novembro de 2009

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Eleição de 89 foi "ensaio geral" democrático

Partidos e imprensa estavam desacostumados a evento de tal magnitude, após 29 anos sem voto direto para presidente

Campanha lançou bases da política de hoje, com uso de siglas nanicas para engordar tempo de TV e a ausência de projeto nacional do PMDB

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ainda era um pouco cedo naquela manhã de novembro de 1989 e os repórteres e fotógrafos esperavam todos sentados na calçada em frente à mansão de Silvio Santos, no bairro do Morumbi, em São Paulo. Foi quando a porta automática da garagem começou a se abrir, lentamente. O Camaro branco pilotado pelo apresentador de TV saiu então rapidamente.
Os jornalistas voaram para seus carros. Começou a perseguição. Para onde estaria indo Silvio Santos, sozinho ao volante? Algum encontro político secreto para viabilizar sua frágil candidatura a presidente da República? Aos poucos, os carros dos repórteres foram ficando todos para trás, menos um.
A Folha conseguiu colar no Camaro, mesmo depois de atravessar uma congestionada ponte Cidade Jardim. Na altura da avenida Faria Lima, Silvio Santos fez alguns contornos até estacionar o automóvel. Desceu e caminhou até o seu destino: o cabeleireiro Jassa. O apresentador de TV estava indo para sua sessão semanal de tintura de cabelo -no caso, na sua cor predileta: acaju.
A campanha eleitoral de 1989 foi de muita experimentação, não apenas para os políticos, mas para os jornais. Todos estavam desacostumados a uma evento daquela magnitude. A última disputa direta para presidente havia sido em 1960, com a vitória de Janio Quadros, que renunciaria em 61.
A mídia se interessava pelos mínimos detalhes de cada candidato. Com tantos candidatos na disputa, não havia segurança sobre quem poderia estar no segundo turno. A ponto de menos de um mês antes da eleição ter sido cogitada a candidatura de Silvio Santos -inviabilizada pela Justiça Eleitoral.

"Cristianização"
Ulysses Guimarães (1916-1992) surgiu como um gigante em 1988. Tinha sido presidente da Câmara, presidente do PMDB e presidente da Constituinte. A Folha o acompanhou em quase todos os seus comícios. Por exemplo, em Tianguá, no Ceará, e em Oeiras, no Piauí.
Os comícios de Ulysses tinham quase sempre público postiço. Uma centena ou pouco mais de cabos eleitorais eram arregimentados em troca de um lanche e uma bebida para fazerem figuração. No final, o peemedebista teve apenas 4,7% dos votos válidos. Ficou num humilhante 7º lugar.
Aos 73 anos, era o mais velho entre os candidatos de 1989. Reviveu o fenômeno da "cristianização", uma referência a Cristiano Machado, candidato a presidente em 1950 pelo PSD traído pelo partido.
Ulysses foi o para-raios de todas as traições em 1989. Uma história contada nos bastidores do PMDB sobre seu comício em Pernambuco resume como era o ambiente. Miguel Arraes (1916-2005) era o governador daquele Estado e filiado ao PMDB. Perguntou a um assessor: "Qual é o pior dia para fazermos um comício aqui para o Ulysses?". E o assessor: "Domingo. Se chover, todos ficam em casa. Se fizer sol, todos vão à praia". Foi o dia escolhido.

PMDB fragmentado
A eleição de 1989 forjou as bases das principais características da atual política. O PMDB fracassou com Ulysses. Nunca mais teve chance de chegar sozinho ao Planalto. Fragmentou-se em grupos regionais.
O PT iniciou ali sua persistente trajetória, com Lula disputando a primeira de suas cinco eleições presidenciais. Ninguém disputou o Planalto mais do que o petista.
O PSDB, com Mário Covas (1930-2001), deu o sinal do que viria mais adiante com Fernando Henrique Cardoso. Covas escolheu como ideia-força de sua campanha a necessidade de dar um "choque de capitalismo" no Brasil. Coube a FHC, em sua gestão na Presidência, promover o maior programa de venda de empresas estatais da história a partir de 1995.
Fernando Collor de Mello, filiado ao nanico PRN, o Partido da Renovação Nacional, foi também o prenúncio de um democratismo renitente na política nacional: a tolerância com partidos sem voto, mas com muito dinheiro do fundo partidário e tempo de rádio e de TV para barganhar nas campanhas eleitorais.
O sistema eleitoral e partidário não se livra dessas agremiações porque todas são úteis a quem está no poder. Fazem o serviço sujo. Foi assim na votação da emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, quando houve compra de votos, e no esquema do mensalão promovido durante o governo Lula.
Os nanicos começaram a funcionar nacionalmente dessa maneira em 1989 ao terem ajudado Collor. O então quase desconhecido governador alagoano se viabilizou aparecendo nos programas de TV de partidos pequenos. Collor fez escola. O modelo é usado até hoje.


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