São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Para Andrew MacMillan, país deve associar distribuição de alimentos a uma contrapartida social, como o Bolsa-Escola

Combater a fome é vital, diz diretor da FAO

CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O combate à fome deve vir em primeiro lugar. Governos dos países emergentes que subestimam o problema estão fadados a permanecerem à margem do desenvolvimento econômico. Essa é a opinião de Andrew MacMillan, 60, diretor da FAO (organismo das Nações Unidas para agricultura e alimentação) em Roma e um dos mais renomados especialistas em erradicação de fome.
A pedido da equipe de transição, MacMillan visitou o Brasil- entre os dias 30 de novembro e 11 de dezembro- à frente de uma missão composta por membros da FAO, do Banco Mundial e do Bird ( Banco Interamericano de Desenvolvimento). O objetivo era conhecer as propostas do Fome Zero e ajudar o próximo governo a desenhar as linhas do programa.
Para MacMillan, a estratégia correta para eliminar a fome no Brasil deve associar a distribuição de alimentos a uma contrapartida social,como o Bolsa-Escola.
 

Folha - O principal objetivo da missão da FAO, BID e Bird era ajudar a equipe de transição a traçar as linhas principais do Fome Zero. Os objetivos foram alcançados?
Andrew MacMillan -
Tivemos a chance de reunir membros da equipe de transição, do BID e do Bird para ver projetos em andamento e, não apenas, idéias abstratas. Também foi muito importante discutirmos os prós e os contras [do programa Fome Zero" baseados na experiência dos integrantes da missão.

Folha - O que acha do programa?
MacMillan -
A impressão é positiva. O que o programa Fome Zero pretende fazer é o que governos em todos os países do mundo se comprometeram em fazer durante o World Food Summit (reunião de cúpula da FAO), em 1996. O objetivo naquela ocasião era reduzir o número de pessoas que passam fome até 2015. O Brasil está um passo na frente já que pretende erradicar toda a fome.
As propostas apresentadas pela equipe de transição parecem razoáveis. A idéia de um cupom alimentar é boa, mas precisa de reformulações: aumentar o peso do poder de decisão das comunidades locais e associar a concessão do benefício a alguma contrapartida social- participação em programas de alfabetização de adultos, de manutenção de crianças na escola, por exemplo.

Folha - Uma das expectativas era que a missão ajudasse a abrir as portas para linhas de crédito internacional para financiar o programa. Esses recursos vão surgir?
MacMillan -
O Bird e o Bid vão analisar os empréstimos já acordados [para outros programas" para avaliar se eles poderão ser redirecionados para o Fome Zero. Posteriormente, poderão surgir outros recursos. Mas nada está definido ainda. Quanto à FAO, ela é uma organização para o financiamento de projetos. No momento, estamos avaliando a possibilidade de contribuir com dois projetos de cooperação técnica. O primeiro seria uma consultoria permanente para ajudar as propostas do Fome Zero em realidade. O segundo seria um programa de capacitação profissional rural para populações do Nordeste que sertão atendidas pelo programa.

Folha - É realista afirmar que o Brasil vai eliminar todo o contingente de famintos e desnutridos nos próximos quatro anos?
MacMillan -
É impossível afirmar quanto tempo será preciso para alcançar esse objetivo. Um fator determinante para o sucesso do programa é definir-e levantar- os recursos. O segundo é a capacidade institucional para lidar com um projeto dessa magnitude.

Folha - Que critérios devem ser adotados para estabelecer quem deve ser atendido pelo Fome Zero?
MacMillan -
Durante o período da missão no Brasil, nós discutimos a respeito de como estabelecer esses critérios a fim de que os mais necessitados sejam os primeiros a receber ajuda. O problema é que quanto mais sofisticado o mecanismo de seleção, mais custoso se torna o programa.

Folha - O que tem dado errado no Brasil que faz com que o país não consiga conciliar os avanços na área agrícola com redução dos índices de desnutrição e fome?
MacMillan -
O problema da fome no Brasil deriva mais de questões macroeconômicas que agrícolas. O país tem uma das distribuições de rendas mais injustas do mundo. Ambas políticas sociais e econômicas têm sido míopes.

Folha - Não é uma utopia crer que toda a fome pode ser eliminada?
MacMillan -
Eu acredito que o mundo já possui todas as ferramentas para eliminar esse mal. O que falta é disposição. O Brasil, por exemplo, é um dos maiores exportadores de alimento, mas é preciso assegurar que as pessoas que realmente necessitam de alimento tenho aceso a ele.

Folha - Uma das soluções citadas para combater a fome no Brasil é liberalizar o cultivo e importação de alimentos geneticamente modificados. É uma peça-chave?
MacMillan -
Para eliminar a fome no país não é preciso aumentar dramaticamente a produção agrícola. Já há produção suficiente. Quanto à questão dos transgênicos, antes de pensar em liberá-los, é preciso desenvolver um arcabouço regulatório- que inclui a realização de mais testes- para prevenir eventuais efeitos colaterais acarretados pela implantação desses alimentos no Brasil.


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