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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Lula sem jabuticabas

O aparente bom humor de Luiz Inácio Lula da Silva não conseguiu esconder seu desejo de desabafo, na instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em relação a dois aspectos de um mesmo tema: a perplexidade com a crescente adesão do governo à política de Malan/FMI e as críticas. Não as críticas no PT, já caladas a muque. As de jornalistas, sejam à política econômica ou à composição do Conselho.
A impropriedade das críticas ao aumento de juros e ao corte nas recursos para investimento e até para fins sociais, a ponto de transgredir a Constituição, coube em pequena frase de Lula: "Recebemos o país em situação gravíssima". Não há dúvida. Mas, se o país estivesse maravilhoso, o povão, em vez de eleger Lula, pediria um terceiro mandato para Fernando Henrique Cardoso. Logo, a frase faz sentido, mas explica o resultado eleitoral e o próprio Lula, não a sua política econômica.
Parece haver um grande mal-entendido. A rigor, o acréscimo de 0,5% a juros já nos 25%, ato sinalizador da política econômica, foi, por si mesmo, tão inútil como administração, quanto o foi como fundamento para a crítica. Seu valor simbólico, porém, foi muito forte. E o que o governo não entendeu antes, nem percebeu ainda, é a razão do valor simbólico de seu ato.
O estado de espírito subjacente à montagem da equipe econômica foi transmitido e percebido, mesmo que não racionalizado, com muita clareza: o governo vinha atemorizado ante a tarefa de governar. A percepção ficou igualmente nítida no alívio dos que temiam um governo Lula e no pasmo dos que esperavam mudança. De lá para cá, as palavras e atos só confirmaram a intuição oferecida.
O próprio Lula, passado o primeiro mês em silêncio sobre esses assuntos constrangedores, aborda-os de modo que não deixa dúvida: "Se tivéssemos escolhido um petista para o Banco Central, talvez o mercado reagisse mal e o dólar explodisse, para cinco, seis reais".
Não podia ser mais claro, na confirmação de que o presidente e o seu governo assumiam sem olhar "o mercado" nos olhos, reverentes diante dele. Antecipadamente. Como se um governo não dispusesse de instrumentos para prevenir ou deter ataque especulativo e intimidador. O fato de que o governo anterior tenha consentido em tantos ataques, criados aqui ou vindos de fora, não significa impotência governamental, mas escolha de política econômica.
O contraste que se observa é interessante, triste embora. De uma parte, a felicidade transbordante de ser governo, os braços do povão estendidos em carinho, a festa que não acaba no tempo nem no espaço. De outra, a insegurança de ser governo, o encolhimento, o recuo, o temor do risco, o medo de ser.
Ainda na instalação do Conselho, que é a primeira inovação verdadeira do seu governo, Lula fez sucesso com a história de dois pés de jabuticaba. O que plantou devidamente em um terreno, sem obter jabuticabas em 15 anos, e o que sua mulher plantou em um vaso dentro do apartamento, contrariando o convencional e o marido, que ficou, "como muitos ficam, resmungando e dizendo que era impossível". Mas, "como ela acreditou mais, irrigou mais, cuidou mais do que eu, o pezinho de jabuticaba do apartamento dá frutos quatro ou cinco vezes por ano".
Mais do que a pretendida convocação às disposições dos conselheiros, a fábula de Lula se volta contra o autor, e o adverte de que continua preferindo plantar segundo as regras encontradas. E "resmungando e dizendo que é impossível" fazer diferente.


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