São Paulo, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

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ENTREVISTA DA 2ª

MARCOS ANTÔNIO MONTEIRO

Há duas semanas no cargo, professor diz ser contra ampliar pena de infrator e que saída é emprego

"Endurecer não adianta", diz novo presidente da Febem

Fabiana Beltramin/Folha Imagem
O novo presidente da Febem, Marcos Antônio Monteiro, 49, que se define como um "educador"


GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O professor e administrador de empresas Marcos Antônio Monteiro, 49, vai na contramão dos últimos presidentes da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) de São Paulo e das discussões, nas esferas governamentais, sobre o jovem e a criminalidade. Para ele, mais rigor não vai resolver o problema.
"Essas práticas que endurecem assim, endurecem assado, isso não resolve", afirma. Apesar de estar há apenas duas semanas na presidência da Febem e de ter vivido somente uma pequena experiência na educação de jovens infratores, Monteiro já se mostra convicto do que tem de fazer e também do que não deve ser feito.
Ele se diz contra o endurecimento das regras para os reincidentes graves, o tratamento diferenciado para internos com mais de 18 anos e a proposta de aumentar a pena para o menor infrator em crimes graves (hoje limitada a três anos) para o máximo de dez anos, um dos pontos contidos no projeto de mudança do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) encaminhado ao Congresso pelo governo paulista.
 

Folha - No currículo do senhor não aparece experiência com jovem infrator.
Marcos Antônio Monteiro -
A nossa experiência com adolescente foi em convênios da nossa instituição, o Centro Paula Souza, e a Febem. Convênios, aliás, que atuamos recentemente. Nesse período, aprendemos um pouco sobre a complexidade de se trabalhar educação profissional com o adolescente infrator. A minha experiência, portanto, se resume concretamente a esse fato.

Folha - O senhor conhece o ECA?
Monteiro -
Conhecia superficialmente, estou conhecendo melhor agora.

Folha - Um dos problemas da Febem é o relacionamento com o Ministério Público e com a Justiça. Dos últimos cinco presidentes, dois foram promotores, e a relação não melhorou.
Monteiro -
Não sou alguém que vem do Judiciário, tenho toda a consciência de que eu vou ter de construir essa relação. E a gente constrói essa relação desde que ela tenha base em confiança, em seriedade e em compromisso. O Judiciário vai ter com a gente uma abertura de diálogo. Acho que a instituição tem dificuldades, elas são conhecidas, e o que a gente quer é ouvir muito.

Folha - A antiga gestão da Febem falava em diálogo, mas isso não foi possível. Conselheiros tutelares chegaram a ser barrados em unidades, o que contraria o ECA.
Monteiro -
Tenho dificuldades de falar sobre a gestão anterior. Eu não estava aqui e não sei em que situação isso ocorreu. Comigo, a disposição da conversa é total.

Folha - Ao comentar a troca na Febem, o presidente do sindicato dos funcionários, Antonio Gilberto da Silva, classificou os presidentes da Febem em dois tipos: os de linha dura e os de linha frouxa.
Monteiro -
Eu sou educador.

Folha - E como é essa linha?
Monteiro -
O educador tem responsabilidades, que é impor limites. É preciso orientar no sentido dos limites de convivência. Eu não sou nem mole nem duro. Eu sou educador.

Folha - O senhor acha que internos com mais de 18 anos devem ter um tratamento diferenciado?
Monteiro -
Enquanto estiveram na instituição, não. Vamos tratar da mesma maneira. Eventualmente, a faixa etária pode contribuir para uma definição de perfil.

Folha - A outra gestão estava elaborando um manual de normas, que também iria prever endurecimento das regras de convivência para os reincidentes graves e um tratamento diferenciado para os maiores de 18 anos. O senhor vai levar adiante essas propostas?
Monteiro -
Não conheço esse manual. E, em tese, não concordo com ele. Acho que é necessário sim você buscar um manual de padronização e vejo isso muito mais na questão estrutural administrativa. Essas práticas que endurecem assim, endurecem assado, isso não resolve.

Folha - A antiga gestão falava que o ECA não foi feito para os casos mais graves, e que o RDD [Regime Disciplinar Diferenciado, implantado no sistema penitenciário] só não seria implantado por falta de lei que autorizasse.
Monteiro -
Também não concordo com isso. Diferenças existem e nós vamos buscar estratégias adequadas para lidar com cada um dos perfis. Agora, quando eu falo lidar de maneira adequada, estou falando dentro do princípio da educação. Não estou falando de endurecimento da convivência ou da contenção.

Folha - Qual a posição sobre a redução da maioridade penal?
Monteiro -
Sou contra.

Folha - E em relação à proposta de ampliar o período de internação dos que cometem crimes graves (de três anos para até dez)?
Monteiro -
Sinceramente, eu acho que isso precisa ser melhor estudado. Na questão da aplicação da pena por tempo maior do que os três anos, fica injustificável você interná-lo em um sistema como o da Febem. Como você vai compatibilizar a explicação de que ele precisa de mais de três anos para ser recuperado? Acho que isso precisa ser melhor avaliado. A idéia é que o menor tenha três anos [de internação] e, nesses três anos, vamos fazer o esforço de recuperação. O aumento da pena dele não se traduzirá em melhores oportunidades para reeducá-lo.

Folha - Esse projeto que foi encaminhado pelo governo paulista para o Congresso, o senhor é contra?
Monteiro -
[O projeto] que fala para aumentar para até dez anos, de uma pena que alguém cometeu quando menor? Sou contra. Isso é uma punição maior do que se dá ao adulto.

Folha - Desde 2000, foram cinco presidentes da Febem. Essa alternância não prejudica o trabalho?
Monteiro -
Minha proposta é dinamizar aquilo que vem dando certo. O perfil de atendimento define que você tem diferenças essenciais nesse universo de 6.000 pessoas [número de internos]. Portanto, não é verdade que você tenha uma opção só. O que a gente pretende é compreender essas diferenças e trabalhar os perfis de maneira diferente. Então, tem projetos que eu acho que estão dando certo, que devem continuar, e outros que vamos procurar desenvolver.

Folha - O que não dá certo?
Monteiro -
É cedo para dizer. Mas eu acho que a maior dificuldade da instituição é compreender as diferenças de perfil e ser capaz de construir ações diferentes.

Folha - O tratamento diferenciado só existe na contenção?
Monteiro -
No que diz respeito à contenção, eu não tenho dúvida. No que diz respeito à educação, eu tenho dúvida. É uma tentativa de trabalhar com todos da mesma maneira, o que é um equívoco.

Folha - A gestão anterior prometia atacar os casos de maus-tratos e tortura. Mas as denúncias não param de surgir.
Monteiro -
Tentar resolver de maneira definitiva tem de ser o objetivo da presidência. Agora, nós lidamos com pessoas com histórias diferentes de vida. Não há possibilidade de estabelecer uma regra que garanta que episódios como esses, que a gente abomina, não se repitam. É fato que isso possa ocorrer. Eu acho que isso será minorado com uma postura muito clara, objetiva. Nesse sentido, a corregedoria é fundamental. Mas é fundamental também que os processos não sejam prejulgados e que se dê a todos o direito de defesa.

Folha - O senhor vai mudar algo na estrutura de controle interno?
Monteiro -
A nossa corregedoria, como é muito nova [maio de 2003], herdou um volume de processos do passado muito pesado [cerca de 1.200]. Isso comprometeu o início da sua ação. Agora, ela está mais dentro do tempo, podendo atuar de forma mais direta nesses processos recentes. A instituição demitiu 69 funcionários no ano passado [82 desde 2000]. Isso num total de 8.000.

Folha - Entidades reclamam que esse processo é muito lento. Será feito algo para acelerar isso?
Monteiro -
Está sendo estudado. Essa foi a minha primeira conversa com a corregedoria.

Folha - Então o senhor concorda que o processo está lento?
Monteiro -
Pelos resultados que eu recebi da corregedoria, não dá para ser tão definitivo. Você tem um quadro de herança e se trabalha com enorme dificuldade. Agora, nos novos processos há possibilidade de ser mais ágil. Também precisamos promover um grande programa de capacitação de funcionários, porque o perfil do menor está mudando, e nós precisamos investir também na qualificação de nosso quadro.

Folha - O que mudou nesse perfil?
Monteiro -
Vivemos em uma sociedade cujo quadro é excludente. Acrescente-se a isso o jovem que entra em conflito com a lei. A possibilidade de reinseri-lo tem uma ligação direta com o trabalho. É muito difícil imaginar reintegrar alguém se você não for capaz de empregá-lo.

Folha - Como está a educação profissional na atual estrutura da Febem?
Monteiro -
Tem uma estrutura, mas esse projeto na Febem ainda é tímido. Ele precisa de investimentos. A educação profissional mudou muito nos últimos anos. Você pode construir programas que atuem para uma empregabilidade específica. É sentar com o empresariado e construir um programa que atenda o perfil de competências que ele precisa.

Folha - O senhor falou em perfis, e existe um grupo remanescente da Imigrantes, Parelheiros e Franco da Rocha, que agora está na Vila Maria e no Tatuapé. Eles passaram por locais problemáticos, e não é um curso que vai ressocializá-los.
Monteiro -
Precisa ser [um trabalho] especial pelo próprio perfil. É muito mais difícil, todo mundo sabe disso. Mas não podemos fugir dessa responsabilidade.

Folha - E qual a estratégia para tratar esse grupo?
Monteiro -
Por ser um grupo complicado, o tratamento individualizado é a melhor circunstância. E como você faz um tratamento individualizado em um universo tão grande? É esse esforço de infra-estrutura que precisamos criar para trabalhar com grupos de cinco, de dez.

Folha - E como seria a estrutura?
Monteiro -
Hoje você tem uma unidade que contém. Nem estou chegando no individual. Estou pensando no grupo menor, e as nossas condições físicas não foram concebidas para isso.

Folha - Isso significa modificar a estrutura física.
Monteiro -
Estamos trabalhando em alguns projetos pilotos para as unidades. Tem um quadro na Febem delicado porque durante todo esse tempo de Febem se construiu das formas mais diferentes, do ponto de vista da arquitetura, tamanho, número de internos. É preciso definir alguns padrões, três ou quatro, que garantam eventualmente a possibilidade de um tratamento diferenciado como esses de subgrupos.



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