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ENTREVISTA DA 2ª
MARCOS ANTÔNIO MONTEIRO
Há duas semanas no cargo, professor diz ser contra ampliar pena de infrator e que saída é emprego
"Endurecer não adianta", diz novo presidente da Febem
Fabiana Beltramin/Folha Imagem
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O novo presidente da Febem, Marcos Antônio Monteiro, 49, que se define como um "educador" |
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
O professor e administrador de
empresas Marcos Antônio Monteiro, 49, vai na contramão dos últimos presidentes da Febem
(Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) de São Paulo e das
discussões, nas esferas governamentais, sobre o jovem e a criminalidade. Para ele, mais rigor não
vai resolver o problema.
"Essas práticas que endurecem
assim, endurecem assado, isso
não resolve", afirma. Apesar de
estar há apenas duas semanas na
presidência da Febem e de ter vivido somente uma pequena experiência na educação de jovens infratores, Monteiro já se mostra
convicto do que tem de fazer e
também do que não deve ser feito.
Ele se diz contra o endurecimento das regras para os reincidentes graves, o tratamento diferenciado para internos com mais
de 18 anos e a proposta de aumentar a pena para o menor infrator
em crimes graves (hoje limitada a
três anos) para o máximo de dez
anos, um dos pontos contidos no
projeto de mudança do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) encaminhado ao Congresso
pelo governo paulista.
Folha - No currículo do senhor
não aparece experiência com jovem infrator.
Marcos Antônio Monteiro - A
nossa experiência com adolescente foi em convênios da nossa instituição, o Centro Paula Souza, e a
Febem. Convênios, aliás, que
atuamos recentemente. Nesse período, aprendemos um pouco sobre a complexidade de se trabalhar educação profissional com o
adolescente infrator. A minha experiência, portanto, se resume
concretamente a esse fato.
Folha - O senhor conhece o ECA?
Monteiro - Conhecia superficialmente, estou conhecendo melhor
agora.
Folha - Um dos problemas da Febem é o relacionamento com o Ministério Público e com a Justiça.
Dos últimos cinco presidentes, dois
foram promotores, e a relação não
melhorou.
Monteiro - Não sou alguém que
vem do Judiciário, tenho toda a
consciência de que eu vou ter de
construir essa relação. E a gente
constrói essa relação desde que
ela tenha base em confiança, em
seriedade e em compromisso. O
Judiciário vai ter com a gente uma
abertura de diálogo. Acho que a
instituição tem dificuldades, elas
são conhecidas, e o que a gente
quer é ouvir muito.
Folha - A antiga gestão da Febem
falava em diálogo, mas isso não foi
possível. Conselheiros tutelares
chegaram a ser barrados em unidades, o que contraria o ECA.
Monteiro - Tenho dificuldades
de falar sobre a gestão anterior. Eu
não estava aqui e não sei em que
situação isso ocorreu. Comigo, a
disposição da conversa é total.
Folha - Ao comentar a troca na Febem, o presidente do sindicato dos
funcionários, Antonio Gilberto da
Silva, classificou os presidentes da
Febem em dois tipos: os de linha
dura e os de linha frouxa.
Monteiro - Eu sou educador.
Folha - E como é essa linha?
Monteiro - O educador tem responsabilidades, que é impor limites. É preciso orientar no sentido
dos limites de convivência. Eu
não sou nem mole nem duro. Eu
sou educador.
Folha - O senhor acha que internos com mais de 18 anos devem ter
um tratamento diferenciado?
Monteiro - Enquanto estiveram
na instituição, não. Vamos tratar
da mesma maneira. Eventualmente, a faixa etária pode contribuir para uma definição de perfil.
Folha - A outra gestão estava elaborando um manual de normas,
que também iria prever endurecimento das regras de convivência
para os reincidentes graves e um
tratamento diferenciado para os
maiores de 18 anos. O senhor vai levar adiante essas propostas?
Monteiro - Não conheço esse
manual. E, em tese, não concordo
com ele. Acho que é necessário
sim você buscar um manual de
padronização e vejo isso muito
mais na questão estrutural administrativa. Essas práticas que endurecem assim, endurecem assado, isso não resolve.
Folha - A antiga gestão falava
que o ECA não foi feito para os casos mais graves, e que o RDD [Regime Disciplinar Diferenciado, implantado no sistema penitenciário]
só não seria implantado por falta
de lei que autorizasse.
Monteiro - Também não concordo com isso. Diferenças existem e
nós vamos buscar estratégias adequadas para lidar com cada um
dos perfis. Agora, quando eu falo
lidar de maneira adequada, estou
falando dentro do princípio da
educação. Não estou falando de
endurecimento da convivência
ou da contenção.
Folha - Qual a posição sobre a redução da maioridade penal?
Monteiro - Sou contra.
Folha - E em relação à proposta
de ampliar o período de internação dos que cometem crimes
graves (de três
anos para até
dez)?
Monteiro - Sinceramente, eu
acho que isso
precisa ser melhor estudado.
Na questão da
aplicação da pena por tempo
maior do que os
três anos, fica injustificável você
interná-lo em
um sistema como o da Febem.
Como você vai
compatibilizar a
explicação de
que ele precisa
de mais de três
anos para ser recuperado? Acho
que isso precisa
ser melhor avaliado. A idéia é que o menor tenha
três anos [de internação] e, nesses
três anos, vamos fazer o esforço
de recuperação. O aumento da
pena dele não se traduzirá em melhores oportunidades para reeducá-lo.
Folha - Esse projeto que foi encaminhado pelo governo paulista para o Congresso, o senhor é contra?
Monteiro - [O projeto] que fala
para aumentar para até dez anos, de
uma pena que alguém cometeu
quando menor?
Sou contra. Isso é
uma punição
maior do que se dá
ao adulto.
Folha - Desde
2000, foram cinco
presidentes da Febem. Essa alternância não prejudica o
trabalho?
Monteiro - Minha
proposta é dinamizar aquilo que
vem dando certo.
O perfil de atendimento define que
você tem diferenças essenciais nesse universo de
6.000 pessoas [número de internos].
Portanto, não é
verdade que você
tenha uma opção
só. O que a gente
pretende é compreender essas diferenças e trabalhar os perfis de
maneira diferente. Então, tem
projetos que eu acho que estão
dando certo, que devem continuar, e outros que vamos procurar desenvolver.
Folha - O que não dá certo?
Monteiro - É cedo para dizer.
Mas eu acho que a maior dificuldade da instituição é compreender as diferenças de perfil e ser capaz de construir ações diferentes.
Folha - O tratamento diferenciado só existe na contenção?
Monteiro - No que diz respeito à
contenção, eu não tenho dúvida.
No que diz respeito à educação,
eu tenho dúvida. É uma tentativa
de trabalhar com todos da mesma
maneira, o que é um equívoco.
Folha - A gestão anterior prometia atacar os casos de maus-tratos e
tortura. Mas as denúncias não param de surgir.
Monteiro - Tentar resolver de
maneira definitiva tem de ser o
objetivo da presidência. Agora,
nós lidamos com pessoas com
histórias diferentes de vida. Não
há possibilidade de estabelecer
uma regra que garanta que episódios como esses, que a gente abomina, não se repitam. É fato que
isso possa ocorrer. Eu acho que isso será minorado com uma postura muito clara, objetiva. Nesse
sentido, a corregedoria é fundamental. Mas é fundamental também que os processos não sejam
prejulgados e que se dê a todos o
direito de defesa.
Folha - O senhor vai mudar algo
na estrutura de controle interno?
Monteiro - A nossa corregedoria,
como é muito nova [maio de
2003], herdou um volume de processos do passado muito pesado
[cerca de 1.200]. Isso comprometeu o início da sua ação. Agora, ela
está mais dentro do tempo, podendo atuar de forma mais direta
nesses processos recentes. A instituição demitiu 69 funcionários no
ano passado [82 desde 2000]. Isso
num total de 8.000.
Folha - Entidades reclamam que
esse processo é muito lento. Será
feito algo para acelerar isso?
Monteiro -Está sendo estudado.
Essa foi a minha primeira conversa com a corregedoria.
Folha - Então o senhor concorda
que o processo está lento?
Monteiro - Pelos resultados que
eu recebi da corregedoria, não dá
para ser tão definitivo. Você tem
um quadro de herança e se trabalha com enorme dificuldade.
Agora, nos novos processos há
possibilidade de ser mais ágil.
Também precisamos promover
um grande programa de capacitação de funcionários, porque o
perfil do menor está mudando, e
nós precisamos investir também
na qualificação de nosso quadro.
Folha - O que mudou nesse perfil?
Monteiro - Vivemos em uma sociedade cujo quadro é excludente.
Acrescente-se a isso o jovem que
entra em conflito com a lei. A possibilidade de reinseri-lo tem uma
ligação direta com o trabalho. É
muito difícil imaginar reintegrar
alguém se você não for capaz de
empregá-lo.
Folha - Como está a educação
profissional na atual estrutura da
Febem?
Monteiro - Tem uma estrutura,
mas esse projeto na Febem ainda
é tímido. Ele precisa de investimentos. A educação profissional
mudou muito nos últimos anos.
Você pode construir programas
que atuem para uma empregabilidade específica. É sentar com o
empresariado e construir um programa que atenda o perfil de competências que ele precisa.
Folha - O senhor falou em perfis, e
existe um grupo remanescente da
Imigrantes, Parelheiros e Franco
da Rocha, que agora está na Vila
Maria e no Tatuapé. Eles passaram
por locais problemáticos, e não é
um curso que vai ressocializá-los.
Monteiro - Precisa ser [um trabalho] especial pelo próprio perfil. É muito mais difícil, todo
mundo sabe disso. Mas não podemos fugir dessa responsabilidade.
Folha - E qual a estratégia para
tratar esse grupo?
Monteiro - Por ser um grupo
complicado, o tratamento individualizado é a melhor circunstância. E como você faz um tratamento individualizado em um
universo tão grande? É esse esforço de infra-estrutura que precisamos criar para trabalhar com grupos de cinco, de dez.
Folha - E como seria a estrutura?
Monteiro - Hoje você tem uma
unidade que contém. Nem estou
chegando no individual. Estou
pensando no grupo menor, e as
nossas condições físicas não foram concebidas para isso.
Folha - Isso significa modificar a
estrutura física.
Monteiro - Estamos trabalhando
em alguns projetos pilotos para as
unidades. Tem um quadro na Febem delicado porque durante todo esse tempo de Febem se construiu das formas mais diferentes,
do ponto de vista da arquitetura,
tamanho, número de internos. É
preciso definir alguns padrões,
três ou quatro, que garantam
eventualmente a possibilidade de
um tratamento diferenciado como esses de subgrupos.
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