São Paulo, domingo, 16 de abril de 2000


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COMBATE À SECA
Negócio com empresa estatal gira em torno de US$ 600 milhões
Governo estuda contratar espanhóis sem licitação

JOSIAS DE SOUZA
Diretor da Sucursal de Brasília

Depois de investir pesado no mercado de telefonia e no sistema financeiro, os espanhóis estão prestes a fechar um novo meganegócio no Brasil.
O governo brasileiro negocia a contratação de uma empresa pública da Espanha, a Expansión Exterior, para desenvolver, ao preço de US$ 600 milhões, um programa de combate à seca no Nordeste.
Embora se encontre em estágio avançado, a negociação ainda não ganhou publicidade. No último mês de março, em viagem à Espanha, o ministro Fernando Bezerra (Integração Regional) assinou um contrato com a Expansión.
Discutem-se agora os detalhes do negócio, que deve gerar muita polêmica.
O que se planeja, em resumo, é o seguinte:
1) O governo contratará a Expansión sem licitação;
2) A empresa espanhola cuidará de obter para o Brasil empréstimo de US$ 600 milhões;
3) Em troca, o governo brasileiro entregará à Expansión a tarefa de comprar equipamentos;
4) Pelo menos 50% desses equipamentos virão obrigatoriamente da Espanha;
5) A Expansión apontará as empresas nas quais os equipamentos serão adquiridos. Ela fará todas as licitações. Ao governo brasileiro caberá apenas a supervisão.

Reunião na quarta
Há um ano e dois meses, quando o projeto era pouco mais do que um sonho na cabeça de Ovídio de Ângelis, antecessor de Fernando Bezerra, a Folha chegou a noticiar as tratativas com a Expansión. Uma reunião realizada na noite da última quarta-feira, em Brasília, deixou claro que, desde então, sem alarde, o negócio foi sendo posto de pé.
A reunião aconteceu na pasta da Integração Regional. Contou com a participação de representantes da firma espanhola. Levantaram-se algumas ressalvas jurídicas ao texto do contrato já firmado por Fernando Bezerra.
O texto prevê, por exemplo, que caberá à Expansión executar o programa de combate à seca no semi-árido nordestino. Deve-se atenuar o texto. A mudança é sibilina. Planeja-se atribuir à empresa a gerência da execução das obras.
O documento deixa em aberto um ponto fundamental: a remuneração da Expansión por serviços prestados ao governo brasileiro, seja na obtenção dos recursos, seja na gerência do projeto.
A despeito das dúvidas, o contrato traz a assinatura de outra autoridade brasileira, além de Bezerra: Rômulo Macedo, secretário de Infra-Estrutura Hídrica do ministério. Os dois firmaram o papel em março último, em Barcelona.

Goiás, também
Curiosamente, embora destine-se a resolver o problema da seca no Nordeste, o programa inclui Goiás entre os beneficiários. A elasticidade geográfica que estendeu o semi-árido nordestino até o Centro-Oeste deve-se a um gesto do goiano De Ângelis que, antes de deixar a pasta, cuidou de preservar os interesses do seu Estado.
Uma das cláusulas do contrato já firmado prevê que o seu texto terá versões em espanhol e em português. Em caso de dúvida, prevalecerá a versão em português. O problema é que tal versão não existe, o que não impediu que o documento fosse assinado.
Na opinião de Fernando Bezerra, o contrato que assinou na Espanha não tem validade final. Apenas simboliza o seu desejo de que o negócio, vencidas todas as dúvidas, inclusive as de ordem jurídica, se materialize.
Os espanhóis, porém, segundo apurou a Folha, emprestam às assinaturas das autoridades brasileiras um significado maior. Enxergam-nas como uma evidência de que o negócio não corre mais nenhum tipo de risco.

Collor e filtros
O marco zero do entendimento é um acordo de cooperação econômica firmado com o governo espanhol em 1992 pelo então presidente Fernando Collor. O acordo expirou em 1999.
Não cobriria, portanto, o contrato com a Expansión. Argumenta-se, porém, que, antes que vencesse o prazo, Ovídio de Ângelis assinou com a Espanha um protocolo que legitimaria as atuais negociações.
Há cerca de dois meses, a assessoria jurídica do Ministério da Integração Regional produziu uma nota em que fazia restrições à assinatura do contrato com a Expansión. O texto do documento não é conhecido.
Se for realmente levado adiante, o negócio terá de passar por outros filtros dentro do governo e até do Congresso. Como envolve a importação de equipamentos, com reflexos diretos na balança comercial, precisará contar com o aval do Ministério da Fazenda. Também o Itamaraty (Relações Exteriores) terá de se manifestar.
A obtenção de empréstimo externo depende da aprovação de deputados e senadores. De resto, será necessário vencer a resistência das empresas nacionais, sobretudo as que se julgam em condições de fabricar equipamentos similares aos dos espanhóis.


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