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COMBATE À SECA
Negócio com empresa estatal gira em torno de US$ 600 milhões
Governo estuda contratar espanhóis sem licitação
JOSIAS DE SOUZA
Diretor da Sucursal de Brasília
Depois de investir pesado no
mercado de telefonia e no sistema
financeiro, os espanhóis estão
prestes a fechar um novo meganegócio no Brasil.
O governo brasileiro negocia a
contratação de uma empresa pública da Espanha, a Expansión
Exterior, para desenvolver, ao
preço de US$ 600 milhões, um
programa de combate à seca no
Nordeste.
Embora se encontre em estágio
avançado, a negociação ainda não
ganhou publicidade. No último
mês de março, em viagem à Espanha, o ministro Fernando Bezerra
(Integração Regional) assinou
um contrato com a Expansión.
Discutem-se agora os detalhes
do negócio, que deve gerar muita
polêmica.
O que se planeja, em resumo, é o
seguinte:
1) O governo contratará a Expansión sem licitação;
2) A empresa espanhola cuidará
de obter para o Brasil empréstimo
de US$ 600 milhões;
3) Em troca, o governo brasileiro entregará à Expansión a tarefa
de comprar equipamentos;
4) Pelo menos 50% desses equipamentos virão obrigatoriamente
da Espanha;
5) A Expansión apontará as empresas nas quais os equipamentos
serão adquiridos. Ela fará todas as
licitações. Ao governo brasileiro
caberá apenas a supervisão.
Reunião na quarta
Há um ano e dois meses, quando o projeto era pouco mais do
que um sonho na cabeça de Ovídio de Ângelis, antecessor de Fernando Bezerra, a Folha chegou a
noticiar as tratativas com a Expansión. Uma reunião realizada
na noite da última quarta-feira,
em Brasília, deixou claro que, desde então, sem alarde, o negócio
foi sendo posto de pé.
A reunião aconteceu na pasta da
Integração Regional. Contou com
a participação de representantes
da firma espanhola. Levantaram-se algumas ressalvas jurídicas ao
texto do contrato já firmado por
Fernando Bezerra.
O texto prevê, por exemplo, que
caberá à Expansión executar o
programa de combate à seca no
semi-árido nordestino. Deve-se
atenuar o texto. A mudança é sibilina. Planeja-se atribuir à empresa
a gerência da execução das obras.
O documento deixa em aberto
um ponto fundamental: a remuneração da Expansión por serviços prestados ao governo brasileiro, seja na obtenção dos recursos,
seja na gerência do projeto.
A despeito das dúvidas, o contrato traz a assinatura de outra autoridade brasileira, além de Bezerra: Rômulo Macedo, secretário
de Infra-Estrutura Hídrica do ministério. Os dois firmaram o papel
em março último, em Barcelona.
Goiás, também
Curiosamente, embora destine-se a resolver o problema da seca
no Nordeste, o programa inclui
Goiás entre os beneficiários. A
elasticidade geográfica que estendeu o semi-árido nordestino até o
Centro-Oeste deve-se a um gesto
do goiano De Ângelis que, antes
de deixar a pasta, cuidou de preservar os interesses do seu Estado.
Uma das cláusulas do contrato
já firmado prevê que o seu texto
terá versões em espanhol e em
português. Em caso de dúvida,
prevalecerá a versão em português. O problema é que tal versão
não existe, o que não impediu que
o documento fosse assinado.
Na opinião de Fernando Bezerra, o contrato que assinou na Espanha não tem validade final.
Apenas simboliza o seu desejo de
que o negócio, vencidas todas as
dúvidas, inclusive as de ordem jurídica, se materialize.
Os espanhóis, porém, segundo
apurou a Folha, emprestam às assinaturas das autoridades brasileiras um significado maior. Enxergam-nas como uma evidência
de que o negócio não corre mais
nenhum tipo de risco.
Collor e filtros
O marco zero do entendimento
é um acordo de cooperação econômica firmado com o governo
espanhol em 1992 pelo então presidente Fernando Collor. O acordo expirou em 1999.
Não cobriria, portanto, o contrato com a Expansión. Argumenta-se, porém, que, antes que
vencesse o prazo, Ovídio de Ângelis assinou com a Espanha um
protocolo que legitimaria as
atuais negociações.
Há cerca de dois meses, a assessoria jurídica do Ministério da Integração Regional produziu uma
nota em que fazia restrições à assinatura do contrato com a Expansión. O texto do documento
não é conhecido.
Se for realmente levado adiante,
o negócio terá de passar por outros filtros dentro do governo e
até do Congresso. Como envolve
a importação de equipamentos,
com reflexos diretos na balança
comercial, precisará contar com o
aval do Ministério da Fazenda.
Também o Itamaraty (Relações
Exteriores) terá de se manifestar.
A obtenção de empréstimo externo depende da aprovação de
deputados e senadores. De resto,
será necessário vencer a resistência das empresas nacionais, sobretudo as que se julgam em condições de fabricar equipamentos
similares aos dos espanhóis.
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