São Paulo, quinta, 16 de abril de 1998

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RELIGIÃO
"Estado tem de defender fracos'
Arcebispo faz críticas a governo

FÁBIO GUIBU
da Agência Folha, em Fortaleza

Dom Cláudio Hummes, nomeado arcebispo de São Paulo, responsabilizou o governo federal pelo desemprego no país e afirmou ontem que a falta de trabalho "provém, em grande parte, do neoliberalismo".
D. Cláudio, que assume no dia 23 de maio a Arquidiocese de São Paulo, afirmou também ser contra os métodos anticoncepcionais "não naturais" e contra o aborto, mesmo em caso de estupro. Para ele, cabe à sociedade acolher os bebês rejeitados pelas mães.
A seguir, trechos da entrevista à Agência Folha.

Agência Folha - O sr. se considera um representante da ala progressista ou conservadora da igreja?
D. Cláudio Hummes -
Nem uma coisa nem outra. Eu nunca consegui me identificar com esses perfis. Minha referência é Jesus Cristo.
Agência Folha - Dom Paulo Evaristo Arns é considerado um representante da chamada ala progressista. Como o sr. pretende administrar a Arquidiocese de São Paulo?
D. Cláudio - Ninguém repete outro. Claro que todos nós, como cristãos e como bispos, temos referências comuns. Mas a forma como nós o fazemos é bastante diferenciada.
Agência Folha - O sr é favorável ao aborto legal?
D. Cláudio -
Não, não, de forma nenhuma. Sou responsável pelo setor família na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Tenho lutado constantemente contra qualquer tipo de aborto.
Agência Folha - O que fazer com as crianças rejeitadas pelas mães?
D. Cláudio -
Quando são vítimas de violência, as gestantes carregam um trauma muito ruim e a gente tem de entender esse sofrimento. Mas o que não se pode é incentivar ou orientar essa gestante a abortar. É preciso ajudá-la a perdoar, porque só no dia em que ela conseguir perdoar seu agressor vai começar voltar a ser feliz de novo. Se ela não conseguir acolher seu filho depois que nasce, então é a sociedade quem tem de acolher.
Agência Folha - O sr. aprova os métodos anticoncepcionais?
D. Cláudio -
Assim como a igreja não aprova, eu também não aprovo. Eu sou filho da igreja, fiel à orientação do papa. A igreja nunca proíbe por proibir.
Agência Folha - Como o sr. vê a atuação do MST?
D. Cláudio -
A Igreja não apóia este ou aquele movimento, nominalmente, porque esses movimentos são autônomos e é importante que sejam autônomos. A igreja não tem por que apoiar esse movimento, porque senão ela está assumindo a responsabilidade por tudo o que eles dizem e fazem, e isso não tem sentido. A igreja apóia o direito de a sociedade se organizar para defender seus direitos.
Agência Folha - Como o sr. vê as invasões?
D. Cláudio -
Cada caso tem de ser analisado pela lei e pela sociedade. A propriedade privada não é absoluta, é defendida pela igreja como um direito, mas como um direito secundário. O direito primário é a destinação universal dos bens. Ou seja, os bens da terra são para todos.
Agência Folha - A igreja deve ou não fazer política?
D. Cláudio -
Sim, política não partidária, mas política no sentido maior. Ela não pode entrar em termos partidários, porque não foi fundada para governar a sociedade civil. A igreja ajuda a conscientizar o povo que ele tem responsabilidade política, que não se pode omitir.
Agência Folha - Como a igreja vê o desemprego?
D. Cláudio -
A igreja está alarmada com o alto desemprego. Todos nós sabemos que o desemprego provém, em grande parte, do neoliberalismo. A igreja diz que o neoliberalismo deve ser reformulado. Não se pode deixar tudo simplesmente a cargo do mercado. A parte mais fraca da sociedade tem de ser protegida. O Estado tem de proteger os mais fracos. E nós sabemos que aqui o governo tem assumido elementos do neoliberalismo. É nesse sentido que esse governo sente, sabe que é responsável pelo desemprego que está havendo e até está anunciando que quer combater esse problema.



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