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ENTREVISTA DA 2ª
SEPÚLVEDA PERTENCE
Para ministro, lentidão nas mudanças prometidas desde a onda democrática de 80 frustra eleitorado
Eleitor vive "desalento", afirma presidente do TSE
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente do TSE (Tribunal
Superior Eleitoral), ministro Sepúlveda Pertence, disse que toda a
campanha política promove "a
simplificação dos problemas e
uma certa venda de ilusões" e que
a crise econômica mundial tem
impedido os governantes de dar
respostas imediatas às expectativas dos eleitores. O resultado, segundo ele, seria o "desalento"
com a democracia.
Pertence afirmou que há "uma
frustração de expectativas que a
onda democrática dos anos 80 estabeleceu", citando a campanha
por eleições diretas para presidente da República, e que esse fenômeno é extensivo pelo menos a
outros países da América Latina.
Ele evitou vincular o desalento
do eleitor brasileiro à grande expectativa de mudança depositada
no momento da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à
dificuldade do governo de apresentar soluções rápidas para problemas sociais. "Isso pode agravar, mas vamos esperar o desenvolvimento do governo. É notório
que havia expectativas de mudanças imediatas. Por outro lado, seria ingênuo pensar que essas mudanças pudessem ocorrer com
velocidade neste quadro de vulnerabilidade internacional da
economia dos países periféricos."
O ministro defendeu o horário
eleitoral gratuito, que começa
amanhã, dizendo que sem ele haveria um "massacre do poder econômico" sobre a vontade do eleitor. O programa seria democrático, porque garantiria a aparição
de todos os candidatos, segundo o
ministro. Entretanto ele criticou o
alto custo dessa propaganda.
Pertence é favorável ao voto
obrigatório, à fidelidade partidária e ao financiamento público
das campanhas. Também explicou por que o TSE tornou facultativo o voto do deficiente com graves dificuldades de locomoção ou
manifestação da vontade. Por fim,
afirmou que o voto na urna eletrônica é seguro.
A seguir, os principais trechos
da entrevista concedida por Pertence na sexta-feira:
Folha - Desde as últimas eleições,
em 2000, inúmeros prefeitos foram
cassados por corrupção. Recentemente o TSE cassou o mandato do
governador Flamarion Portela
(RR). O sr. teme que a multiplicação
das denúncias reduza o interesse
na escolha dos novos governantes?
Sepúlveda Pertence - Esse fenômeno da corrupção, sobretudo irregularidades de financiamento
de campanha, não é a única causa,
mas está na base do que tem sido
chamado de desalento democrático. Por outro lado, creio que o
cumprimento pela Justiça Eleitoral do seu dever de reprimir energicamente a corrupção eleitoral
pode ser um fator de restabelecimento da crença na democracia.
Folha - O que mais tem contribuído para o desalento?
Pertence - São fatores profundos, que eu não me animaria a alinhar nesta conversa. O problema
é a própria incapacidade do Estado de enfrentar problemas sociais
concretos, combater as manifestações mais evidentes de iniqüidade social, de miséria. Não falo
do Brasil, falo pelo menos de todos os países não-centrais. Isso
tem uma repercussão muito
maior que questões formais nessa
frustração de expectativas que a
onda democrática dos anos 80 estabeleceu. A verdade é que, por fatores que nada tem a ver com o regime democrático, os governos
têm sido incapazes de enfrentar
os mais graves problemas e realizar as mínimas expectativas da
sociedade. Pelo menos na América Latina, viemos de um período
de quase uniformidade dos regimes militares, de caráter autoritário, e, vamos ser francos, nós todos que lutamos pela retomada
do processo democrático, como é
próprio das campanhas políticas,
simplificávamos as coisas.Aqui
no Brasil, por exemplo, a mística
da eleição direta foi vendida à população como se aquilo não só
fosse necessário para a retomada
das liberdades perdidas, mas também como se fosse a solução para
o fracasso da proposta econômico-social do autoritarismo.
Folha - Uma espécie de remédio
milagroso?
Pertence - Exatamente. Isso é fatal em toda campanha política: a
simplificação dos problemas e
uma certa venda de ilusões. Agora, isso se agravou, porque a retomada do processo democrático
coincidiu com a onda neoliberal e
globalizante, que reduziu substancialmente a capacidade do governo, além da crise fiscal, que está na base de tudo isso.
Folha - O sr. acha que a eleição do
presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, em 2002, com
uma grande expectativa de mudança por parte do
eleitorado, e a incapacidade dele
de dar respostas
imediatas agravam esse fenômeno do desalento?
Pertence - Pode
agravar, mas vamos esperar o desenvolvimento do
governo. É notório que havia expectativas de mudanças imediatas.
Por outro lado,
seria ingênuo
pensar que essas
mudanças pudessem ocorrer com
velocidade neste
quadro de vulnerabilidade internacional da economia dos países
periféricos.
Folha - O que o sr. diria para o
eleitor que, de alguma maneira, teme que o seu voto seja desviado
para outro candidato?
Pertence - Estamos todos da
Justiça Eleitoral no mesmo barco,
confiando não ingenuamente,
mas em razão da virtual unanimidade de todos os pronunciamentos técnicos. Cito como exemplo a
auditoria profundíssima feita pela
Unicamp em 2002 e a própria
tranqüilidade de realização de
duas eleições, sem que tenha havido sequer uma manifestação de
desespero que ousasse atribuir à
urna as derrotas eleitorais.
Folha - O sr. é contra o voto facultativo?
Pertence - Sou contra. Acho que filosoficamente o cidadão é
um órgão do Estado.
Tem, portanto, o direito, mas também o
dever de participar da
mais importante decisão do país, a eleição de seus representantes. Por outro lado, politicamente,
acho que toda a pregação do voto facultativo é feita em bases
que me parecem
muito frágeis, porque, na verdade, o voto inconsciente, comandado, o velho
"voto de cabresto",
esse nunca foi às urnas porque fosse
obrigado. Ele é obrigado por outros fatores. Agora,
setores livres, embora alienados,
esses sim tenderiam ao abstencionismo, que é hoje uma preocupação profunda de democracias de
todos os níveis, de países de diversos estágios de desenvolvimento.
Folha - A decisão do TSE tornando
facultativo o voto dos deficientes
gerou muita polêmica.
Pertence - Ela não foi compreendida. É óbvio que, na medida das possibilidades, o TSE não
se demitiu do esforço para facilitar o acesso do deficiente às urnas.
Há casos dramáticos da impossibilidade de alcançar o local de
alistamento, o local de votação ou
até de manifestação do voto. Foi
nesse sentido a interpretação do
TSE, que ainda vai ser explicitada
em resolução. O tribunal entendeu que, nos casos
em que a imposição do dever constitucional for desproporcional às
dificuldades que
geraria para o cidadão, o eleitor
não irá sofrer sanções pela abstenção. Os protestos
dão a entender que
o tribunal teria dito que o cego ou o
paraplégico está
dispensado de votar e que a Justiça
Eleitoral não tem
nada a ver com lhe
possibilitar o voto.
Não é verdade. É
claro que não temos como dizer
que nas 360 mil seções eleitorais haverá condições
ideais para qualquer tipo de deficiência, mas todo o esforço será
feito. A urna eletrônica é um bom
símbolo, com os mecanismos para a deficiência auditiva e visual.
Folha - A fidelidade partidária é
essencial na reforma política?
Pertence - Um mínimo de compromisso partidário é fundamental. É claro que esse sistema eleitoral que praticamos contribui muito para o descompromisso dos
eleitos com a sua própria legenda,
mas é preciso vencer esse ciclo vicioso. A solução que hoje se prega
é a lista fechada, que torna o eleito
dependente do partido e dificulta
as migrações partidárias.
Folha - Como é a lista fechada?
Pertence - O eleitor não vota em
candidatos, mas no partido, e a
ordem é decidida por mecanismos internos de cada sigla. Vários
países praticam a lista fechada.
Enquanto nós discutimos os defeitos da lista aberta, eles se desesperam com os defeitos da lista fechada. Um deles é o anonimato
do parlamento, porque toda a
campanha se faz em torno de algumas estrelas do partido ou do
candidato a presidente. E o parlamento é composto por figuras
desconhecidas do eleitor.
Folha - O sr. é defensor histórico do financiamento público. Ele
não é mera utopia, já
que na prática permite o "caixa dois"?
Pertence - O primeiro argumento
contra o financiamento público é a
sobrevivência do
caixa dois. A exceção
que eu admito é a arrecadação pelos partidos de contribuição de seus filiados,
como fortalecimento de um instrumento de mobilização de
militância. A partir
daí e da conta bancária única, é possível
viabilizar uma fiscalização eficaz. Seria
bem melhor do que
hoje, em que há a
contribuição livre de pessoas e
empresas privadas. O financiamento privado das eleições está
no cenário desta grande crise
mundial da democracia representativa. Como a comunicação de
massa se tornou um fator insubstituível das campanhas e como,
com a onda neoliberal, a imbricação da economia com o Estado é
também um dado irremovível, o
custo das campanhas se multiplicou ao infinito e a contribuição
eleitoral de particulares, sobretudo empresas, se tornou um investimento. As evidências mundiais
são que o financiamento público
ainda é muito mais barato do que
o retorno do investimento, que é a
contribuição privada das eleições.
Para a lista aberta, o financiamento público é praticamente uma
impossibilidade, porque não há
como regular e controlar a forma
como o partido irá distribuir a sua
cota de financiamento público
entre os seus diversos candidatos.
E eu ainda não estou muito convencido da proposta de lista fechada, pelo menos da forma radical, como está proposta pela comissão da reforma política.
Folha - Vai começar o horário
eleitoral gratuito na terça-feira
[amanhã]. Ele sempre traz muitos
ataques e pedidos de direito de resposta, que tomam boa parte do
tempo das sessões de julgamento
dos tribunais eleitorais. Isso é inerente à democracia ou revela falta
de maturidade no debate político?
Pertence - O debate político
sempre terá a sua cota emocional
e consequentemente a sua cota de
agressividade, mas isso tem melhorado. Em 2002, não houve
maior agressão pessoal entre as
grandes personalidades. A crítica
é fatal, mas a baixaria diminuiu,
em relação às últimas eleições
majoritárias [em 1998].
Folha - O sr. defende o horário
eleitoral gratuito?
Pertence - Não vejo substituição
possível, com todos os seus defeitos, apesar da sua quase anedótica
gratuidade. O preço das campanhas eleitorais é a produção dos
programas de televisão. Defendi
muito, em 1994, a simplificação
da produção dos programas, então reduzidos ao que ele deveria
ser: uma mesa, uma bandeira do
partido e o candidato. Essa norma
foi aplicada naquelas eleições,
mas não vigorou.
Folha - Se fosse feito um plebiscito sobre a manutenção, o programa correria o risco de ser extinto.
Pertence - Provavelmente sim.
Não obstante, o índice de audiência é altamente significativo. Eu
sou suspeito, porque raramente
vejo outros programas e adoro o
horário eleitoral (risos).
Folha - Por que é necessário mantê-lo?
Pertence - Ele ainda é o maior
mecanismo de democratização
possível que temos. Sem ele, haveria o massacre do poder econômico. Na verdade, ele é um financiamento público.
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