São Paulo, quinta, 16 de outubro de 1997.




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HISTÓRIA
Coletânea de depoimentos de ex-presidente, que morreu em 96, traz críticas às eleições diretas e à privatização
Em livro, Geisel critica Collor e Itamar

WILSON TOSTA
da Sucursal do Rio

Críticas aos presidentes Fernando Collor e Itamar Franco e revelações sobre os bastidores do regime militar (1964-1985) marcam o livro "Ernesto Geisel", da Editora Fundação Getúlio Vargas, que chega amanhã às livrarias com 457 páginas de depoimentos na primeira pessoa do ex-presidente.
Resultado de entrevistas concedidas pelo general Geisel (1907-1996) à FGV principalmente entre julho de 1993 e abril de 1994, o livro, que tem um total de 494 páginas e será vendido a R$ 28, mostra que o ex-presidente, até o fim da vida, estava convencido da inadequação do sistema de eleições diretas para a escolha do presidente da República no Brasil.
"O que deram as eleições diretas no Brasil? Collor e Itamar!", afirmou ele em conversas com a cientista política Maria Celina d'Araújo e com o antropólogo Celso Castro, do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas. Os dois organizaram o livro para publicação.
"Incapaz"
Geisel governou o Brasil de 1974 a 1979. Em seu período de governo, promoveu a distensão no regime militar, que, no governo seguinte (de João Baptista Figueiredo), virou a abertura sucedida pela redemocratização do país, ocorrida após 1985.
Para Geisel, Collor era "um incapaz". Mesmo assim, o general contou que votou nele no segundo turno das eleições de 1989, contra o petista Luiz Inácio da Silva.
No primeiro turno, Geisel havia votado no candidato Aureliano Chaves (PFL).
Collor, para Geisel, "enganou o povo todo". O general disse que achou "muito bom" o impeachment que o derrubou em 1992.
Senador de oposição
Sucessor de Collor, Itamar Franco, na opinião de Geisel, ainda estava preso a seu passado de senador de oposição.
As entrevistas do general, em sua maioria, foram realizadas durante o governo Itamar.
O ex-presidente também criticou os processos de privatização e modernização do país.
Para ele, alguns empresários pensam apenas no lucro fácil, e a modernização do Brasil é impossível enquanto persistirem problemas sociais graves, como o analfabetismo.
Noite em claro
Em suas recordações sobre o período em que governou o país, Geisel contou que não dormiu na véspera do dia em que demitiu o general Ednardo d'Ávila do comando do 2º Exército, em São Paulo.
O motivo da demissão foi a morte de Manoel Fiel Filho em dependências de um órgão de repressão política.
Geisel também recordou dificuldades que teve com militares quando decidiu reatar relações com a China, país comunista.
"Se vocês querem ser coerentes, então vamos cortar relações com a Rússia também e vamos nos isolar, vamos virar mesmo uma colônia dos Estados Unidos", disse ele a ministros militares que resistiam à medida.
Depoimentos
Maria Celina d'Araújo disse que o ex-presidente, avesso a entrevistas, concordou em falar desde que não houvesse publicidade.
Cedeu as transcrições, mas condicionou a publicação à decisão de sua mulher, Lucy. Leu as transcrições, fez acréscimos e releu os depoimentos em sua forma e ordem finais.
Segundo a pesquisadora, Geisel se emocionou quando recordou o único filho homem que teve, Orlando, que morreu ainda adolescente em acidente.
Ele também se comoveu ao lembrar a briga que teve com o irmão, também chamado Orlando, que fora ministro do Exército no governo de Emílio Médici, que antecedeu ao de Geisel.



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