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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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O que é preciso reformar no Judiciário?


Carlos Velloso - O problema maior, que atormenta aqueles que precisam da Justiça, é a demora na prestação jurisdicional. Esse não é um problema só brasileiro, mas parece que aqui ele é maior, o que muitas vezes torna a prestação jurisdicional ineficaz.
As principais causas são uma legislação processual extremamente formalista e um sistema de recursos irracional. A sentença que decreta o despejo de um botequim chega ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Isso é irracional.
Na Califórnia, o juiz tem 90 dias para decidir uma demanda na primeira instância, senão perde o salário. Nós temos um processo que na realidade representa a intelectualização da burocracia judiciária. Temos de dar a ele esse sentido prático.
Em segundo lugar, devemos racionalizar o sistema de recursos. Acho também que os tribunais superiores, sobretudo o STF, existem para julgar as questões que têm relevância social, que interessam a milhões de pessoas, não a meia dúzia. A arguição de relevância é fundamental, porque evita que a sentença do despejo do botequim chegue lá.

Sérgio Renault - Na opinião do governo, a verdadeira reforma do Poder Judiciário depende de uma série de medidas. O problema maior é a demora. Não há uma solução mágica.
Defendemos três blocos de medidas. O primeiro refere-se à modernização da gestão. Muito pode ser feito para melhorar o funcionamento da máquina da Justiça a partir de iniciativas que independem de alterações legislativas.
Estamos identificando essas iniciativas, ainda esparsas, como os juizados especiais federais que funcionam basicamente sem papel. Neles os documentos são escaneados e devolvidos às pessoas, e os resultados são relevantes.
O Poder Judiciário tornou-se obsoleto e agora temos de correr atrás do prejuízo. Temos dito que ele precisa chegar ao século 21.
No segundo grupo de medidas está a necessidade de alterar a legislação infraconstitucional para simplificar o sistema de recursos. Essa questão parece quase consensual no meio jurídico. Vamos propor ao Congresso um projeto que institua meios alternativos de solução de conflitos.
A ineficiência do Judiciário tem uma utilidade. Ela serve aos maus pagadores, àqueles que não querem cumprir a sua obrigação e, muitas vezes, à própria administração pública, federal, estadual e municipal. Os governos são os maiores clientes do Judiciário: 80% dos processos que estão nos tribunais superiores os envolvem.
Não é possível que o Estado utilize o Judiciário como se ele fosse uma empresa privada, fazendo com que a ineficiência dele o ajude a "empurrar com a barriga" [suas obrigações].
O terceiro bloco de medidas é de alterações constitucionais. Essa reforma não vai resolver os problemas do Judiciário relacionados à lentidão, mas pode dar maior racionalidade ao sistema e maior democratização interna.

Luiz Antonio Guimarães Marrey - Acho imperiosa a criação de um órgão de fiscalização externa do Judiciário e do Ministério Público. Toda instituição pública tem obrigação de prestar contas à população. No projeto que tramita no Senado, há outras normas salutares, relativas à quarentena dos juízes e à proibição de nepotismo.
Também questiono o sigilo de apurações de atos de juízes e membros do Ministério Público, que hoje são inacessíveis até para quem pediu as providências. Isso dá a impressão à população de um corporativismo extremamente danoso, embora a maioria de juízes e de promotores sejam sérios e trabalhadores.
É necessário também transformar o STF em corte constitucional e permitir que esse tribunal escolha os processos que serão merecedores da sua orientação. É impossível um Supremo Tribunal sufocado de matéria absolutamente repetitiva. Significa jogar dinheiro público na lata de lixo.
O resultado dessa situação é uma Justiça que, apesar do esforço de milhares de juízes, promotores e advogados, entrega um resultado às vezes desigual. Não estou dizendo necessariamente que há visão parcial de quem julga.
Acho necessária a punição contra o recurso manifestamente procrastinatório, pelo menos a súmula impeditiva de recurso.
Eu sugiro ainda a possibilidade de o Ministério Público e a outra parte fazerem acordo em matéria penal em maior número de casos. Não serão acordos espúrios, porque serão feitos à luz do dia, com homologação judicial e vantagem para ambas as partes.

Ives Gandra Martins -Temos quatro problemas fundamentais, que praticamente inviabilizam a Justiça: excesso de instâncias, excesso de recursos processuais, escassez de recursos materiais e escassez de magistrados. A rigor, nesse sistema qualquer bom advogado leva uma questão ao STF. Isso é uma elitização da Justiça, porque quem tem advogados recém-formados ou não dispõe de recursos termina não tendo essa possibilidade.
Estou convencido de que, além da súmula vinculante, seria importante adotar o efeito vinculante das decisões do STF.
Tenho muito receio dos controles externos. Quando se fala na existência deles em países europeus, as referências são a sistemas parlamentares, em que a independência e a autonomia dos Poderes não são tão nítidas.
No Brasil, temos um juiz preso e vários elementos do Ministério da Justiça (policiais federais). Se tivermos de admitir o controle externo do Judiciário, teríamos de admiti-lo também para o Ministério Público, o Ministério da Justiça e o Ministério da Fazenda, porque sabemos que há excelentes policiais e fiscais, mas também há corrupção e nepotismo em todos os Poderes.
As corregedorias não funcionam bem. Precisamos melhorá-las. No Judiciário, talvez o Conselho Nacional de Justiça, da forma como foi idealizado, seja o ideal.


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