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ENTREVISTA DA 2ª - ANTÔNIO PATRIOTA
"Temos de explorar novas direções na relação com os EUA"
Para ex-embaixador em Washington e atual número 2 do Itamaraty, cooperação bilateral deve ir além do aspecto econômico e comercial
Carol T. Powers - 17.out.2007/Bloomberg News
![](../images/n1611200902.jpg) |
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Antônio Patriota durante conferência em Washington
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Dos representantes dos 34 países
do hemisfério Ocidental que
estão sob sua alçada diplomática, o recém-empossado secretário assistente de Barack Obama para a região, Arturo Valenzuela, optou por falar primeiro com o brasileiro Antônio Patriota. Na
conversa, ele concordou com o colega que o
regime golpista hondurenho está descumprindo o acordo firmado entre representantes de seu líder, Roberto Micheletti, e o presidente deposto, Manuel Zelaya. Ontem, Zelaya anunciou rejeitar qualquer acordo.
A conversa entre Valenzuela e Patriota pode
resultar num novo caminho dos EUA para
tentar resolver a crise hondurenha. Essa foi
uma das revelações que o brasileiro fez à Folha na sede provisória da Embaixada do Brasil em Washington, na quarta-feira. O diplomata chega hoje a Brasília, onde assume o segundo cargo na hierarquia do Itamaraty, de
secretário-geral. Na conversa, ele contou ainda como os EUA veem a relação Irã-Brasil.
FOLHA - O sr. foi embaixador num
período de transição dos EUA, do
fim dos anos Bush ao começo da era
Obama. Do ponto de vista do Brasil,
qual é a diferença entre os dois momentos históricos?
ANTÔNIO PATRIOTA - Houve uma
intuição, talvez uma aposta,
que foi acertada, a partir de
meados do ano [de 2008], talvez agosto, sobretudo quando a
crise econômica começou a ficar mais grave, de que as chances de Obama eram muito
grandes e houve uma intensificação de procura [do Brasil] de
assessores dele.
Uma mensagem que eu
transmitia aos democratas, e
que foi muito bem compreendida pelo Thomas Shannon
[embaixador indicado por Obama para o Brasil], era a de que a
relação bilateral se encontrava
bem emoldurada, estava numa
trilha positiva, construtiva, de
crescente confiança, de ampliação da agenda, e que não era necessário reinventar a roda.
A verdade é que está na hora
de sentarmos com o governo
Obama e estabelecermos algumas áreas de maior ênfase e talvez reconfigurar um pouquinho os mecanismos de cooperação bilateral e também explorar novas direções.
FOLHA - Uma percepção antiga reza que governos republicanos são
melhores para o Brasil, por serem
menos protecionistas. Concorda?
PATRIOTA - Houve um período
-e talvez isso até corresponda
a uma corrente de pensamento
de como deve ser a nossa diplomacia- em que se considerava
que o Brasil deveria concentrar
sua atenção nas questões econômicas e comerciais. Por esse
prisma, torna-se importante
privilegiar relações com a corrente nos EUA mais favorável
ao livre comércio, e historicamente os republicanos tendem
a ser mais favoráveis a isso.
Mas, hoje em dia, a política
externa [brasileira] reflete uma
concepção mais ampla. Claro
que o [aspecto] econômico-comercial continua a manter a
sua importância, mas houve
uma ampliação em outras direções, para questões ambientais
ou de direitos humanos ou de
paz e segurança.
Dentro desse quadro mais diversificado, esse argumento
perde um pouco a força.
As afinidades também com
os democratas são muito importantes. Por exemplo, o fato
de ser mais interessado no multilateralismo, declaradamente
ter uma postura menos militarista que neoconservadores e
republicanos, ser mais atento
ao desenvolvimento, uma palavra que não aparecia muito no
ideário do governo Bush.
FOLHA - Em entrevista em Londres,
Lula disse que Obama não dedica à
América Latina a atenção que o continente merece. Como embaixador,
o sr. percebeu esse descaso?
PATRIOTA - Quando ele fez esse
comentário, refletia uma frustração que é perceptível em
Washington entre os embaixadores latino-americanos a partir de meados deste ano. O primeiro semestre foi de acontecimentos promissores e produtivos, a cúpula [das Américas] de
Trinidad e Tobago, a conferência da OEA que suspendeu a
suspensão de Cuba. E mesmo o
primeiro momento após o golpe de Estado em Honduras, em
que houve repúdio unânime.
Mas é verdade que, a partir
de então, em função da demora
na nomeação do secretário-assistente, do embaixador no
Brasil, do efeito que isso teve
sobre visitas para a região, as
ações ficaram comprometidas
no tempo. Algumas sinalizações sobre a situação em Honduras que pareciam indicar alteração na postura original de
exigência do retorno do presidente eleito ao poder, é um
pouco a esse ambiente a que o
presidente está se referindo.
E também à questão do acordo militar dos EUA com a Colômbia. É curioso que houvesse
expectativa justamente quando Obama foi eleito de que haveria compreensão dos processos políticos da América Latina
no sentido de identificação de
que existe um esforço de incorporação de segmentos tradicionalmente alheios ao processo
político, e que isso levaria a
uma relação que tivesse foco na
cooperação em assuntos sociais, em desenvolvimento.
Até Trinidad e Tobago -e
acredito que ainda seja essa a
intenção, não há porque duvidar- foi esse tipo de pauta. Mas
não deixou de surpreender que
uma das primeiras iniciativas
de maior visibilidade foi justamente no campo militar, característica mais associada a governos republicanos.
FOLHA - Um dos pontos de tensão
entre Brasil e EUA decorre da crise
hondurenha, com o Brasil exigindo
que as eleições sejam reconhecidas
apenas após a volta de Zelaya ao poder e os EUA defendendo que o Congresso definirá se ele volta e que as
eleições terão de ser reconhecidas.
PATRIOTA - Ontem [terça-feira
passada] tomou posse finalmente o secretário Valenzuela.
O primeiro interlocutor da região com quem ele conversou
foi comigo, uma conversa positiva, em que foi possível identificar amplas áreas de acordo. A
primeira é que o governo está
descumprindo o acordo de Tegucigalpa-Árias pela atitude
que manteve em relação à formação do governo de união.
FOLHA - Outro ponto de tensão é a
visita de Ahmadinejad ao Brasil. O
congressista Eliot Engel disse achar
um "erro terrível" de Lula.
PATRIOTA - No próprio Congresso, há outras opiniões. Eu
estive com o congressista Howard Berman, o presidente da
Comissão de Relações Exteriores, e falamos muito serenamente sobre as visitas dos presidentes de Israel, da Autoridade Palestina e do Ahmadinejad,
e comentei que nós mantemos
um diálogo frequente e regular
sobre muitos temas com o Executivo norte-americano que incluem também o Oriente Médio e o Irã, e que, da parte do
Executivo, que é meu interlocutor, não há inquietação.
Pelo contrário, a visita do Ahmadinejad é vista como uma
oportunidade para que sejam
transmitidas determinadas
mensagens. Nós conversamos
longamente com o [enviado especial dos EUA ao golfo Pérsico] Dennis Ross recentemente,
e houve um interesse em recolher nossas percepções sobre o
que está acontecendo no Irã,
porque nós temos embaixada
em Teerã e eles não têm.
FOLHA - Na mesma entrevista, o
presidente Lula afirmou: "Não sei se
os americanos deveriam estar preocupados com o Chávez ou o Chávez
com os americanos. Um discurso
justifica o outro".
PATRIOTA - Desde o início do governo Obama, o presidente Lula tem encorajado EUA e Venezuela a procurar uma acomodação. Esse esforço rendeu frutos
significativos. Um deles foi a
volta dos embaixadores a Caracas e Washington. Eles tinham
sido expulsos e considerados
"persona non grata". Em Trinidad e Tobago, o presidente insistiu muito para que se aproveitasse a ocasião para pelo menos normalizar essa situação. E
isso foi conseguido.
Houve até episódios que não
vou comentar aqui, em que nós
facilitamos e atuamos por debaixo do pano para ajudar a
destravar esse processo. E foi
um processo original, acho que
a primeira vez na história que
uma pessoa considerada "persona non grata" é desconsiderada e recebida de volta.
O presidente Lula mais de
uma vez já disse aos americanos: é impossível entender a
atitude venezuelana em relação aos EUA hoje sem voltarmos ao abril de 2002, a tentativa de golpe contra Hugo Chávez, num contexto em que não
houve condenação pelas autoridades americanas. Ficou criada na região a impressão de que
havia a simpatia pelo golpe.
Logo, se há algum desconforto norte-americano em relação
ao modo de governar de Chávez, a realidade é que na Venezuela a sociedade se polarizou,
mas a oposição demonstrou
que não é necessariamente
mais democrática, porque recorreu ao menos democrático
dos expedientes, o golpe.
FOLHA - O Brasil não é pego no contrapé e leva susto quando os EUA
anunciam que vão aumentar a presença militar na Colômbia ou anunciam a recriação da Quarta Frota e o
governo fica sabendo, se não pela
imprensa, quase ao mesmo tempo?
PATRIOTA - É pego no contrapé.
O que se pode dizer de positivo
é que há um reconhecimento
por parte do governo americano de que esses desenvolvimentos de fato teriam de ter sido objeto de conversas anteriores com os governos da região,
com o Brasil.
Eu acho que é um reconhecimento sincero, mas isso não
nos exime de buscar evitar que
aconteça de novo no futuro, inclusive estamos trabalhando
no estabelecimento de canais,
de mecanismos que evitem isso, de ser pego no contrapé.
FOLHA ONLINE
Leia a íntegra da
entrevista
www.folha.com.br/093191
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