São Paulo, segunda-feira, 16 de novembro de 2009

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ENTREVISTA DA 2ª - ANTÔNIO PATRIOTA

"Temos de explorar novas direções na relação com os EUA"

Para ex-embaixador em Washington e atual número 2 do Itamaraty, cooperação bilateral deve ir além do aspecto econômico e comercial

Carol T. Powers - 17.out.2007/Bloomberg News
Antônio Patriota durante conferência em Washington

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Dos representantes dos 34 países do hemisfério Ocidental que estão sob sua alçada diplomática, o recém-empossado secretário assistente de Barack Obama para a região, Arturo Valenzuela, optou por falar primeiro com o brasileiro Antônio Patriota. Na conversa, ele concordou com o colega que o regime golpista hondurenho está descumprindo o acordo firmado entre representantes de seu líder, Roberto Micheletti, e o presidente deposto, Manuel Zelaya. Ontem, Zelaya anunciou rejeitar qualquer acordo.
A conversa entre Valenzuela e Patriota pode resultar num novo caminho dos EUA para tentar resolver a crise hondurenha. Essa foi uma das revelações que o brasileiro fez à Folha na sede provisória da Embaixada do Brasil em Washington, na quarta-feira. O diplomata chega hoje a Brasília, onde assume o segundo cargo na hierarquia do Itamaraty, de secretário-geral. Na conversa, ele contou ainda como os EUA veem a relação Irã-Brasil.



FOLHA - O sr. foi embaixador num período de transição dos EUA, do fim dos anos Bush ao começo da era Obama. Do ponto de vista do Brasil, qual é a diferença entre os dois momentos históricos?
ANTÔNIO PATRIOTA
- Houve uma intuição, talvez uma aposta, que foi acertada, a partir de meados do ano [de 2008], talvez agosto, sobretudo quando a crise econômica começou a ficar mais grave, de que as chances de Obama eram muito grandes e houve uma intensificação de procura [do Brasil] de assessores dele.
Uma mensagem que eu transmitia aos democratas, e que foi muito bem compreendida pelo Thomas Shannon [embaixador indicado por Obama para o Brasil], era a de que a relação bilateral se encontrava bem emoldurada, estava numa trilha positiva, construtiva, de crescente confiança, de ampliação da agenda, e que não era necessário reinventar a roda.
A verdade é que está na hora de sentarmos com o governo Obama e estabelecermos algumas áreas de maior ênfase e talvez reconfigurar um pouquinho os mecanismos de cooperação bilateral e também explorar novas direções.

FOLHA - Uma percepção antiga reza que governos republicanos são melhores para o Brasil, por serem menos protecionistas. Concorda?
PATRIOTA
- Houve um período -e talvez isso até corresponda a uma corrente de pensamento de como deve ser a nossa diplomacia- em que se considerava que o Brasil deveria concentrar sua atenção nas questões econômicas e comerciais. Por esse prisma, torna-se importante privilegiar relações com a corrente nos EUA mais favorável ao livre comércio, e historicamente os republicanos tendem a ser mais favoráveis a isso.
Mas, hoje em dia, a política externa [brasileira] reflete uma concepção mais ampla. Claro que o [aspecto] econômico-comercial continua a manter a sua importância, mas houve uma ampliação em outras direções, para questões ambientais ou de direitos humanos ou de paz e segurança.
Dentro desse quadro mais diversificado, esse argumento perde um pouco a força.
As afinidades também com os democratas são muito importantes. Por exemplo, o fato de ser mais interessado no multilateralismo, declaradamente ter uma postura menos militarista que neoconservadores e republicanos, ser mais atento ao desenvolvimento, uma palavra que não aparecia muito no ideário do governo Bush.

FOLHA - Em entrevista em Londres, Lula disse que Obama não dedica à América Latina a atenção que o continente merece. Como embaixador, o sr. percebeu esse descaso?
PATRIOTA
- Quando ele fez esse comentário, refletia uma frustração que é perceptível em Washington entre os embaixadores latino-americanos a partir de meados deste ano. O primeiro semestre foi de acontecimentos promissores e produtivos, a cúpula [das Américas] de Trinidad e Tobago, a conferência da OEA que suspendeu a suspensão de Cuba. E mesmo o primeiro momento após o golpe de Estado em Honduras, em que houve repúdio unânime.
Mas é verdade que, a partir de então, em função da demora na nomeação do secretário-assistente, do embaixador no Brasil, do efeito que isso teve sobre visitas para a região, as ações ficaram comprometidas no tempo. Algumas sinalizações sobre a situação em Honduras que pareciam indicar alteração na postura original de exigência do retorno do presidente eleito ao poder, é um pouco a esse ambiente a que o presidente está se referindo. E também à questão do acordo militar dos EUA com a Colômbia. É curioso que houvesse expectativa justamente quando Obama foi eleito de que haveria compreensão dos processos políticos da América Latina no sentido de identificação de que existe um esforço de incorporação de segmentos tradicionalmente alheios ao processo político, e que isso levaria a uma relação que tivesse foco na cooperação em assuntos sociais, em desenvolvimento.
Até Trinidad e Tobago -e acredito que ainda seja essa a intenção, não há porque duvidar- foi esse tipo de pauta. Mas não deixou de surpreender que uma das primeiras iniciativas de maior visibilidade foi justamente no campo militar, característica mais associada a governos republicanos.

FOLHA - Um dos pontos de tensão entre Brasil e EUA decorre da crise hondurenha, com o Brasil exigindo que as eleições sejam reconhecidas apenas após a volta de Zelaya ao poder e os EUA defendendo que o Congresso definirá se ele volta e que as eleições terão de ser reconhecidas.
PATRIOTA
- Ontem [terça-feira passada] tomou posse finalmente o secretário Valenzuela.
O primeiro interlocutor da região com quem ele conversou foi comigo, uma conversa positiva, em que foi possível identificar amplas áreas de acordo. A primeira é que o governo está descumprindo o acordo de Tegucigalpa-Árias pela atitude que manteve em relação à formação do governo de união.

FOLHA - Outro ponto de tensão é a visita de Ahmadinejad ao Brasil. O congressista Eliot Engel disse achar um "erro terrível" de Lula.
PATRIOTA
- No próprio Congresso, há outras opiniões. Eu estive com o congressista Howard Berman, o presidente da Comissão de Relações Exteriores, e falamos muito serenamente sobre as visitas dos presidentes de Israel, da Autoridade Palestina e do Ahmadinejad, e comentei que nós mantemos um diálogo frequente e regular sobre muitos temas com o Executivo norte-americano que incluem também o Oriente Médio e o Irã, e que, da parte do Executivo, que é meu interlocutor, não há inquietação.
Pelo contrário, a visita do Ahmadinejad é vista como uma oportunidade para que sejam transmitidas determinadas mensagens. Nós conversamos longamente com o [enviado especial dos EUA ao golfo Pérsico] Dennis Ross recentemente, e houve um interesse em recolher nossas percepções sobre o que está acontecendo no Irã, porque nós temos embaixada em Teerã e eles não têm.

FOLHA - Na mesma entrevista, o presidente Lula afirmou: "Não sei se os americanos deveriam estar preocupados com o Chávez ou o Chávez com os americanos. Um discurso justifica o outro".
PATRIOTA
- Desde o início do governo Obama, o presidente Lula tem encorajado EUA e Venezuela a procurar uma acomodação. Esse esforço rendeu frutos significativos. Um deles foi a volta dos embaixadores a Caracas e Washington. Eles tinham sido expulsos e considerados "persona non grata". Em Trinidad e Tobago, o presidente insistiu muito para que se aproveitasse a ocasião para pelo menos normalizar essa situação. E isso foi conseguido.
Houve até episódios que não vou comentar aqui, em que nós facilitamos e atuamos por debaixo do pano para ajudar a destravar esse processo. E foi um processo original, acho que a primeira vez na história que uma pessoa considerada "persona non grata" é desconsiderada e recebida de volta.
O presidente Lula mais de uma vez já disse aos americanos: é impossível entender a atitude venezuelana em relação aos EUA hoje sem voltarmos ao abril de 2002, a tentativa de golpe contra Hugo Chávez, num contexto em que não houve condenação pelas autoridades americanas. Ficou criada na região a impressão de que havia a simpatia pelo golpe.
Logo, se há algum desconforto norte-americano em relação ao modo de governar de Chávez, a realidade é que na Venezuela a sociedade se polarizou, mas a oposição demonstrou que não é necessariamente mais democrática, porque recorreu ao menos democrático dos expedientes, o golpe.

FOLHA - O Brasil não é pego no contrapé e leva susto quando os EUA anunciam que vão aumentar a presença militar na Colômbia ou anunciam a recriação da Quarta Frota e o governo fica sabendo, se não pela imprensa, quase ao mesmo tempo?
PATRIOTA
- É pego no contrapé.
O que se pode dizer de positivo é que há um reconhecimento por parte do governo americano de que esses desenvolvimentos de fato teriam de ter sido objeto de conversas anteriores com os governos da região, com o Brasil.
Eu acho que é um reconhecimento sincero, mas isso não nos exime de buscar evitar que aconteça de novo no futuro, inclusive estamos trabalhando no estabelecimento de canais, de mecanismos que evitem isso, de ser pego no contrapé.


FOLHA ONLINE
Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/093191



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