São Paulo, terça, 16 de dezembro de 1997.




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JANIO DE FREITAS
Os gastadores

Sempre que se olha um ato do governo além do que é exposto dele pelo próprio governo, encontra-se motivo para descrer da competência ou da decência, quando não de ambas, que o inspiraram.
Ao repisar mais uma vez o seu assunto obsessivo -a demissão de servidores públicos-, Bresser Pereira curva-se à constatação, tantas vezes negada, de que o Brasil não tem funcionários em excesso, embora, a seu ver, isso não seja motivo para não continuar diminuindo o custo com pessoal. E gaba-se, então, de que o governo já reduziu em 60 mil o quadro de funcionários.
Os servidores amargam três anos sem correção dos vencimentos, mas não é verdade que o governo esteja reduzindo o gasto com pessoal. É só atentar para o Orçamento de 98: o governo prevê gasto de pessoal 20% superior ao deste ano, que já está acima do de 96. Mesmo tendo estabelecido, quando do recente pacote, que em 98 o funcionalismo continuará sem correção.
Que mágica é essa, de menos servidores, nenhuma correção de vencimentos e, como resultado, maior gasto com pessoal? Para começar, os funcionários de alto coturno, os chamados DAS, "de confiança" e outros, nunca foram tão numerosos quanto no governo de Fernando Henrique. Nem ganharam tão bem, jamais. Explica-se: esses cargos são uma das moedas na compra de apoios a Fernando Henrique e, no compasso seguinte, destinados aos parentes e agentes eleitorais dos parlamentares e governadores pagos com o direito de indicar o ocupante do cargo. As vantagens e mordomias dadas a esses novos privilegiados, cujo número de viagens é também recordista, constituem a versão "moderna" do marajá.
A inexistência de correção ou aumento é relativa. Em certas funções tem havido, sim, e senhores aumentos, sob a forma de adicionais, sobretudo na área do governo dita econômica. A cobertura para esse privilégio é a "função estratégica", um conceito criado por Bresser Pereira com originalidade muito pessoal. Medicina, sanitarismo, pesquisa científica, pesquisa tecnológica, ensino superior, entre outras atividades essenciais para o futuro do país, não mereceram as graças de "funções estratégicas". Para aquelas, os vencimentos e as verbas só encolhem.
A redução do quadro de funcionários em 60 mil vale como uma forte denúncia ao lado farsante do governo. Grande parte dessa redução, em número que o governo até hoje não revelou, é composta de servidores que precipitaram a aposentadoria, em razão do terrorismo de Bresser Pereira contra os funcionários, nos dois primeiros anos do governo. Só no ensino, são mencionadas 5.000 aposentadorias apressadas. Os serviços de medicina pública sofreram também enorme perda.
Depois de proibir concursos e nomeações, o governo foi obrigado a fazer o oposto. Continua fazendo e fará muito ainda para preencher as vagas deixadas pelos novos aposentados em funções indispensáveis. Ainda hoje são inúmeros os serviços hospitalares que não puderam se recompor, assim como as universidades que ainda não podem oferecer aos alunos o que já lhes davam em ensino.
Eis, então, o resultado da inteligente Operação Bresser Pereira: o governo passou a pagar dezenas de milhares de novas e precipitadas aposentadorias e, mais, os vencimentos dos que está forçado a admitir para preencher as vagas dos aposentados.
É esse tipo de ação que Fernando Henrique e Bresser Pereira chamam de "reforma do Estado".



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