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OPINIÃO
Zilda e o Santo Graal
FERNANDO ALTEMEYER JUNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA
UMA TRISTEZA DOÍDA,
um sentimento de ausência, uma perplexidade nos incomodam. Quão difícil é contemplar a morte de
milhares de irmãos nossos do
povo bom do Haiti. Somou-se a
este calvário coletivo a dor pessoal diante da experiência de
orfandade que vivemos com a
morte da doutora Zilda Arns
Neumann, a "Oma" de milhares de netas e netos que participam da Pastoral da Criança.
Ficou este nó na garganta:
por que tal catástrofe? E por
que com um povo que já viveu
tantas? Por que quem fez tanto
bem como Zilda morre antes do
tempo no exato momento em
que profetiza tempos de paz, de
amor e de vida?
Onde estará a
resposta? Uma antiga lenda do
cristianismo dizia que todas as
perguntas aos sofrimentos humanos seriam respondidas
quando fosse redescoberto o
paradeiro do Santo Graal, o cálice de Cristo. Milhares de cristãos passaram suas vidas na
busca do cálice sagrado. O Santo Graal teria as respostas que
buscamos para esta hora crucial do povo irmão do Haiti? O
Santo Graal nos ajudaria a interpretar a perda da dra. Zilda?
Creio que sim! Zilda fez seu
caminho de vida e mostrou, por
sua morte, o segredo do viver.
Ela decifrou o enigma e bebeu
do cálice sagrado. Zilda morreu
por obedecer ao convite da
Unicef e oferecer-se integralmente pelas crianças de todo o
planeta. Por este sim integral,
ela viverá. Zilda falou de Deus
com suas mãos, com a ciência
médica, com o coração de mãe,
com o sorriso terno, com a fé
teimosa e convicta. Por este
Deus de amor por quem viveu,
ela ressuscitará.
Zilda creu no voluntariado
que envolve a todos na graça do
serviço e da alegria. Creu nas
mulheres pobres e no mutirão
do saber partilhado. Creu no
soro caseiro, na pesagem semanal, no aleitamento materno e
na multimistura. Creu nas
ações educativas de base.
Creu
no sorriso das crianças. Creu na
vida. Creu na esperança. Zilda
encontrou o Santo Graal que
nós tanto buscávamos de forma
equivocada e mítica.
Este o segredo: o Santo Graal
esteve sempre nas mãos das
crianças. Está no ventre das
grávidas. Está na ternura dos
pobres. Está no amor feito ação
e na verdade feita perdão.
O segredo emergiu luminoso
da boca da doutora Zilda na última fala de sua vida: "Como os
pássaros, que cuidam de seus
filhos ao fazer um ninho no alto
das árvores e nas montanhas,
longe de predadores, ameaças e
perigos, e mais perto de Deus,
deveríamos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado,
promover o respeito a seus direitos e protegê-los".
Obrigado, querida e amada
doutora Zilda. Por tua morte e
por tua vida. Por tua missão e
por tua entrega. Por teu amor e
por teu sorriso. Grato por nos
ensinar a ver milagres de Deus
dentro das entranhas da dor.
Grato por ver com teus olhos
ressurreição onde todos só
conseguem vem fatalidade.
Grato por experimentar e gestar vida onde tudo revela dor.
Você encontrou o verdadeiro
Graal: bebeu do cálice do amor
doando sua própria vida. Esta é
a resposta, este é o lugar sagrado: uma vida triturada, misturada e semeada com o povo haitiano. Este é o verdadeiro sentido de viver: fidelidade ao Evangelho no seguimento de Jesus,
com fé, esperança e amor.
FERNANDO ALTEMEYER JUNIOR, mestre em teologia e doutor em ciências sociais, é professor do Depto. de Ciências da Religião da PUC-SP.
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