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Atas expõem caça às bruxas em universidade
DO ENVIADO A CAXIAS DO SUL (RS)
Em uma reunião da Comissão Especial de Investigação Sumária da UFRGS, o
professor Laudelino Teixeira
de Medeiros, da Faculdade
de Filosofia, lamentou a possível não punição de "subversivos". Ele disse, conforme a
ata: "Sinto que pessoas que
manifestamente, até por escrito, tiveram participação
condescendente e até promotora de atos de subversão
ficam fora do jogo".
O presidente da comissão,
Nagipe Buaes, da Faculdade
de Ciências Econômicas, pediu: "Não poderia Vossa Excelência dar, por conseguinte, em caráter secreto, a esta
presidência, os nomes dessas
pessoas a fim de que elas possam ser arroladas, sem revelar de onde emanou a fonte
de informação?"
Laudelino se antecipara,
mas nomeou: "Eu já dei por
escrito. Um nome, por exemplo, é o do professor Pery
Pinto Diniz da Silva". Era o
antigo vice-reitor, que renunciara após o golpe de 1º
de abril de 1964.
O clima de caça às bruxas
predominou no grupo nos
meses seguintes à deposição
do governo constitucional de
João Goulart. Uma obsessão
era castigar quem liberara as
dependências da universidade para um evento a pedido
da irmã de Jango, Neuza, casada com Leonel Brizola.
Alguns componentes pareciam se preocupar com a
imagem, relativizando a atividade repressiva do órgão.
O professor Ney Messias,
da Faculdade de Direito de
Porto Alegre, construiu o raciocínio: "Professar ideologia não é razão para condenar. Mas fazer proselitismo
com base nessa ideologia é
que é delito". O incentivo à
delação prevaleceu. Laudelino sugeriu que denunciantes
tivessem nome preservado,
para não intimidá-los. Professores e alunos acusaram
colegas, porém muitos se recusaram a colaborar.
O general Jorge Teixeira
manifestou atenção particular por estudantes estrangeiros que viajaram a Cuba. O 3º
Exército apresentou relatório com a lista de assistentes
de um curso do historiador
comunista Jacob Gorender.
As atas finais da comissão
não constam do arquivo de
Laudelino. Não se sabe a data
de conclusão dos trabalhos.
O motivo é que ele se afastou. Seu filho Luiz Inácio
Franco de Medeiros contou
que o motivo foi divergência
com os critérios adotados.
"Ele não era de esquerda,
mas não era de direita", disse
o filho. "Laudelino era uma
personalidade complexa",
afirmou o ainda hoje professor do Instituto de Biociências da UFRGS Francisco
Mauro Salzano, 81, da Academia Brasileira de Ciências.
"Era um intelectual, católico
e direitista muito extremo."
A Universidade de Caxias
do Sul não se pronunciou sobre a posse das atas da comissão da UFRGS. Os responsáveis pelo seu centro de
documentação e biblioteca,
gerenciados com rigor e métodos de padrão internacional, estão em férias.
É provável que a aquisição
do acervo tivesse como interesse principal os livros de
Laudelino (a biblioteca da
UCS reúne 950 mil volumes). Veio junto um tesouro
da história.
(MM)
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