São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Índice

TODA MÍDIA

Nelson de Sá

A raiz da ferida

Lula, pelo que divulgou o Jornal Nacional anteontem, não voltou antes da hora para o Brasil por causa da derrota na Câmara -e sim pelas mortes diárias no Pará.
Ontem, em uma entrevista destacada na mesma Globo, o presidente da Comissão Pastoral da Terra, d. Tomás Balduíno, mostrou por que o presidente anda mais preocupado com a sua base católica do que com sua base parlamentar.
Balduíno apontou o dedo para o próprio Lula, dizendo que as mortes seguidas poderiam ter sido evitadas, se tivesse ouvido a irmã Dorothy Stang:
- Ela vinha reclamar solução dos problemas daquela terra em conflito. Do avanço sobre aquela área pelo poder econômico, com conivência iníqua do Estado, até da Polícia Civil. Era isso. E não foi ouvida.
Tem mais. Lula pode mandar as tropas que quiser, como destacavam os telejornais em manchete, anteontem. Do aliado histórico de Lula:
- Para mim é paliativo. Porque não pode ficar essa tropa lá o tempo todo. No dia em que for embora, volta a mesma situação. Virou uma ferida. Tem que ir à raiz da ferida, que é a falta de estrutura governamental, oficial, Incra, Ibama.
 
Num momento em que até Severino Cavalcanti diz saber "que o presidente Lula está cansado de alguns ministros", o rosto que marca a ação do governo federal no conflito é o do governador do Acre.
Jorge Viana "representou o presidente" por dois dias, em Brasília e no Pará.

MAIS MORTES

Reprodução
No JN, a "reintegração de posse", com mortos e feridos

As mortes seguidas no Pará, sob o olhar do governo estadual, movem o governo federal, a Igreja Católica, a mídia estrangeira e até a Globo -que deu afinal a cara do governador Simão Jatene no JN.
Já as mortes dos sem-teto em Goiás, sob fogo da polícia estadual, estão longe de provocar reação de proporções semelhantes. No JN, ontem, as cenas e cifras da operação de "reintegração de posse" eram aterrorizantes, já a partir da escalada de manchetes:
- Dois mortos, mais de 20 feridos, 800 detidos.
Mas, ainda na escalada, vinha a desculpa:
- A polícia de Goiás cumpre uma ordem judicial para desocupar um terreno invadido.
Não importa que as imagens mostrassem crianças de joelhos diante de policiais armados. Era uma ordem da Justiça, nada a fazer.
Eram "cerca de 4 mil famílias, que invadiram a área há nove meses". O mais que o governo federal produziu, de sua parte, foi:
- O ministro Nilmário Miranda, dos Direitos Humanos, vai pedir a apuração das mortes.

Deformação
A TV Câmara mostrou desde o início, com a defesa do aumento de salários, e logo Globo News e Band News entraram, ao vivo. Era Severino, em sua primeira entrevista coletiva.
Foi show com direito a bater com a mão na mesa e se revoltar contra "a deformação que estão fazendo do deputado Severino Cavalcanti", ele mesmo.

O udenista...
Para Severino, ele só trocou de partido uma vez. As legendas é que foram mudando. Ele é o mesmo desde a UDN, passando por Arena, PDS, PP.
É como udenista que ele se vê, nos costumes ("não posso acreditar em relações de homem com homem") e no suposto rigor com o dinheiro público. Disse que devolveu milhões, em seu último cargo na Mesa.

... e o governista
Mas o que fez manchete nos telejornais, da coletiva, foi seu apoio à prorrogação do mandato de Lula e o anúncio de que não vai atrapalhar:
- Não podemos criar empecilhos a que o governo cumpra as metas traçadas.
Bloomberg e outras agências destacaram porém que "Cavalcanti se opõe à independência do Banco Central".

Sentido
De sua parte, o PT fazia nova terapia em público. E o fazia na Globo, telejornal após telejornal. José Genoino, no Bom Dia Brasil, acordou afinal para o motivo da derrota:
- [Foi] uma oposição no sentido conservador, diante da candidatura do Luiz Eduardo.
Que é, afinal de contas, advogado de sem-terra.


Texto Anterior: Protestos param três estradas no município
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.